"Aqui as pessoas são magras não por não comerem, mas por caminharem buscando o melhor preço", disse à Sputnik Mundo uma venezuelana que quis permanecer anônima porque seu filho trabalha na Administração Pública e ela acredita que poderia ter seu telefone grampeado.
"A inflação anda de elevador enquanto nos subimos pelas escadas", disse Belkys, uma outra cidadã venezuelana.
"Costumo ir às compras na segunda-feira quando meus filhos me dão dinheiro. Caminho e caminho buscando os melhores preços em diferentes lojas e mercados porque, dependendo de onde procure, os preços variam. Compro queijo, presunto, ovos, legumes, algumas frutas [...] Principalmente, o que não vem na caixa", revelou Belkys.
A caixa de que ela fala é um conjunto de produtos alimentícios distribuídos por toda a Venezuela pelos CLAP (Comissões Locais de Abastecimento e Produção) que entregam produtos básicos e essenciais a quase seis milhões de famílias.
Nos últimos tempos, a permuta também se transformou em uma das medidas mais populares para colmatar a hiperinflação que o país sofre, ou seja, uma subida constante e praticamente diária do preço de tudo, incluindo alimentos e medicamentos.
Pela primeira vez em cinco anos, o Banco Central venezuelano publicou dados oficiais sobre a inflação, balança de pagamentos e atividade econômica do país. Os dados apenas mostram o que todos os venezuelanos sabem, ou melhor dizendo, sentem na sua vida cotidiana: os dados revelam que a inflação no país atinge uma cifra de 130.060% em 2018, sendo a mais alta na história moderna do país.
Segundo o registro histórico do Banco Central, a Venezuela passou o limiar da hiperinflação – mais de 50% mensalmente – em dezembro de 2017 e, desde então, ela não deixa de crescer.
Poucos meses antes, concretamente em agosto de 2017, foi adotado o famoso primeiro pacote de sanções estadunidenses contra o país. A partir da sua introdução, a Venezuela perdeu acesso ao mercado internacional de capitais, tornando impossível para o país financiar e refinanciar sua dívida externa, explicou o economista venezuelano Tony Boza.
"Não podendo emitir títulos de dívida, a Venezuela não pode aceder ao crédito e, se o consegue, paga mais juros que qualquer outro país no mundo, porque seu prêmio de risco – estabelecido pelo monopólio das agências de classificação – supera 5.000 pontos básicos", explicou Boza.
De acordo com o economista, “por cada 100 pontos de qualificação que te dão estas agências, pagas um ponto de taxa de juro nos créditos. A Venezuela tem 5.000 pontos. Isso significa que um crédito que qualquer outro país poderia receber a uma taxa de juro de 3%, a Venezuela deve pagar a taxa de 53%”.
As últimas sanções se tornaram um golpe ainda mais duro para a Venezuela. Em 28 de fevereiro, os EUA anunciaram o embargo da empresa Citgo, filial americana da companhia estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA). A medida bloqueia o acesso do governo de Nicolás Maduro a 18 bilhões de dólares (provenientes da venda de petróleo) destinados à importação de produtos e serviços da primeira necessidade.
A queda da importação provocou o aumento dos preços, ou seja a inflação, devido à falta de oferta no mercado. A Venezuela obtinha 98% de suas divisas com as exportações de petróleo. Segundo o estudo publicado pelo Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (CELAG), a oferta interna depende da quantidade disponível de divisas para importar. Entre 2011 e 2017, as importações se reduziram cinco vezes. Ou seja, passaram de 60 bilhões de dólares para 12 bilhões (de R$ 230 bilhões para R$ 46 bilhões).
Entretanto, segundo Boza, existe mais um fator importante para explicar a inflação venezuelana.
"Foi um erro o Banco Central deixar de publicar há anos dados econômicos, porque também deixou de publicar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que é o indicador chave que sustenta a regulação de preços no mercado", disse o economista.
Para ele, deixando de publicar o índice de preços mais importantes imposto pelo Estado como regulador, todo o sistema foi afetado.
"Desta maneira, o empresariado começou a especular porque não tinha nenhuma referência quando queria apresentar sua lista de preços para adquirir qualquer bem", afirmou ele, explicando que os empresários começaram a adquirir divisas à taxa de câmbio oficial-preferencial e as revender no mercado paralelo de divisas a uma taxa extremamente alta, estabelecida pelos portais na rede.
Segundo o CELAG, o bloqueio financeiro internacional contra a Venezuela causou perdas na produção de bens e serviços de 350 bilhões de dólares (R$ 1,35 trilhões) de 2013 a 2017.
Luis Salas, economista e editor do portal 15yÚltimo, as sanções contra a Venezuela por parte dos EUA são "um cerco medieval e criminal promovido por atores de mentalidade medieval e criminal. E, como todo o cerco deste tipo, é terrorismo contra a população civil".