Dezesseis anos como chanceler: o que garantiu permanência de Lavrov no novo governo russo?

Após muita especulação, Sergei Lavrov foi mantido no posto de ministro das Relações Exteriores da Rússia no governo do novo primeiro-ministro Mishustin. Lavrov completa 16 anos e sete governos de serviço no mais alto posto da diplomacia russa. O que lhe garante essa estabilidade no posto?
Sputnik

Na terça-feira (21), o novo primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin, anunciou os membros de seu novo gabinete de ministros. Em meio a muitas mudanças, Sergei Lavrov foi mantido na chefia da chancelaria russa.

Para entender por que o ministro foi mantido no cargo, a Sputnik Brasil conversou com Aleksei Tokarev, pesquisador sênior do Instituto de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO, na sigla em russo). 

"Ele não só é chefe da diplomacia do país mais extenso do mundo, mas também de um país com um serviço diplomático gigantesco, que cobre muitas vertentes de política externa. Ele é realmente muito profissional, e por isso que manteve o seu posto", explicou.

Houve muito debate sobre a manutenção de Lavrov na chefia da chancelaria da Rússia, mesmo após 16 anos de serviço. No entanto, ainda que o governo Mishustin esteja empenhado em atender aos anseios do eleitorado por mudanças, deve também atender aos anseios do presidente russo, Vladimir Putin, por resultados.

"Existem especulações de que [Lavrov] já teria escrito sua carta de aposentadoria algumas vezes, mas o presidente não o deixa ir", contou Tokarev.

No entanto, ninguém é infalível, e mesmo Lavrov enfrentou algumas dificuldades ao longo de sua carreira. No dia 13 de janeiro, diálogo promovido por Moscou entre as partes em conflito na Líbia alcançou resultados parciais, o que gerou inquietações quanto à manutenção do ministro no posto.

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"Esse posto é de uma importância tão significativa que eventos negativos deste tipo não o influenciam de forma decisiva", garantiu.

Mais tarde, na mesma semana, nova tentativa de diálogo sobre a questão líbia coordenada pela chanceler alemã, Angela Merkel, também alcançou parcos resultados.

Prioridades da política externa de Lavrov

A manutenção de Lavrov no posto é uma indicação de que a Rússia não tem a intenção de modificar a sua política externa a curto e médio prazo. Para Tokarev, a concepção de política externa publicada em 2016 deve continuar a dar o tom da diplomacia russa.

"A prioridade número um de nossa política externa continuará sendo as relações com os Estados pós-soviéticos [...] nós acreditamos que devemos ser o ator-chave nessa região", explicou o especialista russo.

A segunda prioridade deve ser o trato com as grandes potências, como EUA e China. De fato, o destaque da administração Lavrov é o relacionamento entre Moscou e Pequim. Os países são parceiros não só no BRICS, como na Organização para Cooperação de Xangai, que inclui temas de segurança e defesa em sua agenda.

Segundo Lavrov, o resultado dos esforços conjuntos da Federação da Rússia e da China atingiram "níveis sem precedentes de cooperação na história das relações bilaterais, caracterizada como parceria abrangente e interação estratégica", conforme declarou após a última visita do presidente da China, Xi Jinping, à Moscou, em setembro de 2019.

A escala de prioridades é seguida pelo Oriente Médio, com especial atenção para a Síria, disse o especialista.

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"A política externa russa não muda conjunturalmente em função da mudança de governo: ela é claramente definida, transparente e aberta. Precisamos sempre explicar isso para nossos parceiros no Ocidente", contou Tokarev.

Carreira de Lavrov

A primeira visita de Lavrov ao Brasil como ministro foi em 2004, quando acompanhou o presidente russo, Vladimir Putin, na primeira visita de um chefe de Estado da Rússia à Brasília na história. Na ocasião, foi firmada a Aliança Tecnológica entre Brasil e Rússia, primeiro passo para a futura aliança estratégica. 

Atualmente, grande parte dos países da América do Sul, inclusive o Brasil, não exigem visto de cidadãos russos que queiram visitar a região, e a reciprocidade é garantida por parte de Moscou. O sucesso do regime de isenção de vistos é considerado uma vitória da diplomacia de Lavrov. 

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O ministro também liderou os esforços para a formação do grupo BRICS e garantiu que seu país fosse o primeiro anfitrião da Cúpula de Líderes do bloco, que foi celebrada em Ekaterinburgo, na Rússia, em 2009.

O ministro passou por momentos que marcaram a história diplomática, ainda que não necessariamente de forma positiva para todas as partes. Há pouco mais de dez anos, a então secretária de Estado dos EUA, Hilary Clinton, propôs a Lavrov um "recomeço" nas relações bilaterais. Para isso, presenteou-o com um aparato com um botão vermelho, no qual deveria estar escrito "reiniciar", mas estava escrito "sobrecarga".

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Lavrov soube, com humor, perdoar o erro grave e freudiano de tradução cometido pelos seus colegas norte-americanos. 

O ministro é amante de futebol e participa de time de veteranos na Liga Nacional de Futebol Master da Rússia. Torcedor do time moscovita Spartak, Lavrov encontra espaço na agenda para treinar pelo menos uma vez por semana.

"Eu continuo jogando futebol, joguei uma partida ontem. Claro, não corro mais da mesma maneira [...] mas o prazer de marcar um gol ainda é incomparável", declarou o ministro. 

No posto desde março de 2004, Lavrov é um dos políticos mais populares da Rússia. Segundo pesquisa de opinião publicada pelo Centro Panrusso de Pesquisa de Opinião Pública, o ministro goza de índice de popularidade de 70%.

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Todos os anos, Lavrov visita a universidade na qual se formou, o Instituto de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO), para discursar aos futuros diplomatas.

"O patriotismo, fidelidade ao dever e excelente conhecimento de línguas estrangeiras deve ser inerente ao serviço diplomático do nosso país", declarou.

Para ele, as características pessoais também influenciam a carreira do diplomata: "O principal é não trair a confiança de ninguém nesta vida: nem no trabalho, nem nas relações com os camaradas", disse em seu discurso anual. 

Nesta terça-feira (21), o novo primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin, anunciou a formação de seu novo gabinete. Além de Sergei Lavrov, o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, também foi mantido no cargo.

O novo governo foi formado após o governo anterior, liderado por Dmitry Medvedev, ter renunciado, no dia 15 de janeiro de 2019.

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