Uma pesquisa do Ibope de janeiro de 2019 mostrou que o presidente Jair Bolsonaro iniciou o seu governo com uma avaliação de "ótimo ou bom" de 49%, enquanto apenas 11% dos entrevistados responderam que seu governo era "ruim ou péssimo".
De lá pra cá, oito ministros saíram do governo, culminando na mais grave crise enfrentada por Bolsonaro com a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça e da Segurança Pública na última sexta-feira (24).
Acirramento da polaridade e base estável
A mais recente pesquisa do instituto Datafolha, publicada na última segunda-feira (27), dias após a demissão de Sergio Moro, mostrou que 45% são a favor da abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, 48% rejeitam a medida e 6% não souberam opinar.
O apoio em relação a um eventual pedido de renúncia também cresceu diante da mais recente crise do governo. De acordo com o Datafolha, 46% dos entrevistados apoiam um pedido de renúncia do presidente, enquanto 50% rejeitam a ideia. Na mesma pesquisa realizada entre os dias 1º e 3 de abril, esses números eram de 37% e 59%, respectivamente.
A avaliação geral de Bolsonaro, no entanto, revelou ser mais estável em comparação com última pesquisa feita em dezembro de 2019. O presidente foi avaliado como bom ou ótimo por 33%, regular por 26% e ruim ou péssimo por 38%. Em dezembro, estes números eram de 30%, 32% e 36%.
O cientista Político e professor da UERJ, Geraldo Tadeu Monteiro, em entrevista à Sputnik Brasil, destacou que o maior efeito da demissão de Sergio Moro foi a diminuição da indiferença em relação ao governo.
"A última pesquisa do Datafolha mostrou que ainda há uma sustentação, e na verdade houve uma polarização das posições. As pessoas que acham o governo ruim ou péssimo cresceram, foi de 33 para 38%, e aqueles que acham o governo ótimo ou bom foram de 30 para 33%, então houve uma diminuição daqueles que consideram o governo regular. Cada vez menos pessoas ficam indiferentes ao governo Bolsonaro", analisou o especialista.
Efeitos da demissão de Sergio Moro
Na manhã de sexta-feira (24), Sergio Moro pediu demissão do cargo após a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, que, segundo o ex-juiz, mostrava uma interferência do presidente na Polícia Federal.
O discurso de Bolsonaro após a demissão de Moro foi marcado pela acusação de que o ex-ministro afirmou que a troca de Valeixo poderia ocorrer somente em troca de um assento no STF. O pronunciamento do presidente foi acompanhado por panelaços em diversas capitais do país.
O cientista Político Geraldo Tadeu Monteiro observou que a saída de um ministro popular como o Sergio Moro gerou uma turbulência em parte da base de apoio do presidente. De acordo com ele, Sergio Moro havia adquirido uma "aura de paladino da Justiça, de incorruptível, e era o garantidor da continuidade do projeto lavajatista".
"Com certeza a perda do ex-ministro Sergio Moro na base de sustentação do presidente Bolsonaro é de natureza a criar uma dissidência maior. Sem dúvida Sergio Moro tem capital político próprio, construído ao longo de sua atividade como juiz da Operação Lava Jato, que simbolizou o combate à corrupção", argumentou.
Já o cientista político Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou à Sputnik Brasil que, apesar de sua popularidade, o ex-ministro enfrenta resistência no Congresso Nacional.
"Sergio Moro tem um enorme prestígio junto à sociedade, junto ao poder judiciário, junto ao Ministério Público e junto às polícias, mas ele sofre resistências, ressentimentos e rejeições muito grandes no parlamento, tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado", observou.
Na troca de acusações entre Sergio Moro e Jair Bolsonaro, após a demissão do ex-ministro, a resistência que Moro enfrenta no Congresso Nacional abre uma margem de negociação para o presidente aumentar sua base de apoio no parlamento.
Aceno de Bolsonaro ao 'centrão'
Com uma dificuldade de construir uma base no Congresso Nacional durante o governo, nas últimas semanas o presidente Jair Bolsonaro acenou para uma aproximação com o chamado centrão (bloco da Câmara que reúne legendas como PP, PL, Republicanos, PSD e PTB), com a possibilidade de indicações do bloco para cargos em ministérios.
A articulação do presidente com o centrão é vista como uma forma do presidente Bolsonaro se blindar no Congresso, caso as acusações feitas pelo ex-ministro Sergio Moro sobre uma suposta interferência do presidente na Polícia Federal, resultem em um eventual processo de impeachment.
Vale lembrar que, formado por cerca de 200 dos 513 deputados da Câmara, o centrão buscou minar os projetos de Sergio Moro enquanto este assumia o comando do Ministério da Justiça, tendo em vista que o ex-juiz foi responsável por diversas operações que levaram siglas do centrão a julgamento no âmbito da Operação Lava Jato.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por sua vez, afirmou na última terça-feira (28) que o diálogo de Bolsonaro com integrantes do centrão pode resultar na formação de uma "base do governo" na Câmara.
"No parlamento é natural que haja base [do governo], oposição e independentes. Não muda nada a minha relação com o governo, com nenhum partido, continua a mesma. Só que agora, de fato, uma parte, de forma objetiva, pode ser parte de uma base do governo", disse Maia.
Base sólida sustenta o governo?
O especialista em Ciência Política e professor do Instituto Mauá de Tecnologia, Rodrigo Fernando Gallo, disse à Sputnik Brasil que a aproximação de Bolsonaro com o centrão deve levar em consideração que o discurso criado até aqui pelo presidente é de "forte oposição àquilo que ele mesmo tem chamado de política tradicional ou velha política".
"Para não se indispor com sua base eleitoral, que o elegeu com essa ideia de combate à velha política, Bolsonaro precisa mostrar que os acordos com os partidos do centro talvez sejam essenciais para que ele não perca a governabilidade. Do contrário, essa aproximação pode ruir sua base, que já sofreu um abalo parcial com a saída de Sérgio Moro do governo", avaliou Rodrigo Gallo.
De acordo com ele, a aproximação tem uma importância fundamental, porque apesar de ter um eleitorado fiel que corresponde a um terço dos eleitores, o processo de impeachment no Brasil tem base legislativa.
"Isso significa que se o presidente não contar com o apoio da maioria dos parlamentares, além de ter dificuldades para governar ele também pode ser alvo de um processo de impedimento - mesmo contando com alguma base popular", destacou.
"A base popular é importante. Como impeachment é processo legislativo, os parlamentares certamente vão olhar para as pesquisas de opinião pública para saber o tamanho do eleitorado que rejeita o processo - porque esses deputados e senadores vão ter que pedir votos num futuro próximo. Então ter uma base estável pode ajudar a afastar o processo de impeachment", completou o especialista.