Nesta segunda-feira (19), durante uma conferência virtual da Cúpula da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, o ministro Paulo Guedes declarou que o governo federal conseguiu diminuir, com as medidas adotadas, os efeitos da pandemia de coronavírus sobre a economia e os empregos, citando o programa emergencial de manutenção do emprego e da renda, e os números divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) no dia 30 de setembro.
Segundo Paulo Guedes, o Brasil conseguiu preservar grande parte dos empregos, e o ministro aproveitou o evento para fazer uma comparação com os Estados Unidos, afirmando que o Brasil perdeu 11 milhões de empregos desde o início da pandemia, enquanto nos EUA foram 33 milhões.
Para avaliar as declarações de Guedes, a Sputnik Brasil conversou com a socióloga Adriana Marcolino, técnica e assessora sindical do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). De acordo com a especialista, a abordagem do ministro da Economia é equivocada, pois os números trazidos por ele não refletem a realidade do mercado de trabalho no Brasil.
Adriana considera que existem dois problemas na fala do Guedes: o primeiro é comparar os 11 milhões de empregos perdidos no Brasil com os 33 milhões perdidos nos Estados Unidos.
"Isso é um erro porque, apesar de serem números grandes e que causam preocupação, a força de trabalho nos Estados Unidos soma 163,5 milhões de pessoas, enquanto no Brasil esse número é de 96 milhões de indivíduos. Os impactos são distintos porque o tamanho da força de trabalho também é diferente", opina a socióloga.
Além disso, Adriana assinala que, ao falar sobre os dados do mercado de trabalho, Guedes "aborda apenas o mercado formal de trabalho, o que é muito limitado", pois mais de 40% dos trabalhadores brasileiros estão na condição de informais, e a abordagem do ministro é insuficiente para entender a dinâmica do mercado de trabalho no país.
Outro é erro apontado por Adriana na comparação entre Brasil e Estados Unidos está na questão da taxa de desemprego: "no Brasil ela está em 13,3%, enquanto nos EUA ela está em 7,9%, então, a comparação feita pelo Guedes não faz sentido" opina a técnica e assessora sindical do DIEESE.
Números do mercado de trabalho segundo o DIEESE
Em contraste com os dados apresentados por Guedes, Adriana e o DIEESE trazem outras variáveis. De acordo com a entidade, cerca de nove milhões de pessoas perderam seus trabalhos neste ano devido à crise sanitária, econômica e social no Brasil. Além disso, essas pessoas não foram imediatamente procurar uma nova ocupação, pois o país ainda vive um período com medidas de isolamento social e com a economia em crise.
Assim, apesar do número grande de pessoas que perderam seus trabalhos, não houve, em um primeiro momento, uma explosão da taxa de desemprego, pois essas pessoas olham para o mercado e não encontram oportunidades, e elas só entram para essa estatística quando efetivamente começam a buscar trabalho.
Por fim, ainda há o auxílio emergencial que garante minimamente um recurso para suprir as necessidades básicas das famílias, enquanto a crise econômica não é superada. Por conta disso, há um grande número de pessoas que perderam o emprego, mas desistiram de procurar trabalho, o que acaba não se refletindo em um real crescimento da taxa de desemprego.
"Considerando os números totais do mercado de trabalho, que representam os trabalhadores formais e informais, nós perdemos quase nove milhões de postos de trabalho ao longo da pandemia, e já tínhamos algo em torno de 12,8 milhões de pessoas desempregadas. No momento em que essas pessoas desocupadas voltarem para o mercado de trabalho para procurar emprego, a taxa de desempregados no Brasil vai explodir", diz Adriana.
Segundo o DIEESE, a fórmula correta de avaliar a situação do emprego no país se dá através da combinação de diversas variáveis. A primeira delas é a força de trabalho, que é a soma de dois grupos: as pessoas ocupadas, que estão trabalhando, e as desocupadas que estão procurando emprego.
Outra é a força de trabalho potencial, que engloba aqueles que estão fora da força de trabalho, mas gostariam de buscar oportunidades em um cenário econômico mais favorável. Segundo Adriana, esse número já cresceu em cinco milhões de pessoas na pandemia.
Além disso, há os trabalhadores subutilizados, que possuem uma jornada com insuficiência de horas, submetidos a contratos intermitentes, bicos e jornadas em tempo parcial, "mas gostariam de complementar suas horas para complementar seu salário", diz Adriana, que acrescenta que esse grupo cresceu em pouco mais de quatro milhões.
"As formas precárias de inserção no mercado cresceram bastante durante a pandemia do novo coronavírus e também cresceu o número de pessoas que estão fora do mercado e gostariam de retomar sua participação", comenta a socióloga.
Perspectiva para a recuperação da economia
Em relação ao futuro do mercado de trabalho no Brasil, a técnica e assessora sindical do DIEESE considera que ainda é muito difícil fazer um prognóstico de quanto tempo vai demorar para a economia brasileira se recuperar. "O cenário ainda é muito incerto e o país ainda está no meio da crise, com muitas dúvidas sobre quando será possível sair dessa crise, especificamente a sanitária", diz.
Além disso, as medidas de suporte econômico para a pandemia têm, segundo o governo, data para acabar. Com o fim do estado de calamidade pública em dezembro, haverá a retomada de uma política de ajuste fiscal e, portanto, de redução dos investimentos do Estado, tanto na proteção das pessoas como no investimento público para a economia reagir.
"O cenário ainda é instável e o mais provável é que, no ano que vem, a economia ainda sofra os efeitos da crise. Caso apresente um resultado positivo, este será bastante baixo, insuficiente para poder incorporar os setores que sofreram agora em 2020, que perderam empregos. E também será insuficiente para incorporar aqueles que já estavam desempregados, pois entramos em 2020 com uma taxa bastante alta", pondera a especialista.