Um dos primeiros documentos a ser assinado por Jair Bolsonaro ao assumir a presidência foi a MP 870. A medida determinou a extinção do Ministério da Cultura e do Ministério do Trabalho, reduziu o número de ministérios de 29 para 22, além de transferir o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Ministério da Justiça, entre outros pontos polêmicos.
Essa MP, assim como outras 21 Medidas Provisórias tramitando no Congresso, está em vias de ser extinta, se não for votada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
O governo tem até o o dia 3 de junho, para fazer a matéria ser apreciada por deputados, por maioria simples, e por pelo menos 41 senadores. Só então a reforma administrativa seguirá para a mesa do presidente para ser assinada e terá valor de lei.
Se isso não acontecer, apesar do presidente poder reeditar a MP, o fato, além de uma óbvia derrota do governo, será fator de atraso para todos os outros projetos. De todo modo, no caso da MP caducar, Bolsonaro precisará pensar em uma nova estrutura dos ministérios.
Acontece que a MP dos Ministérios, antes de ser submetida ao Plenário, ainda precisa ser votada pela Comissão Mista, para avaliação de sua conformidade com a Constituição Federal. A comissão tem sido o palco de batalha do governo com o Congresso, onde ficaram evidentes os principais pontos de conflito entre o Executivo e o Legislativo nesta questão.
Parte dos parlamentares do chamado Centrão e da oposição recorrem à medida provisória para impor derrotas ao governo ou para barganha política. Pelo menos 541 emendas já foram apresentadas ao texto. No entanto, 8 pontos são os mais discutidos pelos parlamentares, e prometem ser o fiel da balança.
1. Uma das principais demandas tanto da oposição, quando do Centrão e até de aliados do governo é a devolução do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Ministério da Economia. No texto atual, Coaf faz parte do Ministério da Justiça. O órgão, que atua na prevenção e no combate à lavagem de dinheiro, é considerado "estratégico" no combate à corrupção pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, que defende a reforma de modo incisivo. Ou seja, alteração desse ponto significa derrota do governo.
2. Outra demanda da oposição seria a devolução da Fundação Nacional do Índio para o ministério das Justiça, pois com a reforma o órgão passou a ser vinculado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e perdeu a atribuição de demarcar terras indígenas, função que ficou a cargo do Ministério da Agricultura. A pauta incendiou Brasília no mês passado e lideranças indígenas buscaram apoio no Congresso.
3. A restauração do ministério do Trabalho está em terceiro, mas é uma das demandas mais exigidas. O fim do Ministério do Trabalho "ofende o combate ao trabalho escravo", segundo oposição e as políticas de estímulo a criação de empregos também estão em aberto. O Ministério do Trabalho existe desde 1930, e é a primeira vez que é extinto.
4. Outra pauta discutida pelos parlamentares é a volta do Ministério do Desenvolvimento Agrário, antes extinto, e que era Secretaria Especial Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário no governo anterior, vinculada à Casa Civil.
5. A volta do ministério da Cultura também é uma pauta forte da oposição, que goza de forte apoio público. Como exemplo, a extinção do ministério da Cultura já foi revertida durante o governo de Michel Temer.
6. Nem todas as demandas partem da oposição, a exemplo da referente à Coaf. No entanto, a restauração do Ministério de Segurança Pública se trata de claro "fogo amigo". Foi iniciativa do Major Olímpio (PSL), partido do presidente Jair Bolsonaro. Pode não ter sido o intuito do aliado, mas a discussão foi instaurada.
7. A volta do Conselho de Segurança Alimentar (Consea) também foi muito defendido durante o trabalho da Comissão Mista. A ex-presidente do órgão, Elisabetta Recine, saiu em sua defesa e falou par a comissão, se apresentou para os parlamentares. O Consea foi criado em 1993 e contribuiu decisivamente na formulação de políticas de superação da fome.
8. Um ponto ainda indefinido é a inclusão, entre as atribuições do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, da proteção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTI). Bolsonaro é contra a medida.
O que o governo está disposto a dar
Nesta terça-feira, 7 de maio, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), relator da MP dos Ministérios, apresentou seu parecer para os membros da comissão. Em um relatório de 193 páginas, ele afirmou que a MP está dentro da lei, mas incorporou 18 mudanças sugeridas por parlamentares.
Segundo ele, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), precisa permanecer com o ministro de Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, apesar das pressões.
A Fundação Nacional do Índio (Funai), por outro lado, deve ser devolvida ao Ministério da Justiça, atendendo a demanda. Essa é uma vitória parcial, no entanto, pois a demarcação de terras indígenas, que está na Agricultura, deve ser transferida para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), vinculado à Casa Civil.
Outra determinação do relator foi o desmembramento do Ministério do Desenvolvimento Regional com a consequente recriação dos Ministérios das Cidades e da Integração Nacional. Além de voltar a elevar o número de ministérios, a decisão se deu após uma articulação com partidos do Centrão, o que costuma provocar desgastes com os apoiadores do presidente.
Já a recriação do Ministério da Cultura, do Ministério do Trabalho e a definição de políticas para a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais), que também foi excluída da MP 870, não foram contempladas pela relatoria.
Leia o relatório da Reforma na íntegra.
Longe do fim
Segundo o relator da MP, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), o governo tem os votos para sustentar a maioria de suas posições defendidas na Comissão Mista, que deve votar a matéria nesta quinta-feira.
No entanto, o Plenário da Câmara não promete tranquilidade nem velocidade para a provação da reforma administrativa. Debates devem ser retomados, pois os deputados podem votar emendas que não foram contempladas ou tratadas pela Comissão Mista.
Temas como controle por parte do governo de organizações não governamentais, alteração na competência da Agência de Promoção à Exportação (Apex), e outros temas polêmicos ainda devem vir a tona.
Ou seja, os dados continuam rolando em Brasília, e o governo Bolsonaro, pelo menos por enquanto, parece bem amarrado ao Congresso e dependente das demandas dos parlamentares.