Desde o início do mês, o The Intercept vem divulgando trechos de supostas conversas que Moro teria mantido com integrantes da força-tarefa da Lava Jato quando ainda era juiz da 13ª Vara da Justiça Federal, em Curitiba, onde é julgada parte dos processos da Lava Jato.
Quais são os limites da liberdade de imprensa?
A grande repercussão dos vazamentos de conversas do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e membros da força-tarefa da Operação Lava Jato, gerou um intenso debate no sociedade sobre os aspectos legais relacionados ao processo da Lava Jato, mas também sobre a legitimidade das próprias publicações que revelaram os diálogos de autoridades.
Meu marido, o jornalista Glenn Greenwald, mostrando que não tem nada a esconder, aceitou de boa fé o convite para vir falar na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara sobre as matérias jornalísticas que denunciam as ações inconstitucionais do Ministro Sérgio Moro. pic.twitter.com/4xWfK5ZvjZ
— David Miranda (@davidmirandario) 25 de junho de 2019
Em entrevista à Sputnik Brasil, o especialista em Direito da Informática, o advogado Rofis Elias Filho, observou que, caso os diálogos revelados pelo site The Intercept Brasil sejam autênticos, não houve qualquer irregularidade na publicação das conversas.
"A imprensa é livre, ela pode e deve fazer o que está fazendo, de trazer a público esses diálogos, desde que sejam veradadeiros. Agora, se não for verdade o que está sendo levantado, aí sim pode ter uma implicação criminal. Mas a princípio o Intercept não cometeu nenum tipo de irregularidade", argumentou.
O especialista destaca que a Constituição Federal assegura à imprensa e ao jornalista em si uma "liberdade praticamente irrestrita desde que você vincule informações verdadeiras e você não ofenda a moral e a honra de ninguém".
Já o professor de direito constitucional da PUC-Rio, Fábio Carvalho Leite, disse à Sputnik Brasil que o "direito brasileiro infelizmente não tem muitas regras sobre limites à liberdade de imprensa - e de expressão em geral". De acordo com ele, "há uma crença generalizada de que essas situações devem ser julgadas a partir da ponderação casuística, a partir de dispositivos vagos: liberdade de expressão e de imprensa, direito à honra, à imagem e à privacidade e intimidade".
"Quanto aos casos em que se discute se houve ou não violação à honra de alguém em razão de reportagem jornalística, o cenário é bastante confuso, justamente porque não há regras claras para solucionar o conflito. Os dispositivos constitucionais que tutelam a liberdade de expressão, o direito à informação e a inviolabilidade dos direitos da personalidade [art. 5, IV, V, IX, X, XIV da Constituição] não definem até onde vão esses direitos, o que é normal em dispositivos constitucionais", acrescentou.
Proteção de fontes anônimas
De acordo com o Art. 5, inc. XIV da Constituição, "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional".
Sobre este aspecto, o jurista Fábio Leite comentou que "a prática tem sido a de se considerar que a imprensa não só pode como até deve, dizem alguns, divulgar conteúdo de interesse público, resguardado o sigilo da fonte". "Entendo que há exagero quando se diz 'deve', pois não se trata de dever jurídico. No máximo, um dever ético", acrescentou.
Greenwald diz estar sofrendo ameaças após reportagens sobre Operação Lava Jato https://t.co/9n7ZCOiLxo pic.twitter.com/ZtZobEwXaa
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) 14 de junho de 2019
O especialista em direito constitucional afirma que tem sido comum a divulgação pela imprensa de material que consta em processo que tramita em segredo de justiça.
"Ainda que se trate de interceptação telefônica legítima, por decisão judicial e nos termos do art. 5, XII da CF e da lei 9296/96, quem disponibiliza o material para os órgãos de imprensa age ilegalmente. Isso nunca foi considerado um impedimento legal à divulgação pela mídia", completou.
O que é crime e o que não é no vazamento dos dados?
Um dos aspectos mais discutidos desde que começaram as publicações do The Intercept Brasil foi referente a supostas invasões ilícitas a aparelhos privados, o que de acordo com a lei brasileira representa um crime.
O advogado Rofis Elias Filho reiterou à Sputnik Brasil que a Constituição Federal assegura o anonimato de todas as fontes que o jornalista se utiliza para fazer determinada matéria, mas destaca duas situações diferentes em relação ao vazamento dos dados.
"Se foi invadido o aparelho celular, quem invadiu cometeu um crime. É um crime de 'invasão de dispositivo informático', que está previsto pelo Código Penal Brasileiro no artigo 154 A. Isso é um crime. E se essas informações foram dadas por alguém que estava também participando dessa conversa, aí não é crime", destacou.
De acordo com o jurista, "quando uma pessoa participa da conversa com outro, grava essa conversa, seja por texto, seja por voz, e passa para algum terceiro, essa publicação não é ilícita, porque foi a pessoa que estava participando dessas conversas que passou". "E essa outra pessoa não precisa dar a permissão para essa pessoa passar a conversa, aí não tem crime nenhum", acrescenta.
Sérgio #Moro presta explicações ao Senado sobre vazamento de conversas com Dalagnoll no âmbito da Operação Lava Jatohttps://t.co/hZUc74bqAZ
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) 19 de junho de 2019
Ao comentar a hipótese de que houve invasão dos aparelhos, Rofis Elias Filho ressalta também que a mídia responsável por veicular as informações obtidas ilegalmente não pode ser conivente com as hipotéticas infrações no acesso aos dados e pode ser investigada.
"Vamos pressupor que houve invasão dos aparelhos, aí na minha visão o jornalista não pode incobrir um criminoso, porque ele poderia estar sendo conivente com o crime do artigo 154 A. Aí a gente vai ter que ter uma investigação pra saber se esse jornalista também não está envolvido neste crime", observou.
Já professor de direito constitucional Fábio Leite acredita que a imprensa, neste caso "está protegida", apesar de reconhecer que haja "um potencial problemático".
"A imprensa poderia ser um estímulo à obtenção de informação por meios ilícitos, o que seria preocupante num mundo globalizado. Mas, de novo, isso não parece ter sido enfrentado pelo direito brasileiro. Quanto à fonte anônima, nada sabemos a respeito. Cabe ao jornalista protegê-la. Pode ter sido um hacker, pode não ter sido. Não temos informação a respeito", destacou.
Desdobramentos do caso
Ao comentar os possíveis desdobramentos para os integrantes da Operação Lava Jato, bem como para os reús de seus processos, em particular o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o jurista Fábio Leite afirmou que, caso o acesso às informações divulgadas tenha sido feito de forma legal, o ministro Sergio Moro não pode ser punido pelo Conselho Nacional de Justiça, porque não integra mais o Poder judiciário.
Como coordenador da Lava Jato em Curitiba, venho prestar esclarecimentos à sociedade sobre os recentes ataques à força-tarefa: https://t.co/UjGIK0dRxb
— Deltan Dallagnol (@deltanmd) 10 de junho de 2019
Em relação aos procuradores envolvidos, especialmente o procurador Daltan Dallagnol, o especialista citou a lei complementar n. 75/1993 [que é a lei orgânica do Ministério Público da União – que compreende o Ministério Público Federal, MP do Trabalho, MP Militar e MP do Distrito Federal], que dispõe em seu art. 236 que: "Art. 236 – O membro do Ministério Público da União, em respeito à dignidade de suas funções e à da Justiça, deve observar as normas que regem o seu exercício e especialmente: desempenhar com zelo e probidade as suas funções".
"As informações divulgadas até o momento não apontam ilícito criminal por parte dos procuradores", complementou Fábio Leite.
No caso das provas teres sido adquiridas de forma ilícita, o advogado Rofis Elias Filho, por sua vez, destacou que "se a prova for obtida de forma ilícita, ela é ilícita e não pode ser usada para nenhum fim de processo contra qualquer pessoa que esteja envolvida na Lava Jato. Essa prova só pode ser usada para beneficiar o réu".
Condenação de Lula pode ser anulada após vazamentos, diz advogado criminalista https://t.co/6ew9PSP5vV
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) 11 de junho de 2019
"As ilegalidades relacionadas a um processo da Lava Jato não afetam os demais necessariamente. O conteúdo divulgado até o momento revela ilegalidades no processo que levou à condenação do ex-Presidente Lula. O resultado seria a anulação do processo, o que não impede que haja um novo processo, que seria distribuído a outro juiz ainda que o Sergio Moro ainda estivesse exercendo a função. E a outros procuradores também", completou o jurista Fábio Leite.
O ministro Sergio Moro apareceu na semana passada no Senado para dar explicações sobre o conteúdo das mensagens e salientou que não deve ser levado em conta porque elas foram obtidas ilegalmente.
O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, mostrou seu apoio a Moro e não deu indícios de que ele possa tirar o ministro do cargo no curto prazo.