A medida da ONU veio através de um documento na Assembleia Geral e é co-patrocionada por Polônia, Brasil, Canadá, Egito, Iraque, Jordânia, Nigéria, Paquistão e Estados Unidos.
No Brasil, as principais vítimas de intolerância religiosa são os cultos de matriz africana, como a Umbanda e o Candomblé, alvos de ataques de fanáticos e também de traficantes - o que tem crescido.
Para analisar a questão, a Sputnik Brasil conversou com o professor doutor babalaô Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da ONU. O babalaô foi homenageado em julho em Washington por com Prêmio Internacional de Liberdade Religiosa, recebido das mãos do secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo.
Ivanir aponta que o Brasil assinou a recomendação preocupado com os povos cristãos no mundo, e diz que acha estranho que não haja menção às religiões de matriz africana no documento pelo país.
"As religiões de matriz africana [...] não são perseguidas só de hoje. Elas foram perseguidas na Colônia e no Império pela igreja católica, que era o Estado. Depois na República elas são perseguidas pelo próprio Estado republicano", diz o professor e babalaô em entrevista à Sputnik Brasil.
O racismo da época, ratificado pela ciência, serviu como justificativa para a escravidão e, apesar de ser desmentido no século XX, cristalizou-se no imaginário popular.
"Acabou virando uma atitude social em que você tem uma perseguição, uma discriminação na escola escola, na rua pelo desconhecido, na relação de vizinhança, na relação familiar e na relação de trabalho", aponta.
Essa atitude ressurgiu de forma mais violenta recentemente pela mão de grupos armados em favelas.
"E agora, no setor mais extremado, a invasão e queima de casas, feita por um setor novo, que é o de traficantes evangelizados, que acabam perseguindo nas comunidades, queimando objetos, queimando casas e impedindo de fazer a liturgia", diz o babalaô.
O Bonde de Jesus
Recentemente correu o noticiário nacional a prisão de um grupo de 8 traficantes possivelmente liderados por um pastor evangélico no Rio de Janeiro. O chamado "Bonde de Jesus" realizava ataques a terreiros de umbanda e candomblé, como divulgou o UOL. Ivanir recorda que esse tipo de crime é antigo na região.
"Esse fenômeno começa no anos 1990. Nos anos 1990 você tinha um traficante no Morro do Urubu, ali na abolição, que começou a expulsar os religiosos naquela região", diz o babalaô, que tem também lembra de outro caso na região de Acari, também no Rio de Janeiro.
Ivanir também recorda que nos anos 2000 esse mesmo fenômeno chega a diversas regiões do Rio de Janeiro, como na Ilha do Governador, Lins de Vasconcelos e Cidade Alta, se expandindo para a Baixada Fluminense, Zona Oeste, Niterói, São Gonçalo, Campos e região dos lagos.
"Então você percebe que é uma coisa mais orquestrada. Eles têm tido uma atitude que é, desde ir armado na casa de culto e proibir que não toque mais até a ação extremada que é obrigar o sacerdote a quebrar o seu sagrado", explica.
Para conter esse fenômeno, desde 2008, existe a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, da qual Ivanir faz parte. O grupo reúne religiosos de diversas vertentes e realiza, entre outras ações, denúncias, seminários e capacitação para conscientizar religiosos sobre seus direitos e como reivindicá-los em caso de agressões e ameaças. O grupo também publicou o "Guia de Luta contra a Intolerância Religiosa e o Racismo".
"Pressionar as autoridades para elas tomarem a atitude delas e ao mesmo tempo trabalhar com a opinião pública. E se articulando com lideranças evangélicas sérias, que têm colocado que essa não é atitude correta dos setores evangélicos", aponta, acrescentando ainda que esse é um papel que deve ser exercido pelas autoridades.
Intolerância como pauta política
Ivanir dos Santos também alerta para o crescimento dentro da política de uma pauta religiosa, o que hoje é comum em todas as esferas políticas brasileiras.
"Usando a história do medo, do ódio e de uma agenda moral, eles construíram uma pauta conservadora, de ódio e racista, e que tem aumentado seu eleitorado, coesionando seu campo religioso em um eleitorado e aumentando a sua força nas bancadas evangélicas", explica.
O babalaô recorda que há um grande grupo de políticos nos municípios e estados usando do mesmo discurso. Além disso, há também o mesmo teor no Judiciário e no Executivo, segundo ele. Ivanir acredita que esse crescimento nas instituições encoraja o preconceito religioso entre os populares.
"Obviamente, se você cresce dentro das instituições, você acaba encorajando o que está fora, o popular, de que ele ter tomado uma atitude de ódio, uma atitude racista, é uma atitude correta", alerta.
Ivanir, que é articulado com diversos líderes religiosos de outras religiões, defende a liberdade de religiosa para todos.
"Eu não sou contrário que esses grupos cresçam na sociedade do ponto de vista das suas lógicas, sob o jogo democrático. O que não se pode é querer transformar um Estado que é laico em um Estado religioso", conclui.
Marcha pela Liberdade Religiosa
Organizada desde 2008, a 12ª Caminhada Nacional pela Defesa da Liberdade Religiosa será realizada no posto 6 de Copacabana, no Rio de Janeiro.
A caminhada, organizada Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, reúne, além de religiões de matriz africana, também muçulmanos, judeus, anglicanos, budistas, hare-krishna e inclusive ateus.
São esperadas pessoas de todo o Brasil, além de outros países.
"Na verdade é um agenda que não é religiosa, é uma agenda civil em defesa da democracia e do Estado laico", conta Ivanir.
A edição de 2019 acontece no dia 15 setembro a partir das 11 horas da manhã.