Enquanto a Operação Lava Jato deflagrava na semana passada a 63ª fase da Operação Lava Jato, mirando pagamentos da empreiteira Odebrecht a dois ex-ministros dos governos do PT, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu anular condenação do ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, surpreendendo os procuradores da força-tarefa.
A decisão do STF representou a primeira vez que uma condenação do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, foi anulada pelo tribunal. Isto acontece no mesmo período em que vazamentos de diálogos entre procuradores e do então juiz Sergio Moro são publicados a conta-gotas, expondo o momento de fragilidade da Lava Jato. No entanto, a força-tarefa ainda goza de significativa popularidade e continua implementando novas fases da investigação, deixando incerto o rumo da Lava Jato.
Alerta e preocupação entre procuradores
Por 3 votos a 1, a Segunda Turma do STF anulou a condenação do ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, por corrupção e lavagem de dinheiro. De acordo com o STF, a decisão foi motivada por motivos técnicos ligados ao cerceamento da possibilidade de defesa.
A Segunda Turma alegou que as defesas apresentaram suas alegações finais nos mesmos prazos, sem distinção entre réus colaboradores e demais réus acusados.
"Essa nova regra não está prevista no Código de Processo Penal ou na lei que regulamentou as delações premiadas. Se o entendimento for aplicado nos demais casos da operação Lava Jato, poderá anular praticamente todas as condenações, com a consequente prescrição de vários crimes e libertação de réus presos", diz a nota divulgada pelos procuradores do Paraná.
Decisão do STF dá esperança para defesa de Lula
De acordo com a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o argumento usado pelo STF para anular condenação de Bendine pode ser aplicada ao petista.
Peço a Deus que ilumine essa gente, que poupe suas almas de tanto ódio, rancor e soberba. Quanto aos crimes que cometeram contra minha família e contra o povo brasileiro, tenho fé que, deles, um dia a Justiça cuidará. https://t.co/cq09nlR3l7
— Lula (@LulaOficial) August 27, 2019
O advogado de Lula, Cristiano Zanin, declarou que o ex-presidente pode ser beneficiado pela tese do STF que anulou a condenação do ex-juiz Sergio Moro, pois o mesmo procedimento teria sido aplicado com os processos contra Lula que tramitaram na Justiça Federal em Curitiba.
"Essa situação ocorreu nos processos do ex-presidente em Curitiba. Precisamos fazer uma avaliação específica sobre o tema após essa decisão de hoje do STF", disse Zaniz, citado pelo Globo.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Sérgio Sant'Anna, procurador federal e professor de Direito Constitucional da Universidade Cândido Mendes, afirmou que a decisão do STF cria um precedente importante.
"Esta decisão inédita cria precedente importante. Existe denúncia na ONU sobre o desrespeito ao pleno Direito de Defesa, possibilidade de acesso às acusações e instrumentos de defesa que não foram considerados. Acho que precisamos observar a fundamentação do julgamento na 2ª Turma mas é a primeira decisão da Lava Jato que é modificada. Só espero que o Supremo Tribunal Federal não julgue por pressão da opinião pública, pressões internas ou externas, mas pelo conteúdo e fundamentação dos Autos", afirmou.
Momento de revés da Lava Jato
Já o cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando, afirmou que a anulação da condenação do ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil revela um momento de fragilidade da operação Lava Jato, mas destacou que a importância da força-tarefa no combate à corrupção.
"Lava Jato está mirando a continuidade dos seus trabalhos. Agora, é inegável que ela se encontra num momento muito difícil. Acho que existe um revés bastante evidente. Inclusive há pouco houve a anulação de uma decisão do então juiz Sergio Moro", afirmou.
O especialista também citou as recentes desculpas que uma procuradora pediu pelas ironias feitas no momento do falecimento da dona Marisa Letícia, esposa do ex-presidente Lula. De acordo com Prando, isto "de certa maneira mostra que em algum momento houve exorbitância das funções do que se espera de juízes e procuradores".
O cientista político observou, entretanto, que o trabalho de combate à corrupção deve continuar, apesar do momento de fragilidade da força-tarefa.
"É inegável que a Lava Jato enfrenta nesse momento uma situação mais difícil, mais fragilizada, diante da opinião pública, mas especialmente no mundo jurídico e entre os atores políticos. Os atores políticos e muitos dos que são corruptos sempre quiseram combater a Lava Jato. Nunca tiveram condições pra isso. Só que agora dada a fragilidade que a operação vem apresentando, essas vozes que são contrárias à Lava Jato, porque temem serem investigados e presos, acabam ganhando força", destacou.
Segundo o especialista, o saldo da operação Lava Jato nesses 5 anos é muito positivo, "porque levou ao conhecimento do público uma corrupção que está entranhada no poder político e na iniciativa privada como nunca foi mostrado no Brasil".
"Então a operação Lava Jato conseguiu não só investigar, mas levou a julgamento, condenação e prisão de figuras do topo da pirâmide social brasileira. Ou seja, empresários multimilionários e políticos de muita importância. E, além disso, a Lava Jato conseguiu trazer de volta dinheiro que foi desviado", acrescentou.
Dois pesos, duas medidas
Ao analisar o impacto que os recentes golpes que a operação Lava Jato vêm levando, o cientista político Rodrigo Prando disse à Sputnik Brasil que a popularidade da força-tarefa não teve impacto significativo diante da opinião pública, bem como o ministro Sergio Moro, que, segundo o especialista, ainda goza de boa reputação.
"Juridicamente isso tem um peso. Politicamente, tem outro peso. Em termos políticos, junto à opinião pública, os vazamentos não tiveram uma contundência como se esperaria que eles tivessem. O juiz Sergio Moro continua gozando de uma boa reputação e imagem. Não aquela do auge da Lava Jato, mas ainda um apoio considerável", destacou o especialista.
No entanto, de acordo com cientista político, "politicamente o ministro ficou fragilizado, especialmente o ministro Moro, que iniciou o governo Bolsonaro com uma estatura de super ministro, hoje está quase na condição de micro ministro, porque o presidente não cansa de desautorizar e mostrar que quem manda efetivamente é o próprio presidente da República".
"Então já há quem diga que o grande combate à Lava Jato tem sido realizado pelo próprio Bolsonaro, com desejo de intervenção no Coaf, na polícia Federal, ou em outros órgãos públicos relevantes no combate à corrupção", acrescentou.
Legado da Lava Jato
Em meio a uma inegável fragilidade da Lava Jato exposta tanto pela decisão do STF de anular uma decisão do juiz Sergio Moro, quanto pela série de vazamentos do site The Intercept, o futuro da Lava Jato fica incerto.
De acordo com o procurador federal Sérgio Sant'Anna, o legado que a força-tarefa vai deixar para o Brasil ainda depende muito do que os vazamentos vão apresentar.
"Pelo que tem sido noticiado pela mídia faltam muitos vazamentos e acho que o seu conteúdo deve ser objeto de investigação, assim como se está apurando se houve alguma irregularidade por parte de hackers. O seu legado vai depender da apuração destes vazamentos. A Lava Jato claramente mirou alvos importantes que vieram a mudar inclusive a eleição presidencial e a orientação política do país", afirmou.
De acordo com ele, "pode ser que o seu legado seja negativo por desrespeitar direitos Fundamentais previstos na Constituição Federal". "Mas acho que ainda se precisa conhecer o teor de todos os vazamentos", completou.
O cientista político Rodrigo Prando, por sua vez, destacou que a Lava Jato tem um legado inegável no combate à corrupção, mas manifestou um alerta para o grau de politização da operação.
Diálogos publicados revelam que a Lava Jato tinha um cuidado especial com os bancos. Enquanto a construção civil foi devassada pela operação, ampliando a crise econômica e o desemprego do país. https://t.co/5uSJNjO7TH por @JornalismoWando
— The Intercept Brasil (@TheInterceptBr) August 28, 2019
De acordo com ele, o grande trunfo é que "a relação da Lava Jato com órgãos investigativos de outros países permitiu que se trouxesse dinheiro de volta para o Brasil que havia sido desviado com a corrupção".
"Me parece que a maior fragilidade, o ponto a ser criticado, é que em alguns momentos, os agentes públicos, juízes e promotores exorbitaram as suas funções e parecem ter tido uma conduta muito mais politizada do que efetivamente jurídica e técnica", completou.