Cagnin é autor de um estudo que aponta que o Brasil poderá deixar o ranking dos 10 países mais industrializados - lista elaborada pela Organização para o Desenvolvimento Industrial das Nações Unidas (UNIDO), agência da Organização das Nações Unidas (ONU).
"Especificamente, ele [o estudo] vai ganhando bastante relevância dado o ambiente hostil ao desenvolvimento, ao crescimento industrial do Brasil", aponta o economista em entrevista à Sputnik Brasil.
Cagnin acrescenta que as dificuldades para a indústria brasileira têm aumentado desde 2014.
Segundo o economista, há uma possibilidades real de o Brasil deixar de figurar entre as economias mais industrializadas do mundo.
"Se mantivermos a trajetória que temos mostrado na última década, por exemplo, é possível que a gente saia desse rol, da elite, do batalhão de elite da indústria mundial", afirma.
Os motivos, segundo Cagnin, são variados. Entre eles, o baixo desempenho da economia brasileira e o avanço de outras economias ao mesmo tempo.
Cagnin cita o exemplo da Indonésia, que deve ultrapassar o Brasil em breve no desempenho da indústria e faz parte de um grupo de países do leste asiático que tem mostrado bons resultados nesse setor.
O recuo da indústria brasileira
O economista Rafael Cagnin afirma que a indústria no Brasil vem tendo um duplo movimento de perda de pressão.
"Internamente, que é aquilo que a gente chama em economia de desindustrialização, ou seja, a indústria vem perdendo participação no PIB brasileiro, isso de forma bastante acentuada e de forma muito mais rápida do que outros países", diz.
A outra face dessa, diz Cagnin, é a perda de participação dentro do panorama internacional da indústria, o que se dá de duas formas.
"Um, por perda muito precoce de peso dos setores industriais na estrutura produtiva brasileira [...]. E um outro fator que muitos setores industriais importantes para a indústria de manufatura contemporânea têm uma participação muito pequena no Brasil. O Brasil não conseguiu desenvolver alguns ramos da fronteira tecnológica internamente", aponta.
Cagnin destaca que o Brasil tem pouca incidência em tecnologias de ponta e tem um parque industrial atrasado em relação a concorrentes como de países do leste asiático.
Falta de continuidade e competição desleal
O economista explica que um dos fatores que construíram esse cenário está nas políticas de investimento em Ciência e Tecnologia no Brasil, que "são descontinuadas muito rapidamente".
"A gente não tem essa tradição de grandes projetos na área que durem décadas, por exemplo. A gente já conseguiu fazer isso concretamente, por exemplo, na indústria do petróleo no Brasil com a Petrobras [...], mesmo em aviação quando a Embraer ainda era uma empresa estatal, por exemplo, a gente desenvolveu durante anos uma competência na área", aponta.
Cagnin acrescenta ainda outros exemplos, como no caso dos combustíveis, com o desenvolvimento do Etanol.
"Então veja, a gente já conseguiu fazer políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação mais consistentes, mais estáveis e com resultados mais satisfatórios", afirma.
O economista explica que essa capacidade foi sendo perdida a partir da década de 1980, quando começa o declínio da indústria brasileira.
Essa trajetória decadente também pode ser atribuída a outros fatores, como o regime macroeconômico com taxas de câmbio voláteis e juros altos.
"Isso dispõe o sistema industrial a uma concorrência quase desleal frente aos similares estrangeiros. A gente tem um conjunto de disposições que prejudicam a nossa competitividade, como por exemplo a a tributária brasileira", diz.
Prognóstico negativo
A situação da indústria brasileira, que acumula queda de 1,7% em 2019, não é das melhores, segundo o economista, que ressalta que não houve recuperação do triênio negativo de 2014, 2015 e 2016.
Em comparação, a atividade industrial brasileira caiu 15% desde 2014, enquanto cresceu 10% no resto do mundo.
Segundo Cagnin, além dos fatores apresentados - falta de políticas de longo prazo, estrutura econômica pouco competitiva e recuperação lenta - é grave também a comparação com o cenário internacional.
"É um problema ainda mais grave o fato de que no restante do mundo o setor industrial vem passando por transformações tecnológicas das mais importantes", aponta, referindo-se à chamada "indústria 4.0", sinônimo de inovação mundo afora.
"No ambiente que a economia brasileira está hoje - baixíssimo crescimento - a indústria que tem interrompida essa recuperação em 2019 tem menos chances de acompanhar esse movimento de profunda transformação que está ocorrendo no resto do mundo", explica.
Para Cagnin, mantida a direção atual, a indústria brasileira tende a consolidar sua perda de relevância diante do resto dos países.
"E se não acompanhar, o que a gente vai ver é um agravamento dessa trajetória de queda de participação da indústria no total mundial, e aí sacramentando cada vez mais a expulsão do Brasil desse batalhão de elite da indústria mundial", conclui.