Um estudo publicado em setembro pelo Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE) mostrou que a crise econômica da Argentina pode ter feito o PIB do Brasil ter deixado de crescer 0,5 ponto percentual em 2019. De acordo com a pesquisa, o principal motivo seria a queda de 40% nas exportações brasileiras para a Argentina nos oito primeiros meses de 2019.
No último domingo, os argentinos foram às urnas e elegeram como presidente Alberto Fernández, peronista que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner, o que provocou declarações negativas do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, além de gerar receio no mercado com uma possível volta do intervencionismo no novo governo argentino.
O pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do FGV-Ibre, Lívio Ribeiro, disse à Sputnik Brasil que o estudo publicado pelo seu instituto em setembro contrariou a posição de autoridades brasileiras de que a crise na Argentina não impactaria a economia brasileira.
"A história começa quando nós observamos que, ao contrário do que alguns membros do governo brasileiro chegaram a afirmar há alguns meses atrás, existe sim uma importância da Argentina pro comportamento da economia brasileira. Esta importância deriva principalmente das relações bilaterais no âmbito do Mercosul, relações essas que são muito enviesadas para a indústria de transformação e, ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, elas não estão circunscritas somente ao setor automotivo", observou.
De acordo com o especialista, há uma série de outros setores como vestuário, calçados, produtos de consumo, bebidas alcoólicas, onde "empresas brasileiras têm uma participação relevante no mercado argentino e a demanda argentina tem uma participação relevante no faturamento dessas empresas".
Montadoras brasileiras devem declarar lay off devido a crise na Argentina, diz especialistaComunicação https://t.co/EEPjUGdU2I
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) June 24, 2019
"A ideia do estudo, então, foi não só mapear essas relações, indo muito além do setor automotivo [...], mas quantificar quais seriam os efeitos observados do choque argentino já observado nos anos de 2018 e 2019 sobre o crescimento brasileiro", disse o pesquisador.
Lívio Ribeiro destacou os resultados da pesquisa que mostraram que a crise econômica argentina gerou "efeitos negativos sobre o PIB [brasileiro] de 2018 na ordem 0,2-0,3%, e esse ano nós tivemos efeitos da ordem de 0,5%".
"Esses estudos foram parametrizados com hipóteses sobre o crescimento argentino que eram anteriores à eleição, já refletiam um pedaço grande da desaceleração que estava ocorrendo na economia, mas não refletiam, por exemplo, os efeitos não observados da renegociação seletiva, ou voluntária, de títulos que foi imposta aos credores há mais ou menos um mês e meio, e os efeitos do 'cepo cambial', o limite da retirada de dólares por empresas e famílias, que foi imposto no último mês e modificado ontem [28 de outubro]", observou o especialista.
De acordo com ele, "seria razoável admitir que os valores que estamos citando, principalmente os de 2019, têm algum viés de serem piores e, a continuar o cenário atual".
"2020 tende a ser um ano em que a Argentina tira o crescimento da economia brasileira. O problema é que neste momento, dada a total incerteza do que vai acontecer, é muito difícil quantificar, ainda que a direção pareça muito clara", completou.
'Divergência macroeconômica'
Já a economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Margarida Gutierrez, ao comentar se há um interesse do governo brasileiro de isolar a Argentina, disse à Sputnik Brasil que não acredita nesta hipótese, sustentando que "isso impacta os empresários brasileiros". De acordo com ela, o que dificulta as relações comerciais entre os dois países é a falta de "convergência macroeconômica".
"Dois países quando intercambiam bens, serviços, fluxos de capitais, eles têm que ter alguma convergência macroeconômica por trás para possibilitar esse ambiente de trocas", afirmou a especialista.
"Uma economia como a argentina que tem hoje uma inflação de 60% ao ano, uma dívida pública numa trajetória explosiva, um déficit externo em relação ao PIB, e que está vivendo a escassez de divisas que está vivendo, é quase impossível trocar qualquer coisa com um país que tem uma inflação de 3,8% ao ano, está fazendo um ajuste fiscal e hoje não tem nenhum problema com suas contas externas", completou a economista.