Desde sua posse em 2017, o presidente dos EUA, Donald Trump, tem deixado uma marca indelével a nível internacional, incluindo na América Latina, onde predominou a tendência de promover o isolamento de governos não alinhados, e com um estilo caracterizado por ameaças de novas tarifas.
"O dia 20 de janeiro de 2017 será lembrado como o dia em que o povo voltou a governar esta nação", disse Donald Trump em seu discurso inaugural. Naquele dia, os Estados Unidos estavam iniciando um período político que seria caracterizado pela ruptura com os estilos de governação anteriores e por um conflito sempre presente com o resto do mundo.
A América Latina não escapou ao estilo conflituoso de Trump, que durante seus três primeiros anos aplicou a Doutrina Monroe à região.
Brasil
A relação entre o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e Donald Trump é algo que pode ser descrito como "amor não correspondido".
Desde que tomou posse em 1º de janeiro de 2019, Bolsonaro tem trabalhado para alinhar as políticas brasileiras com os interesses dos EUA na região. Assim, o presidente brasileiro foi um dos principais aliados de Trump em sua tentativa de desestabilizar Nicolás Maduro, ao mesmo tempo que enfrentou publicamente o peronismo na Argentina, que acabou ganhando as eleições com Alberto Fernández como presidente e Cristina Fernández de Kirchner como vice-presidente.
Fora da região, Bolsonaro também foi um bom aliado: o Brasil se aproximou de países em sintonia com os EUA, como Israel ou Arábia Saudita, e testou posições contra a República Islâmica do Irã, por exemplo. Não podia fazer o mesmo com a China ou a Rússia, com quem acabou por ter de manter bons laços no âmbito das reuniões do BRICS.
Por outro lado, Trump não mostrou a mesma atenção a Bolsonaro. Em dezembro, o presidente norte-americano anunciou sua intenção de colocar tarifas sobre o aço e o alumínio do Brasil como "castigo" pela desvalorização da moeda brasileira, o que ele interpretou como uma forma de competir injustamente com os produtores dos EUA.
Outro exemplo é que o presidente dos EUA manteve a exigência de visto para cidadãos brasileiros, apesar de Bolsonaro ter decidido eliminar esse procedimento para os visitantes norte-americanos.
Cuba
Desde que assumiu o poder, Trump se esforçou por traçar um perfil totalmente contrário ao do seu antecessor, Barack Obama, que tinha procurado aproximar posições com a ilha, e até propôs ao Congresso a possibilidade de acabar com o bloqueio comercial e financeiro.
Longe de aliviar o bloqueio, a administração Trump procurou ampliar o número de entidades cubanas atingidas pelas sanções. Assim, desde que chegou à Casa Branca, ele ampliou a lista de entidades sancionadas em três ocasiões.
Além disso, Trump eliminou as licenças para viagens educacionais, não comerciais ou de cruzeiros dos Estados Unidos para a ilha.
Outro dos eventos foi a promulgação do Título III da Lei Helms-Burton, que permite que americanos e cubanos naturalizados nos Estados Unidos processem nos tribunais dos EUA entidades que beneficiaram de bens confiscados após a Revolução Cubana.
Venezuela
A Venezuela foi o principal teatro de operações do governo de Donald Trump. Desde sua posse, o presidente dos EUA tem sido duro com o governo de Nicolás Maduro, e já em maio de 2017 ele anunciou as primeiras sanções contra o país latino-americano, quando o Departamento do Tesouro congelou ativos e proibiu transações nos EUA a oito membros da Suprema Corte venezuelana.
As sanções econômicas de Trump contra membros importantes do governo de Maduro continuaram nos meses seguintes e foram uma constante na gestão da Casa Branca. Em 1º de junho de 2017, os Estados Unidos sancionaram diretamente os ativos de Maduro como punição por ter formado uma Assembleia Nacional Constituinte.
Nos meses seguintes, sanções econômicas semelhantes recaíram sobre outros líderes importantes, tais como Diosdado Cabello, Delcy Rodríguez, Vladimir Padrino, Jorge Rodríguez e a própria primeira-dama, Cilia Flores.
Já em 2019, aproveitando o início de um novo mandato por Maduro, Trump modificou sua estratégia para intervir diretamente na política venezuelana. Assim, Mike Pompeo, o secretário de Estado, e o então assessor de Defesa, John Bolton, foram a face visível do apoio ao deputado da oposição Juan Guaidó, que em 23 de janeiro se autoproclamou "presidente encarregado da Venezuela".
O apoio dos EUA a Guaidó se traduziu em permitir-lhe o uso dos ativos que a administração de Trump tinha bloqueado ao governo venezuelano. Ao mesmo tempo, os EUA iniciaram uma campanha internacional para que outros países ao redor do mundo reconhecessem Guaidó como presidente constitucional da Venezuela.
A política externa de Trump promoveu inclusive a aplicação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) para reunir o apoio de outros países latino-americanos a uma eventual intervenção em território venezuelano.
México
A relação entre os Estados Unidos e o México foi um dos pilares da campanha que levou Trump à presidência. A ideia de construir um muro na fronteira sul com o México para impedir a entrada de "criminosos" mexicanos no país foi um dos pontos mais polêmicos de sua plataforma e, ao mesmo tempo, um dos pontos com os quais ele conseguiu atrair a atenção da grande mídia.
No entanto, o financiamento das obras de reforço do muro foi uma das maiores dores de cabeça para o líder norte-americano, já que sua proposta foi sistematicamente rejeitada pelo Partido Democrata, que tem maioria na Casa dos Representantes (câmara baixa do Congresso). Dos US$ 5,7 bilhões que Trump queria usar para o muro, ele só conseguiu autorização para US$ 1,37 bilhão. Em janeiro de 2020, o presidente saudou o fato de um Tribunal de Apelação ter apoiado o uso de US$ 4 bilhões (R$ 16,8 bilhões) para completar o muro.
A negociação do T-MEC, o novo acordo comercial entre os EUA, Canadá e México, foi outra pedra no sapato para os mexicanos. Além dos possíveis efeitos negativos que poderia trazer para a economia mexicana, a negociação foi marcada pelas ameaças de Trump de impor tarifas se o México não contivesse as caravanas migratórias que chegavam da América Central.
Guatemala
A preocupação da administração de Trump com a questão migratória e a recusa do México em receber migrantes rejeitados pelos Estados Unidos o levou a pousar seu olhar na Guatemala. Assim, em julho de 2019, poucos dias antes das eleições que levariam Alejandro Giammattei ao governo, o presidente Jimmy Morales assinou um acordo com Trump que estabeleceu a Guatemala como um "terceiro país seguro".
Embora alguns pontos do acordo ainda não estejam claros, o pacto compromete Guatemala a fornecer asilo a migrantes que desejem entrar nos EUA enquanto o país norte-americano processa a possível entrada dos mesmos.
Tal como em outras ocasiões, Trump chegou a ameaçar Guatemala com "proibições" ou mais tarifas se o acordo não fosse referendado pelo país centro-americano, depois que a Corte Constitucional da Guatemala rejeitou a legalidade do acordo.
Bolívia
De forma semelhante à Venezuela, embora com a diferença de que neste caso foi bem-sucedida, a administração de Trump foi um aliado muito importante para que a oposição a Evo Morales conseguisse tomar o poder.
De fato, os Estados Unidos foram o primeiro país a considerar a senadora Jeanine Áñez como "presidente" da Bolívia. O golpe de Estado que afastou Evo Morales do poder levou-a a proclamar-se presidente interina do país até que fossem convocadas novas eleições.
Argentina
Desde que Mauricio Macri tomou poder, Trump viu no empresário argentino uma oportunidade de restabelecer a harmonia que os EUA haviam perdido com os governos de Néstor Kirchner e Cristina Fernández.
O apoio de Trump foi mesmo crucial para que o Fundo Monetário Internacional concordasse em apoiar Macri com dinheiro em meio a uma crise econômica, concedendo ao país um empréstimo de US$ 57 bilhões, um recorde na história da organização de crédito internacional.
O governo dos EUA também foi fundamental para que a administração de Macri incluísse a organização Hezbollah em seu registro de terrorismo, algo que os EUA também promoveram no Paraguai e no Brasil.
O ponto de contato pessoal mais próximo entre Trump e Macri ocorreu durante a cúpula do G20 na Argentina, em 2018.
Colômbia
"Estamos tentando ajudar o mais que podemos. Também estamos trabalhando com a Colômbia, o líder deles é meu amigo, e está fazendo um ótimo trabalho, garanto", disse Trump em setembro de 2019, quando elogiou o papel do presidente colombiano, Ivan Duque, no acolhimento dos migrantes venezuelanos.
Embora a cooperação entre os EUA e a Colômbia, especialmente em assuntos militares, tenha sido uma constante desde o período de Álvaro Uribe, a harmonia entre Washington e Bogotá ganhou um novo significado quando a Colômbia se tornou a base de operações para as primeiras tentativas de luta contra o governo de Maduro.
A fronteira entre Colômbia e Venezuela foi fundamental para a tentativa dos EUA de fazer entrar alimentos e outros itens de "ajuda humanitária" em território venezuelano, mesmo sem o consentimento do governo da Venezuela.
O grau de cooperação parecia estar totalmente exposto em janeiro de 2019 quando, em um momento de desatenção de Bolton durante uma conferência, o conselheiro de Trump deixou ver uma nota que dizia "5.000 soldados para a Colômbia". A possibilidade de enviar tropas para o país sul-americano foi posteriormente descartada por ambos os países e a razão pela qual Bolton pensou nessa possibilidade nunca foi explicada.