De acordo com o ex-ministro, o alto número de infectados e mortos no Brasil até o momento é apenas o primeiro terço daquilo que o ministério havia previsto quando ele ainda estava no comando da pasta, indicando que o pico ainda não chegou.
"Disse uma vez que teríamos 20 semanas muito duras pela frente. Esses dois meses que passaram são 8 semanas. Para as outras 12, são mais 3 meses. Os primeiros casos que foram pegar a escala de transmissão aumentada e depois desorganizada ocorreram em abril, em Manaus e Fortaleza. Iríamos aumentar [a curva de disseminação] em abril, maio, junho. Em julho vamos estabilizar, quando deve ser o ápice da curva, e aí vai entrar em um platô para que, em agosto, comece a reduzir o número de casos e setembro a gente volte no ponto mais próximo de uma coisa mais amena. Estamos vivendo o primeiro terço disso, temos o segundo e o terceiro para concluir", declarou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.
À publicação, Mandetta mencionou e criticou Bolsonaro em diversos momentos, ainda que de forma velada. Ele afirmou que o governo já sabia da gravidade da pandemia do novo coronavírus desde janeiro, mas que havia pouca preocupação para o que viria a seguir.
"No começo não era uma grande pauta da sociedade, mas a gente fazia boletim todos os dias. A primeira sensação que tive era que o governo não estava tão interessado no assunto e não estava dando a devida dimensão. Só quando estávamos com vírus e casos acontecendo, na segunda quinzena de março, é que perceberam que a sociedade inteira estava muito ligada no Ministério da Saúde como principal ponto de referência", explicou.
"Nisso, governadores e prefeitos começaram a tomar medidas de redução de mobilidade nos grandes centros. Uma discussão feita no sistema de saúde havia quase 60 dias. Quando começam essas medidas e o presidente começa a fazer uma leitura diametralmente contrária ao discutido no SUS, ficou difícil. É difícil coordenar um sistema como ministro se o presidente dá outra mensagem", acrescentou.
Além de garantir que "nada do que está acontecendo hoje é surpresa para o governo federal", Mandetta comentou que a saída do seu sucessor, Nelson Teich, que deixou o ministério na semana passada, possivelmente está vinculada à insistência de Bolsonaro no uso da cloroquina para casos de COVID-19, embora não existam estudos que comprovem a eficácia da substância.
"O que o presidente quer é que o ministério faça como se fosse uma prescrição, para que em todas as unidades de saúde, mesmo sem confirmação da COVID-19, seja entregue a cloroquina. Tudo baseado nessa coisa de que um médico falou: 'acho que é bom'. Mas ninguém colocou no papel, ninguém demonstrou. A [médica Nise] Yamaguchi é uma que, quando você pergunta 'onde está escrito isso?', fala: 'é a minha impressão' [...] Para mim foi isso que fez com que o Teich falasse: 'Não vou assinar isso. Vai morrer gente e ficar na minha nota'", pontuou.