Os tubarões no Brasil não são diferentes. O conhecimento sobre como os tubarões usam seus habitats é limitado, e isto é problemático em si mesmo na pesquisa e determinação de formas para conservação das populações destes peixes.
Se os cientistas não têm conhecimento sobre os habitats dos tubarões, como podem protegê-los e elegê-los como áreas prioritárias para a conservação geral das espécies?
Sobre esta problemática se pronuncia a bióloga marinha e conservacionista Melissa Cristina Márquez em um artigo publicado na revista Forbes.
Microquímica das vértebras
Uma ferramenta que está sendo utilizada para entender melhor como os tubarões utilizam seus ambientes é a investigação das suas vértebras, permitindo aos pesquisadores analisar o habitat das espécies ao longo de suas vidas.
Uma equipe de cientistas brasileiros decidiu aplicar a microquímica de vértebras para investigar o habitat de um tubarão em particular, o tubarão-azeiteiro (Carcharhinus porosus) no litoral norte do Brasil.
"Iniciamos este projeto porque nosso laboratório vem trabalhando com microquímica de vértebras há algum tempo, mas nunca com uma espécie da costa amazônica", afirmou o líder dos pesquisadores, o cientista Leonardo Manir Feitosa, da Universidade Federal de Pernambuco.
"A região é um grande mistério para todos nós, principalmente porque sabemos muito pouco sobre os fatores abióticos do habitat. É também uma das maiores áreas de pesca do Brasil", acrescentou.
A equipe decidiu que aplicar essa técnica para investigar o uso do habitat era o caminho certo a tomar.
Tubarão-azeiteiro
Este pequeno tubarão, de cerca de um metro e meio de comprimento, com focinho longo, pontiagudo e olhos grandes, vive nos fundos lamacentos dos estuários, onde caçam pequenos peixes e invertebrados.
Por ser um tubarão menor, são frequentemente canibalizados por tubarões maiores, mas, principalmente, são capturados acidentalmente ao caírem nas redes de pesca.
O aumento desenfreado da pesca artesanal é a principal razão para o declínio desta espécie e a sua escolha como objeto de estudo não foi inocente.
"Optamos por nos focar nele porque é uma espécie criticamente ameaçada de extinção no Brasil, e da qual não há muita informação disponível. Foi o tubarão mais importante em termos de composição de capturas no norte do Brasil durante a década de 1980 e, a partir de então, suas capturas caíram cerca de 85%. As capturas nunca mais aumentaram desde então, então precisávamos saber como ele utiliza o habitat na costa amazônica para determinar ações de conservação mais eficazes", justificou Feitosa.
Pesquisando o litoral
Utilizando a microquímica de vértebras para investigar os padrões de uso do habitat deste tubarão, a equipe procurou também indagar da existência de "berçários" da espécie no litoral norte.
É o primeiro estudo que utiliza a microquímica de vértebras de tubarão na região Neotropical.
As vértebras de tubarão-azeiteiro foram coletadas de exemplares desembarcados no município de Raposa, no estado do Maranhão.
A equipe não encontrou um "berçário". Ao invés, os pesquisadores descobriram que a área é um habitat essencial para estes tubarões, pois eles passam todo o seu ciclo de vida na mesma região.
"Nossos resultados apontam para a hipótese de que o litoral norte é um habitat essencial para esta espécie, pois todo o seu ciclo de vida ocorre nesta área", afirmou Feitosa. "As assinaturas de multielementos neonatos renderam três grandes grupos, o que sugere que a espécie tem pelo menos três locais de nascimento na área."
Estes dados mostram que o litoral do Norte do Brasil é uma área crítica para a sua conservação em escala global, pelo que a equipe sugere "uma estratégia de conservação viável a curto prazo, como mitigar suas capturas na pesca e liberando espécimes vivos, especialmente aqueles com menos de 70 centímetros de comprimento total e, portanto, sexualmente imaturos".
Mas os cientistas ressaltam que não seria correto proibir a pesca, já que várias comunidades dependem da pesca para viver.
"Esperamos que esta pesquisa despolete outros estudos com espécies diferentes, mas também ameaçadas de extinção, e conduza a melhores práticas de pesca e à reconstituição de estoques", concluiu Feitosa.