Em sua fala, Salles disse que o governo deveria aproveitar para aprovar "reformas infralegais de desregulamentação e simplificação" na área do meio ambiente e "ir passando a boiada".
"Tudo que a gente faz é pau no Judiciário no dia seguinte. Então para isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID-19 e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas", disse o ministro na ocasião.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Carolina Pavese, professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), acredita que a fala de Salles mostra de "forma clara" como que o governo Bolsonaro encara a questão ambiental.
"A fala do Ricardo Salles na reunião chocou porque ela colocou de uma maneira muito clara e que não dá nenhuma margem para má interpretação, ou para uma interpretação talvez errônea e dúbia, de como esse governo aborda as questões ambientais e de como ele tem conduzido a sua pasta e feito o seu trabalho até então, interpretando o meio ambiente como um obstáculo ao desenvolvimento econômico do Brasil", disse.
"Essa última declaração repercutiu muito mal na imprensa internacional, teve uma cobertura de mídia relativamente significativa, até porque ela vem acompanhada de um momento onde a gente vê um aumento das queimadas e do desflorestamento da Amazônia em relação ao próprio aumento que já tinha chocado a comunidade internacional no ano passado", explicou.
No entanto, para Pavese, dificilmente a declaração de Ricardo Salles ou mesmo a política ambiental brasileira podem gerar consequências para a economia do país.
"Questões ambientais raramente têm esse efeito, elas têm um impacto político, elas desgastam nesse caso as relações diplomáticas, elas desgastam a imagem do Brasil, mas economia e comércio são atividades que são conduzidas de uma forma muito pragmática, onde os seus impactos econômicos e sociais são fatores secundários e que geralmente não entram na conta do interesse de uma empresa ou de um setor em estabelecer e reforçar as suas relações comerciais de investimento com um determinado país", acredita.
Carolina Pavese acredita que uma má condução da política ambiental gere consequências diplomáticas, de isolamento do Brasil no cenário internacional, mas não chega a afetar as trocas comerciais do país.
"Tem um efeito muito grande político, um efeito muito grande em contribuir para continuar deteriorando a imagem do Brasil, mas não acredito que tem um impacto na questão econômica e comercial", disse.
No entanto, apesar de acreditar que o aumento de desmatamento, queimadas e desflorestamento possam gerar impactos comerciais imediatos, Carolina Pavese explica que, por exemplo, o acordo entre Mercosul e União Europeia, finalizado em junho do ano passado, pode ter dificuldades para ser aprovado em razão do aumento de índices negativos da preservação do meio ambiente.
"Existe uma cláusula [no acordo] de sustentabilidade, nela as partes se comprometem a respeitar o desenvolvimento sustentável, a não deixar que esse acordo tenha um impacto negativo no meio ambiente. [...] Isso formalmente, diplomaticamente, é usado como uma garantia de que o acordo não vai ter um efeito tão perverso, principalmente no meio ambiente", explicou.
Porém, como o acordo precisa ser ratificado pelos parlamentos de todos os países dos dois blocos, essa cláusula, segundo Pavese, pode ser usada como um empecilho para a concretização do acordo entre Mercosul e União Europeia.
"Essa política ambiental tem repercutido negativamente na Europa e pode sim abalar o acordo", completou Carolina Pavese.
A ministra do Ambiente da França, Élisabeth Borne, disse em entrevista em outubro do ano passado que o país não iria assinar o acordo entre a União Europeia e os países do Mercosul nas "condições atuais".
"Não podemos assinar o acordo de comércio com um país que não respeita a floresta amazônica, que não respeita o Acordo de Paris. A França não vai assinar o acordo Mercosul nestas condições", justificou à época.