Facebook assumiu agenda política dos EUA, diz pesquisador sobre 'etiquetas' na plataforma

© REUTERS / Erin ScottEm Washington, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, presta depoimento ao Comitê de Serviços e Finanças da Câmara dos Representes, em 23 de outubro de 2019.
Em Washington, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, presta depoimento ao Comitê de Serviços e Finanças da Câmara dos Representes, em 23 de outubro de 2019. - Sputnik Brasil
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O Facebook anunciou que sinalizará páginas de mídias que sejam total ou parcialmente controladas por governos. Sobre isso, a Sputnik Brasil ouviu a presidente da Federação Nacional de Jornalistas do Brasil (FENAJ), Maria José Braga e o pesquisador da UFABC, Sérgio Amadeu da Silveira, que criticaram a medida.

Na quinta-feira (4), o Facebook anunciou através de um comunicado que começará a sinalizar com "etiquetas" as postagens de mídias que são parcial ou totalmente controladas por governos de Estados, incluindo conteúdo pago. A medida já teve início e afetou mídias como a chinesa Xinhua News, a iraniana Press TV e também a Sputnik News.

Para Maria José Braga, presidente da Federação Nacional de Jornalistas do Brasil (FENAJ), a medida tenta direcionar a atenção dos usuários da rede para conteúdos determinados.

"É preciso ressaltar que não defendemos nenhum tipo de censura governamental e muito menos censura privada. O que o Facebook, que é uma plataforma de rede social privada, está fazendo, ou pelo menos anunciou que vai fazer, ao etiquetar, rotular meios de comunicação sob controle de Estados nada mais é do que tentar direcionar a atenção de todas as pessoas que compartilham dessa rede social para determinados conteúdos", afirma a presidente da FENAJ em entrevista à Sputnik Brasil.
© AP Photo / Andrew HarnikCEO do Facebook, Mark Zuckeberg, durante sabatina no Congresso norte-americano, em 23 de outubro de 2019
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CEO do Facebook, Mark Zuckeberg, durante sabatina no Congresso norte-americano, em 23 de outubro de 2019

O Facebook afirma que deve bloquear conteúdo pago dessas mídias dentro dos EUA como uma medida de "precaução para garantir uma camada extra de proteção contra vários tipos de influência estrangeira" tendo em vista as eleições estadunidenses de 2020. A plataforma defende a medida como forma de "transparência".

"Estamos garantindo maior transparência sobre essas mídias porque elas combinam a influência de uma organização de mídia com o apoio estratégico de um Estado, e nós acreditamos que as pessoas devam saber que as notícias que elas leem estão vindo de uma publicação que pode estar sob influência de um governo", disse a empresa através do comunicado.

Facebook assumiu agenda política do governo dos EUA

O cientista político Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), afirma que a transparência é fundamental, mas que a posição do Facebook aponta que a empresa assumiu um alinhamento com o governo dos EUA.

"O Facebook com essa medida está claramente assumindo que tem posição política alinhada com o governo norte-americano. Sem dúvida, a transparência é fundamental para a existência de um debate informado, mas rotular sites que recebam apoio de governos como tendo um conteúdo permanentemente desvirtuado é um equívoco", disse Sérgio Amadeu em entrevista à Sputnik Brasil.
© flickr.com / Stephen McCarthy / Web Summit via SportsfileEdward Snowden fala durante a abertura da Web Summit, em Lisboa, no dia 4 de novembro de 2019.
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Edward Snowden fala durante a abertura da Web Summit, em Lisboa, no dia 4 de novembro de 2019.

O professor, especialista em dados e tecnologia e um dos pioneiros do debate do Marco Civil da Internet no Brasil, além da da Lei Geral de Proteção de Dados, lembra que esse alinhamento é perigoso e que o governo dos EUA tem um histórico de espionagem via coleta de dados.

"Como nos mostrou [Edward Snowden], o governo norte-americano coloca-se na posição de magistrado do mundo, querendo se colocar como um poder acima de todos. Sabemos que o governo norte-americano interfere nas democracias e realiza a espionagem global e a coleta massiva e sigilosa de dados. O Facebook e o Google irão nos informar quais dados eles entregaram para a NSA?", aponta.

O pesquisador também aponta que plataformas como o Facebook têm se alinhado às disputas geopolíticas mundiais e que no caso dos EUA, a medida de sinalizar as postagens de é um indicativo claro dessa postura. Sérgio Amadeu indaga ainda sobre a falta de transparência sobre legislações norte-americanas que permitem a coleta de dados de usuários. 

"Legislações dos EUA, como o CALEA [Lei de Auxílio das Comunicações para a aplicação do Direito] exigem que sejam instalados backdoors nos dispositivos de telecom vendidos por empresas norte-americanas. O Facebook irá colocar um aviso de que essas empresas que fazem anúncios vendem dispositivos que podem estar coletando os dados de seus usuários? Na realidade, temos cada vez mais as plataformas atuando nas disputas geopolíticas mundiais como agentes de seus governos", avalia.

Tentativa de controle político-ideológico

A jornalista Maria José Braga acredita que o Facebook não tem autoridade para determinar o que é ou não uma informação isenta.

"Então é sim uma forma de controle de conteúdo o que a plataforma está tentando fazer. Nós não podemos concordar com isso. Nós não admitimos que uma empresa privada, por mais importante que ela seja, se arvore ao direito de dizer o que é ou o que não é uma informação isenta, dizer o que é ou não é uma informação de qualidade", diz.

A presidente da FENAJ aponta ainda que o pretexto da transparência esconde uma tentativa de controle por parte da plataforma comandada pelo bilionário Mark Zuckerberg.

"Esse papel não cabe ao Facebook. Então é preciso que estejamos atentos. Esse pretexto de dar mais transparência às informações, ao nosso ver, parece muito mais uma tentativa de justificar o que seria sim um controle político-ideológico", avalia.
© Sputnik / Ramil SitdikovRepresentante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, vestindo colete da Sputnik em apoio aos jornalistas perseguidos pelas autoridades estonianas
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Representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, vestindo colete da Sputnik em apoio aos jornalistas perseguidos pelas autoridades estonianas

Ainda segundo Maria José Braga, a sinalização imediata de mídias russas e chinesas denota um viés político.

"Ao mesmo tempo que anuncia que vai rotular os meios de comunicação que estão sob controle de algum Estado, o Facebook já coloca as agências de notícias chinesas e russas como as principais a serem avaliadas por esse critério que eles próprios montaram e que diz respeito somente a eles. Então ao fazer esse anúncio fica claro aí um recorte político-ideológico", aponta.

Em seu comunicado, o Facebook afirma que adotou critérios próprios para sinalizar as mídias e constatar se a mídia tem independência editorial ou não. A medida será inicialmente aplicada nos EUA e depois deve chegar a outros países eventualmente.

© Sputnik / Dmitry AstakhovEditora-chefe do canal RT e da agência Sputnik, Margarita Simonyan
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Editora-chefe do canal RT e da agência Sputnik, Margarita Simonyan

Em entrevista à rádio Govorit Moskva, a editora-chefe da Sputnik, Margarita Simonyan, defendeu medidas recíprocas e apontou censura.

"Elas [as mídias estrangeiras] praticam a censura americana em nosso país, e nós olhamos para isso com os olhos meio ou totalmente fechados [...]. Nós precisamos tomar medidas recíprocas, tal como gostamos de fazer na política externa", acrescentando que a censura é proibida pela constituição russa.

Sociedades devem criar seus critérios de confiabilidade

Para a presidente a FENAJ, Maria José Braga, as sociedades têm que ter controle sobre os próprios critérios de avaliação sobre a confiabilidade de informações.

"É um problema complexo, é um problema que está de fato na pauta do debate das sociedades democráticas, inclusive no Brasil, e temos que procurar soluções", afirma.

A presidente da FENAJ defende a produção jornalística de relevância para o debate público no combate à desinformação e a criação de ferramentas de regulação para a atuação de plataformas como o Facebook.

"É preciso que a sociedade busque de fato uma atuação que seja responsável, que seja criteriosa e que seja para de fato contribuir para a difusão de informações de qualidade nas mais diversas mídias e plataformas", conclui.
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