Após ter realizado três testes em março, depois de uma viagem oficial aos Estados Unidos na qual vários integrantes acabaram testando positivo para a COVID-19, Bolsonaro voltou a se sentir mal no fim de semana, e o quadro de febre na segunda-feira (6) o fez ir ao hospital para exames e para um novo teste.
Dentre as repercussões, uma chamou a atenção: o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, demitido por Bolsonaro por discordar frontalmente das pressões contrárias ao distanciamento social, declarou que o presidente deveria refletir neste momento.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o cientista político e professor da Universidade Veiga de Almeida, Guilherme Carvalhido, avaliou que é provável que Bolsonaro perceba que vive hoje uma contradição, por estar com COVID-19 e defender o fim do isolamento social e do uso de máscaras. Ele acha que um recuo já pode ser visto.
"Como ele foi contaminado há pouco tempo, a gente tem que saber quais serão as consequências para a saúde do presidente [...] acredito que isso fará com que o discurso dele se torne o quê? Muito mais ameno e contraponha aquilo que ele dizia lá no início [...] mesmo que a saúde dele não seja tão afetada de forma significativa, ele terá que contrapor no seu discurso inicial de que ele estava ali equivocado, que o discurso inicial dele de que a pandemia não era grave não era correto, como nós já sabíamos", afirmou.
Contudo, nem todos acreditam que Bolsonaro voltará atrás. Em suas declarações também nesta terça-feira (7), o presidente não indicou recuos. Pregou que idosos e pessoas com comorbidade tomem mais cuidado. Sobre os jovens, garantiu que "possibilidade de algo mais grave é próximo de zero", algo que as estatísticas não dão sustentação.
O mandatário brasileiro ainda reforçou que está tomando hidroxicloroquina, medicamento eficaz para doenças como malária, lúpus e artrite, mas que já foi descartado pela comunidade científica dentro e fora do Brasil como útil para tratar a COVID-19. A insistência de Bolsonaro é uma mostra de como ele pensa, segundo o cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando.
"Acredito que o presidente sempre está ideologicamente muito convicto da sua visão de mundo e nem mesmo a doença o fará mudar. Até porque ele deu uma entrevista não faz muito tempo e nela já deixou claro que se tratou com a hidroxicloroquina, e disse que usando no início da doença é 100% comprovado que não há o desenvolvimento de sintomas piores, o que cientificamente não é correto. Se ele segue receitando um remédio que não tem a sua eficácia comprovada, é pouco provável que ele vá mudar a sua postura em relação à doença", ponderou.
Negacionismo em xeque
Depois de ver muitos assessores e ministros próximos contraírem a COVID-19, muito se debateu sobre Bolsonaro ter sido ou não infectado pela doença. Após os exames feitos em março darem negativo, o presidente manteve o seu discurso favorável à flexibilização do distanciamento em prol da economia, mesmo com a doença em aceleração no país.
Tal negacionismo do que vinha sendo indicado pela comunidade médica e científica para lidar com o novo coronavírus colocou Bolsonaro em rota de colisão com governadores e prefeitos. A dúvida é se, diante da sua infecção, o presidente vai também recuar no negacionismo de raízes contrárias ao que é defendido pela ciência.
Para Guilherme Carvalhido, a perspectiva é que Bolsonaro dê um passo atrás, sobretudo pela impressão dada à sociedade civil de que o presidente se sentia imune à COVID-19, já que tentava não usar máscaras sempre que possível e não fugia de aglomerações – às vezes, ele acabava provocando-as em suas saídas do Palácio do Planalto.
"Ora bolas, ele estava ali mesmo sem saber que estava com a COVID-19, sem a proteção necessária, então ele estava sendo o quê? Infelizmente, foi irresponsável do ponto de vista social das suas atitudes, visto que até mesmo ele poderia [ser infectado]. Isso não há dúvida que reduzirá fortemente a questão negacionista", arriscou ele.
O cientista político e professor da Universidade Veiga de Almeida ainda argumentou que o mandatário brasileiro tem hoje duas saídas políticas: o silêncio ou a retratação. E pelo que ele chama de "lógica do bolsonarismo", há um bom palpite do que deverá acontecer em Brasília.
"O silêncio eu acho que será o que mais ele vai adotar, pela posição dele é mais fácil isso. Ou ele vai admitir o equívoco em relação à sua posição inicial. Pelo meu entender, pela lógica política do que a gente chama de bolsonarismo e pela própria figura do presidente, ele tenderá a ficar em silêncio, mas não seria negativo ou ruim ele admitir a posição inicial como equivocada", destacou.
Por sua vez, Rodrigo Prando buscou em um dos grandes teóricos da sociologia, o alemão Max Weber, para explicar que Bolsonaro possivelmente não está preocupado em mudar o seu discurso sobre o novo coronavírus, mesmo diante da sua infecção. As convicções ideológicas seriam mais importantes para o presidente, de acordo com ele.
"Tem um autor na sociologia que eu sempre uso para os meus alunos nas aulas que é o Max Weber. Ele diz que todo aquele que atua dentro da ética da convicção não está preocupado com o resultado das suas ações, mas em apenas reafirmar as convicções dos seus valores e não se preocupa com o resultado prático disso. O presidente Bolsonaro é aquele que se enquadra exatamente dentro dessa visão weberiana de uma ética da convicção", sentenciou.
O cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie assinalou ainda que não vê o fim do negacionismo no governo Bolsonaro, sendo uma prova disso o fato do próprio político estar ingerindo a hidroxicloroquina, droga que pode gerar arritmia cardíaca em pacientes portadores da COVID-19.
"Não acredito que seja o fim do negacionismo. Ele vai dizer provavelmente que não sentiu muita coisa, que os sintomas foram brandos e certamente fará isso associado à ideia do uso da hidroxicloroquina, até porque já se sabe que o Exército já produziu uma quantidade enorme em seus laboratórios", destacou.
Em um ponto os dois especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil concordam fielmente. "Se ele continuar a insistir [em negar], a realidade baterá à porta", finalizou Guilherme Carvalhido.