O motivo alegado pelo presidente é uma insatisfação com os cortes de programas como o abono salarial para financiar o novo projeto. Bolsonaro disse que o texto não será enviado ao Congresso.
"Ontem discutimos a proposta, a possível proposta do Renda Brasil. Eu ontem falei: 'está suspenso'. Vamos voltar a conversar. A proposta como a equipe econômica apareceu para mim não será enviada ao Parlamento. Não posso tirar de pobres para dar para paupérrimos", justificou Bolsonaro, citado pela agência Reuters.
Para o cientista político Ricardo Ismael, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), ainda é cedo para falar que há um processo de "fritura" do ministro Paulo Guedes, ou seja, que Bolsonaro estaria supostamente criando uma situação para que Paulo Guedes peça demissão.
"Acho que ainda é prematuro falar isso [em fritura de Guedes]. O que está havendo na minha opinião é que o Bolsonaro está adotando uma linha diferente daquela que foi anunciada na eleição. Em razão da pandemia a gente sabe que o Congresso Nacional terminou permitindo um gasto público bem maior nesse ano de 2020 e realmente tem sido importante, não apenas para carrear recursos para o Ministério da Saúde e também para os estados e municípios, mas também para questão do auxílio emergencial", disse à Sputnik Brasil.
A declaração de Bolsonaro acelerou a alta do dólar a mais de 1%, chegando a R$ 5,60, e derrubou a Bolsa, levando o Ibovespa à mínima do dia, com queda de 1,87% na quarta-feira (26).
"Os atritos começam por conta dessa questão do auxílio emergencial da extensão da questão do Renda Brasil, portanto está ligado justamente às fontes de financiamento desse gasto social que, certamente, é bastante expressivo esse ano e o Bolsonaro não quer que haja uma descontinuidade ou pelo menos que não haja uma redução muito grande no ano que vem", analisou.
O impasse em torno do Renda Brasil tem como pano de fundo, segundo Ricardo Ismael, na verdade uma discussão a respeito do papel do Estado na economia.
"Nesse momento da pandemia, quando se anunciava uma queda bastante significativa do crescimento econômico, uma recessão, Bolsonaro passou a agir para tentar evitar um desastre maior na economia. E assim, vamos dizer, se afastou de um discurso mais liberal, voltado para o equilíbrio fiscal e, portanto, se afastou de uma tônica que já era anunciada pelo ministro da economia Paulo Guedes", afirmou.
Segundo Ricardo Ismael, Guedes demonstrou ao longo do mandato de Bolsonaro certa "sensibilidade" em relação ao papel do presidente, mas acredita que o ministro possa chegar a um limite.
"Às vezes ele mostra uma sensibilidade política de dizer que o presidente deve ter a palavra final e deve levar em conta os aspectos políticos e sociais envolvidos em decisões econômicas. Agora acho que ele também deve ter algum limite para continuar à frente da pasta da Economia", completou.