QAnon é uma teoria da conspiração que acredita que o mundo é controlado por uma rede satânica e pedófila, controlada por altos executivos, atores e políticos, como a ex-chanceler norte-americana Hillary Clinton.
Para seus adeptos, Donald Trump trava uma batalha silenciosa contra esse grupo diabólico. Quando chegar o momento certo, Trump vai desbaratar toda a rede e prender seus membros, em dia conhecido como "a tempestade".
A teoria existe graças a um usuário anônimo das redes sociais que se chama Q. Seu pseudônimo dá nome à teoria: QAnon, ou Q anônimo.
Q diz ser funcionário do governo norte-americano e alega vazar informações "confidenciais" que relatam a batalha de Trump contra rede mundial satânica de pedófilos.
De acordo com Leonardo Wilezelek Soares de Melo, pós-graduando em Educação em Ciências pela Universidade Estadual de Londrina que estuda o fenômeno das teorias da conspiração, "é impossível conspirar sozinho".
"Mesmo que um indivíduo crie isoladamente uma teoria conspiratória, ele precisará de suporte coletivo para impactar pessoas e angariar aliados", disse Melo à Sputnik Brasil.
De fato, a QAnon está sendo difundida sobretudo nas redes sociais, graças a uma ampla rede de contas que disseminam as ideias conspiratórias.
"A gênese de uma teoria conspiratória em particular pode ser explicada por fatores psicológicos e individuais, mas a sua disseminação [...] é dependente da dimensão coletiva", disse Melo.
"Talvez por isso as teorias da conspiração sejam tão influentes em tempos digitais e de redes sociais", acredita o pesquisador.
Muitas das contas que compartilham conteúdo da QAnon nas redes sociais, no entanto, são inautênticas: de acordo com o rastreador Bot Sentinel, três das cinco maiores contas-robôs dos EUA no ano 2020 são ligadas à QAnon.
Em 1º de setembro, a rede social Facebook derrubou contas ligadas à teoria no Brasil, que contavam com cerca de 570 mil membros e seguidores, informou o jornal O Estado de São Paulo. No Twitter, mais de sete mil contas foram deletadas por afiliação à teoria conspiratória.
Por que pessoas acreditam em teorias da conspiração?
De acordo com Melo, as teorias da conspiração são bastante difundidas no Brasil.
"Dados divulgados pelo Instituto Datafolha mostram que aproximadamente 11 milhões de brasileiros (7% da população) acreditam que a Terra é plana, por exemplo", disse Melo.
A propensão a aderir a essas teorias pode estar ligada tanto a fatores psicológicos, quanto sociais.
"Existem pesquisas que apontam para esse sentimento de singularidade dos teóricos da conspiração", disse Melo.
Os "caudatários dessas teorias se veriam como [...] não convencionais", uma vez que saberiam "a verdade" ou teriam acesso a informações que outras pessoas não têm.
Outro fator que motiva a adesão a teorias da conspiração é a "necessidade de inserção em um grupo", de pertencer a uma comunidade.
Apesar de muitas teorias da conspiração não negarem totalmente a ciência, elas, às vezes, não acreditam na autoridade científica de pesquisadores e especialistas.
"Ao não demandar processo de revisão por pares para checar a validade das suas informações [...] qualquer sujeito pode assimilar e divulgar suas hipóteses conspiratórias", explicou Melo.
Por outro lado, indivíduos que confiam na ciência podem apresentar menor propensão a aderir a essas teorias.
"Há pesquisas [...] que apontam para a confiança na ciência como mais impactante para a recusa de crenças conspiratórias do que disposições de pensamento ou outros fatores cognitivos", disse Melo.
QAnon e eleições norte-americanas
Apesar de ter muitos elementos de teorias da conspiração tradicionais, como a luta contra a pedofilia e a crença de que o mundo é controlado por um pequeno grupo de pessoas, a QAnon se mostrou conveniente para a campanha eleitoral do presidente Donald Trump.
"Não sei muito sobre esse movimento, além do fato de que eles me amam", respondeu Donald Trump quando perguntado sobre a teoria.
Apesar do distanciamento, 11 candidatos do Partido Republicano estão adotando abertamente a causa QAnon, por convicção ou para angariar votos dos cada vez mais numerosos adeptos da teoria, informou a Axios.
Especialistas se preocupam com o uso de teoria conspiratória para fins eleitorais, uma vez que, acabada a eleição, a teoria tende a permanecer em voga.
"A crença em teorias conspiratórias seria um fenômeno cíclico", disse Melo. "Isso quer dizer que, uma vez formulada, ela alimentará mais sentimentos coletivos atrelados a si, gerando, assim, mais adeptos e hipóteses convergentes."
Portanto, as eleições podem passar, mas as "teorias conspiratórias [...] estão aí para ficar", disse o pesquisador.
O que fazer?
Conforme cresce o número de seguidores dessa teoria, aumenta também o número de familiares e amigos em busca de ajuda.
Para Melo, a "oposição frontal aos teóricos da conspiração pode ser um mecanismo ineficiente e até certo ponto perigoso".
Além disso, rotular o indivíduo, marginalizando-o por ter aderido a uma teoria da conspiração também não ajuda.
"Os rótulos poderiam surtir até um efeito contrário, estimulando os sujeitos conspiradores a se questionar se não estariam indo na direção correta, afinal, estariam sendo rotulados por grupos dos quais divergem", explicou Melo.
"Assim, do meu ponto de vista educacional e científico, penso que estímulos à confiança nas ciências, mas também nas instituições atreladas à ação científica, pode ser um caminho produtivo", disse o pesquisador.
Desse modo, "é importante não só divulgar informações de maior credibilidade e fatualidade, mas também torná-las interessantes, engajantes, atraentes".
"No final das contas, as soluções para lidar com essas narrativas excêntricas também parecem demandar um engajamento coletivo", assegurou Melo.
Em 2019, o Departamento Federal de Investigação (FBI, na sigla em inglês) dos EUA classificou a QAnon como uma ameaça de terrorismo doméstico em um memorando interno da organização, após uma tentativa frustrada de assassinato de político de alto escalão e troca de tiros com policiais no estado do Arizona.