Em 26 de fevereiro deste ano, o Ministério da Saúde, ainda sob o comando de Luiz Henrique Mandetta, confirmou o primeiro caso de COVID-19 no Brasil. De lá para cá, passaram-se oito meses de convívio com a pandemia e o país se aproxima da triste marca de 160 mil mortes e quase 5,5 milhões de pessoas infectadas.
Em boa parte do país, proliferam as críticas às autoridades sob a alegação de que o foco na recuperação da economia poderia favorecer a chegada de uma possível segunda onda, enquanto uma parcela significativa da população comporta-se como se a pandemia tivesse acabado.
Desenvolvimento científico e tecnológico
Para Guilherme Werneck, médico epidemiologista e professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), esses oito meses mostraram que houve muitos avanços no campo científico, apesar de o conhecimento ser ainda incipiente.
Werneck considera que o tratamento de suporte para o paciente grave e internado melhorou muito, com a descoberta da eficácia de diversas drogas, como a dexametasona, e de tratamentos específicos que ajudaram a reduzir a gravidade e a letalidade entre os doentes internados. O especialista também destaca os avanços no desenvolvimento na área de imunologia e vacinas, com diversos imunizantes sendo testados, vários deles na fase III, como é o caso da vacina russa Sputnik V.
Responsáveis pelo desenvolvimento da vacina Sputnik V mostram resultados positivoshttps://t.co/DVZZTJvvPf
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"O desenvolvimento científico e tecnológico vem avançando muito no campo da imunologia, de forma a permitir imaginar, neste momento, que teremos vacinas no ano que vem, que estarão disponíveis para a população", disse o especialista à Sputnik Brasil.
Além dos avanços na área científica e tecnológica, o professor da UERJ também destaca o grande desenvolvimento experimentado no campo da vigilância epidemiológica. Segundo Werneck, há entre os especialistas "a percepção de que existe uma série de iniciativas que podem ser feitas para a identificação de casos, para o rastreamento de contatos, para a interrupção da transmissão", e que diversos países no mundo, como China e Nova Zelândia, executaram essas ações de forma exemplar, em consonância com as medidas de enfrentamento da pandemia, mitigando seus efeitos mais graves e permitindo a recuperação da economia.
Resposta das autoridades brasileiras
Já em relação ao comportamento das autoridades brasileiras, o médico epidemiologista foi enfático: "Se o enfrentamento da COVID-19 dependesse delas apenas, o Brasil estaria em uma situação muito pior, pois a maior parte dessas autoridades, a começar pelo governo federal, está dando uma resposta à pandemia que não se alia ao conhecimento científico", frisou.
Para Werneck, a resposta das autoridades é relativamente pífia, pois não tem qualquer embasamento no conhecimento científico acumulado até o momento.
"São promessas de medicamentos que não existem, de intervenções que não acontecem, são formas de minimizar o impacto da pandemia na população, levando-a a acreditar que a situação está totalmente controlada, o que faz com que as pessoas deixem de se engajar nas medidas preventivas. Além disso, há uma disputa política sobre qual vacina deveria ser financiada pelo governo", acrescentou o especialista.
Brasil chega a 157.134 mortes pelo coronavírus; OMS alerta para 'nacionalismo da vacina' https://t.co/exmh66vhLK
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Na opinião do especialista, o foco dos governos parece estar voltado quase que totalmente para a recuperação da economia nacional, o que ele acredita ser um equívoco total. "Não existe possibilidade de retomada econômica sem controle da pandemia. É o contrário do que as autoridades dizem, não é a economia que nos salva da pandemia, é enfrentar a pandemia seriamente que permitirá a recuperação mais rápida da economia. A ênfase na economia em detrimento da segurança da população só contribui para piorar a situação", sentencia o epidemiologista.
Segunda onda
Muitos países europeus vivenciam neste momento o que vem sendo chamado de segunda onda. Após o controle relativo da propagação do vírus durante o verão europeu, muitos países estão voltando a adotar medidas restritivas, como a imposição de toques de recolher durante a noite, ao verem os números da doença explodirem novamente com a proximidade do inverno.
O professor da UERJ assinala que as doenças respiratórias, historicamente, tendem a aumentar durante o inverno. Como ainda não existe uma vacina disponível, é previsível que a COVID-19 volte a se espalhar pelo Velho Continente e os governos locais tenham que recorrer a medidas mais duras de distanciamento social para conter a expansão do vírus, como vimos no decorrer da última semana em países como França, Espanha, Bélgica e Itália.
Itália impõe restrições ao funcionamento de bares e restaurantes para frear 2ª onda da COVID-19https://t.co/9yBpsKeagG
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No entanto, ele não considera que seja possível fazer uma comparação ente as situações vividas na Europa e no Brasil. "O país não controlou sua primeira onda, então é difícil entendermos o Brasil, e alguns estados e cidades do país, em uma situação semelhante à da Europa, em que poderia ocorrer uma segunda onda. O Brasil ainda está tentando resolver a primeira", avalia.
Para o médico epidemiologista, a chegada de uma segunda onda vai depender de uma série de questões, como o grau em que a doença se espalhou, a existência ou não de uma vacina e as estratégias de controle populacionais. Ele também não vê indícios de que haverá a imposição de novas medidas restritivas, pois o país não soube lidar com a pandemia de forma pragmática desde o início. Além disso, estamos às vésperas das eleições municipais, e muito políticos hesitam em impor novas medidas restritivas, pois temem seus possíveis reflexos negativos nas urnas.
"Nunca houve lockdown no Brasil, medidas restritivas intensificadas na forma de proibição de pessoas nas ruas, imposição de multas, etc., isso não foi feito no país. O que existiu foram recomendações de distanciamento social com fechamento de certas atividades econômicas", comenta.
O docente do Instituto de Medicina Social da UERJ acredita que é necessária a intensificação das medidas de isolamento social, e que as pessoas precisam perceber que também são responsáveis pelo controle da pandemia. "Para isso, é fundamental o envolvimento de todos, e as autoridades deveriam ser as primeiras a se posicionar para fazer o possível para controlar a epidemia. Com a proximidade das eleições, a maior parte dos candidatos não quer conversar com a população e responsabilizá-la, e também a sua eventual gestão no futuro, com recomendações impopulares", conclui.