Após chegar pelos aeroportos e explodir nos bairros ricos, a pandemia da COVID-19 se espalhou e ganhou força nas favelas e periferias do Brasil. Essas regiões, que passaram a registrar o maior número de mortes e casos da doença, também sofreram maior impacto econômico com a necessidade do isolamento social e o fechamento do comércio e serviços, ao custo de renda e empregos.
No Rio de Janeiro, favelas também testemunharam o aumento da violência de Estado nos primeiros meses de quarentena, o que após mobilização e protestos gerou uma ação do Supremo Tribunal Federal, em junho, proibindo operações policiais durante o período de pandemia.
Celso Athayde, Fundador da Central Única das Favelas (CUFA) e CEO da Favela Holding, um grupo que reúne empresas dispostas a investir nas comunidades, aponta que a pandemia evidenciou um velho tipo de isolamento social imposto às favelas brasileiras.
"A gente, primeiro, precisa ter em mente que a favela sempre foi isolada socialmente. A pandemia veio para escancarar isso. Muita gente perdeu emprego ou foi à falência com os seus negócios. Muita gente não parou em casa um minuto sequer, não teve home office para essas pessoas", conta Athayde em entrevista à Sputnik Brasil.
Para amenizar o impacto econômico e social no período, espalharam-se pelas favelas e periferias brasileiras redes de solidariedade que distribuíram cestas básicas, produtos de higiene e auxílio financeiro para as famílias mais carentes muito antes da aprovação do auxílio emergencial. Alguns locais também organizaram planos para conter a propagação do vírus localmente, divulgando informações e mobilizando voluntários. O fundador da CUFA explica que a organização, sediada no Rio de Janeiro, fez parte desse processo através dos programas "CUFA Contra o Vírus" e "Mães da Favela", arrecadando doações de pessoas físicas e fechando parcerias com grandes empresas.
O resultado, afirma Athayde, impactou a vida de mais de cinco milhões de moradores de favelas. O ativista e empresário prevê desafios e aponta possíveis soluções para a crise econômica nas favelas no pós-pandemia, levando em conta que o aumento do desemprego durante a emergência sanitária impactou principalmente as áreas mais pobres das cidades.
"O desafio vai ser a retomada econômica. E acreditamos que ela vai se dar, sobretudo, através do fomento do empreendedorismo nestes territórios. Tem que haver parcerias e programas para impulsionar a economia na favela por partes do Poder Público e da iniciativa privada", afirma.
Para Athayde, as redes de solidariedade criadas nas favelas durante a pandemia são uma mensagem de que o fomento à organização local pode reverter os problemas e desenvolver essas regiões.
"Essa pandemia deixou claro o que já falamos há um tempo: ou dividimos as riquezas e oportunidades com a favela, ou dividiremos as consequências do caos. A favela e a CUFA deram exemplo de solidariedade e cooperação", avalia.
Athayde aponta que as favelas necessitam principalmente de investimentos em infraestrutura, mas aponta que o fomento à geração de empregos nessas regiões é o caminho para amenizar o impacto da pandemia.
"Projetos de saneamento básico, melhoras da infraestrutura como sempre [são necessários]. No pós-pandemia, especificamente, precisamos que tenham projetos que fomentem o empreendedorismo e a geração de empregos, para que os impactos econômicos do pós-pandemia sejam o mais suave possível dentro das favelas", diz.
Favelas podem crescer e precisam de plano pós-pandemia
O urbanista Anderson Kazuo Nakano, professor do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), lembra que inquéritos sorológicos na capital paulista não deixam dúvida de que a COVID-19 impactou mais os moradores das regiões de periferia e favelas.
Essas regiões, aponta o urbanista, são mais densas que as demais, com diversas casas nos mesmos lotes e mais pessoas dividindo os espaços, o que facilita o contágio pelo novo coronavírus. Para Nakano, a crise econômica trazida pela pandemia pode levar mais pessoas às favelas e periferias das cidades, um fenômeno vivido em outros momentos de crise econômica no Brasil, e que já estava em curso.
"As crises, o empobrecimento da classe trabalhadora, o empobrecimento da classe média baixa, empurra mesmo o pessoal para as áreas mais precárias, mais periféricas e também para as favelas. Isso já estava acontecendo porque a gente não conseguiu ainda propiciar um nível de renda para a maior parte da população de modo que ela consiga acessar moradia adequada fora das favelas", afirma pesquisador em entrevista à Sputnik Brasil.
Nakano, que foi gerente de projetos do Ministério das Cidades entre 2004 e 2005, acredita que o número de pessoas em favelas e periferias tem aumentado no país e afirma que para evitar uma nova tragédia sanitária, projetos de urbanização precisam ser iniciados imediatamente nessas regiões.
"Isso precisa começar já, porque isso não será resolvido no curto e no médio prazo, isso vai ser resolvido no longo prazo. O Brasil tem experiências no país inteiro de urbanização de favelas. [...] Nisso a gente já tem experiência, já tem tecnologia. O que não tem é uma ação de larga escala no Brasil", afirma, lembrando que a única experiência do tipo no país foi ainda nas gestões petistas com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que previa obras de infraestrutura e urbanização.
O professor Nakano aponta que é necessário garantir gestão social aos locais que recebem esse tipo de política pública para evitar o retorno de adensamentos e situações de moradias de risco. Ou seja, a urbanização com melhorias de infraestrutura, mas sem política social, pode ser revertida naturalmente pela desigualdade.
Além disso, o urbanista avalia que são necessárias políticas emergenciais pós-pandemia da COVID-19 para as populações das favelas, levando em conta fatores como segurança alimentar, saúde, apoio psicológico e financeiro. Para o urbanista, essas medidas precisam estar associadas a uma política nacional para as favelas.
"Em termos emergenciais é preciso estabelecer agora um programa multi-setorial de apoio a essa população, pois elas estão saindo desse processo [da pandemia] mais vulneráveis ainda, com mais problemas ainda, que se somam aos problemas habitacionais e de outras doenças que já existiam por causa da precariedade do saneamento básico. Então tem que olhar com muito cuidado essas populações vulneráveis", aponta, acrescentando que uma segunda onda da pandemia certamente terá um impacto ainda maior nas favelas.