Os delegados do Colégio Eleitoral enviaram oficialmente seus votos para Washington nesta segunda-feira (14). Pouco antes das 19h30 (horário de Brasília), Joe Biden foi confirmado presidente dos EUA após ter conquistado 306 votos eleitorais, contra 232 de Donald Trump.
De acordo com a 12ª emenda à Constituição dos EUA, os eleitores votam separadamente para presidente e para vice-presidente. Para ser eleito, o candidato deve obter maioria absoluta, ou seja, pelo menos 270 votos.
Com o fechamento de mais uma etapa dos protocolos do sistema eleitoral americano, a confirmação de Joe Biden como novo presidente dos EUA levanta questões sobre como o Brasil e o governo Bolsonaro vão lidar com as mudanças comerciais e diplomáticas entre os dois países.
Suprema Corte dos EUA rejeita ação do Texas para anular vitória de Biden https://t.co/eGRCQ7XCZP
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) December 12, 2020
Para compreender como será o futuro do relacionamento entre Brasil e EUA, e as diferenças entre Trump e Biden neste contexto, a Sputnik Brasil conversou com Roberto Moll, professor de História da América na Universidade Federal Fluminense (UFF).
O cientista político entende que a "relação entre Bolsonaro e o novo governo dos EUA será tensa, porém, sem grandes rupturas".
Para ele, "as relações entre os dois países devem se manter em um patamar pragmático. Não deve haver nenhuma ruptura, exceto no que envolve o meio ambiente. Isso acontece porque as forças que movem essa relação são muito mais fortes do que o estresse e as questões individuais entre os presidentes".
É importante lembrar que durante o primeiro debate eleitoral, no começo de outubro, Biden prometeu se juntar com outros países e oferecer US$ 20 bilhões (R$ 112 bilhões) para ajudar na preservação da Amazônia. "Parem de destruir a floresta e, se não fizer isso, você terá consequências econômicas significativas", sentenciou.
"Biden pode tomar um Brasil como um exemplo para comprovar ao mundo que está comprometido com o meio ambiente. Ele pode propor sanções e barreiras aos produtos brasileiros no comércio internacional. Ele pode também reduzir o papel do Brasil junto a diversos órgãos multilaterais", afirmou o professor Roberto Moll.
O cientista político entende que o Brasil vai tentar uma aproximação diplomática com o governo de Joe Biden. Porém, segundo ele, resta saber em quais bases essa relação será estabelecida.
"Jair Bolsonaro pode ficar muito fragilizado nesta relação. E uma vez que ele já atacou chineses, a Argentina e a UE, ele pode ter colocado o Brasil em uma relação de barganha muito difícil com seus principais parceiros comerciais. Isso pode deixar esse governo com uma margem muito baixa de barganha. Ele terá dificuldade de negociar com a China tendo uma posição muito pouco privilegiada com relação aos EUA", afirmou.
Uma das questões que ainda necessitam maiores explicações diz respeito ao fato de Bolsonaro ainda não ter reconhecido a eleição norte-americana. Durante os pleitos municipais no Brasil, em novembro, o presidente afirmou que tinha provas de uma fraude nas eleições dos EUA. "Eu estou aguardando um pouco mais que lá seja decidido. Pelos estados, ou pela Justiça Eleitoral deles, e, quem sabe, pela Suprema Corte", afirmou na ocasião.
Esta recente postura do presidente brasileiro foi alvo de críticas por diversos especialistas em relações internacionais. Porém, tratando-se de Biden, Jair Bolsonaro é reincidente. No dia 11 de novembro, ele ironizou as falas de Joe Biden sobre a Amazônia, e afirmou que apenas a diplomacia não basta para "fazer frente a tudo isso", "depois que acabar a saliva, tem que ter pólvora".
O professor Roberto Moll acredita que o presidente brasileiro está "respondendo em parte às manifestações da sua própria base de apoio, que acreditam, vangloriam e idolatram a figura de Donald Trump. Eles acreditam que ele será vitorioso no final deste processo".
"É difícil entender porque o governo brasileiro ainda não reconheceu a vitória do Joe Biden. A maior parte dos governos no mundo já fizeram isso, apesar de qualquer proximidade com o Donald Trump. Há duas possíveis explicações. A primeira é que a relação de Jair Bolsonaro com Trump foi tão próxima, e esse movimento foi acompanhado pelas bases de apoio popular do presidente brasileiro, que foi difícil para o Bolsonaro abandonar o Donald Trump nesse momento em que nem ele aceitava a derrota", explica Roberto Moll.
O cientista político afirmou também que "um segundo aspecto é que o Bolsonaro não construiu nenhuma ponte com o Joe Biden, então ele insiste em uma mirabolante e improvável virada de jogo do Donald Trump nesta altura do campeonato".
Biden e as relações exteriores
O professor Roberto Moll também comentou como será a política externa do presidente Joe Biden para América Latina e Oriente Médio. "O governo de Biden vai reestabelecer os EUA em relações multilaterais em assuntos como meio ambiente, o aquecimento global e a COVID-19. Vai ser um governo que vai buscar mais negociações do que bravatas e agressividade", disse Moll.
"Talvez ele mantenha protecionismo econômico que o Trump estabeleceu. Contudo, esse protecionismo será combinado com mais incentivos para empresas americanas atuarem em países parceiros dos EUA. Em troca de mais abertura econômica aos fluxos de mercadorias e capitais globais", afirmou o cientista político.
Ao falar sobre a delicada situação no Oriente Médio, Roberto Moll acredita que Biden não será menos incisivo ou agressivo do que Donald Trump em questões consideradas importantes pelos EUA. "Em relação ao Oriente Médio, Biden continuará tendo uma resposta incisiva. Em relação a América Latina também, sobretudo no que diz respeito a Venezuela, Cuba e Nicarágua".
Vale lembrar que o presidente eleito sinalizou mais movimento em Cuba, voltando-se para a histórica aproximação promovida pelo ex-presidente Barack Obama, que foi o primeiro presidente a visitar a ilha em 88 anos.
"Continuaremos a ver, por exemplo, críticas profundas a Cuba, Venezuela ou Nicarágua. Mas pode haver também negociação para transformar o governo nesses países. Apesar de difícil, é possível uma aproximação com Cuba, por exemplo. É muito provável que o governo Biden faça críticas a esses modelos de governo, mas também é possível que essas criticas sejam materializadas em negociações", concluiu Roberto Moll.