Já se passaram nove meses desde que o presidente Jair Bolsonaro editou a MP 936, que autoriza a suspensão de contratos de trabalho durante o período de calamidade pública em razão da COVID-19.
O benefício, porém, já prorrogado em três ocasiões, acaba legalmente no próximo dia 31. A retomada de crescimento econômico em formato "V", prometida pelo ministro Paulo Guedes, revelou-se, até agora, tímida. Já o plano de vacinação contra a COVID-19 é pouco detalhado, carecendo de maiores explicações. Concomitantemente a isso, cresce diariamente os casos de coronavírus no Brasil.
Diante deste quadro, os empresários brasileiros estão receosos. Há uma parte que defende abertamente a prorrogação da MP 936. A grande questão, porém, como ressalta o economista Guilherme Mello da Unicamp, é que apenas a prorrogação da medida provisória não será suficiente. Segundo ele, o governo federal precisa "condicionar esta MP ao chamado orçamento de guerra".
De acordo com Guilherme Mello, "as medidas que foram tomadas tiveram impacto muito grande. O fim desses benefícios tendem a reduzir renda, aumentar pobreza e ampliar o desemprego. Afinal, quem aderiu a MP tinha um tempo em que não poderia demitir. Mas esse prazo vai acabar, e as empresas vão, inevitavelmente, voltar a demitir".
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"Comparada com outros países, ela foi tímida", explica Guilherme Mello. "Mas nem por isso podemos considerá-la inócua, já que várias empresas aderiram, e houve uma preservação dos empregos no Brasil".
"O problema no Brasil foi o acesso ao crédito. Ao passo que a MP foi editada logo no início, as políticas de microcrédito demoraram demais para serem implantadas. Eu acho que a MP deveria ser renovada, mas condicionada ao orçamento de guerra. Não é possível fazer transferência de renda com o teto de gastos vigente", assinalou Guilherme Mello.
Desde que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, 716 mil empresas fecharam as portas, de acordo com a Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da COVID-19 nas Empresas, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e publicada em julho.
A cifra corresponde a mais da metade de 1,3 milhão de empresas que estavam com atividades suspensas ou encerradas definitivamente na primeira quinzena de junho, devido à crise sanitária. Do total de negócios fechados temporária ou definitivamente, quatro em cada 10 (um total de 522 mil firmas) afirmaram ao IBGE que a situação deveu-se à pandemia.
A MP 936
Em linhas gerais, a MP 936, sancionada na Lei 14.020, permite que as empresas reduzam os salários e jornadas dos funcionários ou suspendam seus contratos temporariamente. Em troca, garante estabilidade e cria o BEm, uma espécie de benefício emergencial que pode chegar a R$ 1.813,03.
No início da pandemia, quando foram permitidos, esses pactos tinham prazo máximo de 60 dias para a suspensão do contrato de trabalho e de 90 dias para a redução de salário e de jornada, que poderia ser de 25%, 50% ou 70%.
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Caso a empresa não honre com o compromisso de manter o emprego dos funcionários com os quais fez acordos, deverá pagar, além das verbas rescisórias normais em casos de demissão — como levantamento do FGTS, acrescido da indenização de 40%; férias e décimo terceiro proporcionais; e aviso prévio —, uma indenização ao trabalhador.
Para reduções entre 25% e 50%, a multa devida é de 50% do salário que a pessoa teria direito no período de estabilidade; para reduções acima de 50% e abaixo de 70%, a indenização é de 75%; já para reduções superiores a 70% e suspensões de contrato, o valor devido é 100% da remuneração dos meses garantidos.
Para ter o salário reduzido ou suspenso, no entanto, o trabalhador deve concordar com a medida sugerida pelo empregador.
As dificuldades de uma retomada econômica
Para Ricardo de Figueiredo Summa, professor de economia da UFRJ, uma nova prorrogação, por si, "não resolve o problema". O professor entende que a medida "mantém o vínculo do trabalhador, permite que ele seja pago, ou receba por menos horas. Mas só isso não resolve".
"Parece ser uma medida mais emergencial do que algo que possa ser estendido por mais tempo. Se ela for estendida, o impacto poderá ser menor. Mas é preciso pensar em formas de alterar os custos das empresas. O problemas é que se não houver demanda, não vai adiantar postergar essa medida", concluiu.
Neste sentido, Ricardo Summa partilha do mesmo entendimento do economista da Unicamp. Guilherme Mello defende que "seria preciso ampliar o estado de calamidade, e com isso o orçamento de guerra. Eu acredito que o governo fará isso, apesar de não ter havido qualquer anúncio, e também apesar da falta de clareza deste governo. Do ponto de vista econômico, faria sentido uma prorrogação para setores da economia que podem ser afetados pela segunda onda, como restaurantes, bares, setores de serviços em geral, e talvez até setores industriais específicos. Agora, isso depende muito de como iremos lidar com a segunda onda".
Ricardo Summa entende que a prorrogação do auxílio seria o ponto mais importante neste momento. "Teremos uma queda na renda dos brasileiros, e uma queda na demanda. Esse novo pico da COVID-19 muda os hábitos de consumo".
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Para retomada econômica do setor de serviços, Ricardo Summa entende que "a vacinação deve vir em primeiro lugar". Mas isso é óbvio. Ele sustenta que é preciso repensar a forma de se fazer negócios no Brasil, principalmente o setor de serviços. "Uns setores serão mais afetados do que outros, portanto é preciso pensar em medidas paliativas para cada setor. É preciso entender o que precisamos fazer em cada segmento".