Na terça-feira (5), em conversa com grupo de apoiadores na porta do Palácio da Alvorada, em Brasília, o chefe de Estado disse que o país estava "quebrado" e ele não poderia "fazer nada".
"Chefe, o Brasil está quebrado, chefe. Eu não consigo fazer nada. Eu queria mexer na tabela do imposto de renda, teve esse vírus potencializado pela mídia que nós temos aí, essa mídia sem caráter", afirmou o presidente.
Para o economista Carlos Pinkusfeld, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a declaração de Bolsonaro é falsa.
"Um país é diferente de uma família ou de um comércio, não pode quebrar na própria moeda. O que pode ocorrer é uma grave crise externa com endividamento em outra moeda, como aconteceu na Argentina com os fundos abutres. Nesse caso, não é possível emitir dinheiro em outra moeda para pagar essa dívida", explicou o professor do Instituto de Economia da UFRJ.
'Brasil não está quebrado'
Ainda de acordo com o economista, o que a fala de Bolsonaro esconde, na realidade, é um posicionamento contra o aumento dos gastos públicos e, consequentemente, do pagamento de uma renda básica para a população.
O economista Cláudio Considera, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também diz que o "Brasil não está quebrado".
"A gente fala isso quando uma nação não tem condições de saldar as suas dívidas com setores externos. O Brasil está tranquilo em termos de reservas", afirmou o especialista à Sputnik Brasil.
Após a declaração do presidente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que os dois continuavam alinhados e que o chefe de Estado se referia ao "setor público". O ministro defende que a economia do país está se recuperando - ao mesmo tempo, é a favor do corte dos gastos.
"O que Bolsonaro até poderia dizer é que existe um espaço reduzido para se continuar uma política expansionista, que aumentaria a dívida pública, que cresceu durante a pandemia com o pagamento do auxílio, por exemplo. A consequência disso poderia ser um aumento da inflação e dos juros", argumentou Pinkusfeld.
'Jogar milhares na miséria'
O economista, no entanto, ressalta que essa linha de raciocínio é apenas um modelo de pensamento, que ele próprio discorda. "Desde 2015, implementamos um ajuste fiscal no Brasil que causa o efeito contrário do que se propõe: recessão e aumento da dívida", afirmou.
Por fim, o professor acredita que a intenção real de Bolsonaro é fazer uma simplificação, para explicar de forma mais palatável, que o governo não tem condições de seguir pagando o auxílio emergencial durante a pandemia do coronavírus.
"Com esperteza, Bolsonaro faz a passagem de uma metáfora popular, da vida doméstica das pessoas, para se referir a uma questão macro e de estado: o país está quebrado", disse o especialista. "Mas qual seria a consequência de não fazer nada? Jogar milhares de pessoas na miséria. Pode haver uma recessão grande neste ano e a trajetória da dívida ser até crescente, ou seja, ir na direção contrária da teoria do estamos quebrados", acrescentou Carlos Pinkusfeld.
'Desculpas' para justificar 'escolhas'
Para Cláudio Considera, Bolsonaro dá "desculpas" para justificar suas "próprias escolhas".
"Ele prefere manter subsídios de alguns produtos, que servem mais às classes mais altas, do que fazer algo para as pessoas que ganham menos. Ao contrário do que ele disse, o presidente pode sim fazer muito, como batalhar por uma reforma tributária e administrativa. São escolhas", disse o economista.
Além disso, Considera acredita que a fala do presidente tem uma repercussão muito negativa para o país.
"Algumas coisas um presidente não pode falar. Essa declaração foi uma grande bobagem, e faz com que o Brasil fique mal no resto do mundo, isso espanta o investidor estrangeiro", criticou.
'Porta aberta para radicalização'
Um dia após decretar a quebra do país, Bolsonaro disse, nesta quarta-feira (6), que o Brasil estava uma "maravilha". "A imprensa sem vergonha, essa imprensa sem vergonha faz uma onda terrível aí. Para a imprensa, bom estava Lula, Dilma, gastando R$ 3 bilhões por ano para eles", afirmou o presidente, segundo o jornal Folha de S.Paulo.
Para Tiago Medeiros, professor do departamento de Filosofia do Instituto Federal da Bahia (IFBA), a declaração de Bolsonaro não significa que ele tenha jogado a toalha. "Ele se posiciona de maneira relativamente coerente a outros passos que deu. Essa coisa de falar uma coisa hoje e outra amanhã, o que revela a falta de compromisso com seu discurso", disse à Sputnik Brasil o pesquisador do Laboratório de Estudos Brasil Profundo.
Além disso, Medeiros vê no discurso de Bolsonaro uma "porta sempre aberta para a radicalização".
"Também não é novo o fato de ele argumentar sempre deixando uma porta aberta para uma possibilidade de golpe ou manobra política um pouco mais radical. Afinal, o problema nunca é sua falta de criatividade, sua equipe, sua competência, mas sempre os outros, que são as instituições: o Congresso e o judiciário, que representam o bloqueio ao seu poder de ação, e a mídia, que representa o bloqueio ao seu poder de influência", disse o filósofo político.