Em um país dependente do sistema rodoviário (e carente dos sistemas ferroviários e hidroviários) para transporte de cargas, a questão do preço dos combustíveis nos postos de gasolina é essencial para qualquer governante garantir apoio popular.
Para Jair Bolsonaro não poderia ser diferente. Ao longo dos últimos anos, em praticamente todos governos desde a redemocratização, economistas divergem sobre o papel da Petrobras na política de preços da gasolina brasileira, assim como sobre a questão dos impostos estaduais sobre combustível e a necessidade do Brasil refinar petróleo em território nacional.
Alheio a este debate e irritado com a condução da estatal, o presidente Jair Bolsonaro propôs uma nova frente: editou nesta terça-feira (23) um decreto que obriga postos de gasolina a apresentarem aos consumidores o valor de impostos cobrados sobre combustíveis.
Proteção ao consumidor
Instituído o decreto, estabelecimentos deverão instalar painéis com as seguintes informações: valor médio regional dos produtos; preço de referência para cobrança do ICMS; valor do ICMS; valor do PIS/Cofins; e valor da Cide. A medida prevê ainda que os postos detalhem preços promocionais em caso de descontos concedidos por meio de aplicativos de fidelidade.
Para Victor Cerri, a medida é positiva. "Ela corrobora um ato de transparência, que vai sob as diretrizes do que postula o próprio código de defesa do consumidor".
Em suas palavras, "é claro que o nicho que se encontra alocado ao consumo e a venda de combustíveis é bastante específico, ele tem variações de commodities internacionais que acabam fazendo com que seja complicado para o consumidor entender exatamente por quais razões acontecem as variações constantes do preço do combustível".
Para o advogado, há, também, neste contexto, um pouco de má fé por parte de alguns donos de postos de combustíveis.
"Isso acaba corroborando para que alguns comerciantes se aproveitem desta situação para agregar um lucro demasiado e depois imputar isso em questões políticas ou em questões de auto oneração, o que nem sempre é verdade. Portanto, isso corroboraria para deixar mais claro, mais transparente, o que realmente é sobrecarga ou encarga estatal, provocada pelo poder público, e o que é lucro demasiado", afirmou.
Intervenção na Petrobras: o brasileiro já conhece esse filme
Desde que Jair Bolsonaro indicou o general Joaquim Silva e Luna, na última sexta-feira (19), surgiram inevitáveis comparações entre o presidente brasileiro e a ex-presidente Dilma Rousseff, que utilizava a Petrobras para controlar os preços e a inflação do país.
Para o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, Bolsonaro está seguindo os mesmos passos de Dilma Rousseff. Para ele, as recentes atitudes do presidente criaram "uma nuvem de incertezas na Petrobras". Sua entrevista foi publicada pelo portal UOL.
Victor Cerri discorda deste entendimento. Segundo ele, "me parece que a configuração atual é diferente. Não existe um movimento de represamento, mas sim uma tentativa de elucidar, demonstrar onde estão essas oscilações, e o por quê elas ocorrem. Não há uma tentativa de maquiar ou deturpar a realidade".
"O contexto me parece diferente. É claro que, não obstante, podem existir outras crises econômicas que acabam, de uma forma generalizada, tornando esse um momento de crise, que acaba atingindo, em um efeito dominó, diversas searas. Mas é um momento diferente daquele anterior", concluiu.
Benefícios para o consumidor
Para ele, é preciso esquecer as questões da política nacional e observar o fato sob uma perspectiva técnica.
"Me parece que fortalece, sim, esses institutos assegurados, e todas as prerrogativas que compõem o código do consumidor e da defesa civil. Deste modo, ficará claro qual será o preço final. Não haverá uma indução de erros através de propagandas genéricas impulsionadas por aplicativos que, às vezes, nos levam a uma percepção errônea daquilo que efetivamente se vai pagar ou está pagando", afirmou.
Neste sentido, abordando as promoções e campanhas de fidelidade nos postos, ele salientou que, a partir do decreto presidencial de Jair Bolsonaro, os postos deverão apresentar em um painel o preço real, o preço promocional vinculado ao uso do aplicativo e o valor do desconto.
A questão dos caminhoneiros
A compreensão da dinâmica econômica do Brasil passa pelo reconhecimento e entendimento do papel dos caminhoneiros. Em um segmento dependente da gasolina e dos combustíveis, estes trabalhadores, quando organizados, podem (como já fizeram) paralisar o país e fazer faltar alimentos e medicamentos nas prateleiras de mercados e hospitais.
Questionado se o decreto presidencial teria como alvo esse grupo de trabalhadores em especial, Victor Cerri fez uma análise técnica.
"Resguardados os inevitáveis interesses políticos deste tema, me parece que o intento do governo federal é positivo e coerente. Ele quer uma uniformidade na alíquota de ICMS que incide sobre o combustível de forma nacional", defendeu.
"Existe hoje um disparate entre as alíquotas estaduais. Há estados que cobram 12%, e outros que cobram 35%. Isso causa um problema. Também resguardado o fato de sermos um país continental, com dimensões geográficas gigantescas, é necessário que se preze pela uniformidade da questão consumerista", avalia o advogado.
Vamos cruzar os braços nesta quarta-feira, diz liderança dos caminhoneiros sobre nova paralisação https://t.co/4FUj1hTB7Z
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) February 18, 2020
Victor Cerri, porém, apesar de seus comentários técnicos, reconhece a importância política dos caminhoneiros. Ele entende que é fundamental, para o bom funcionamento da economia nacional, que o Brasil tenha uma política para os combustíveis justa e satisfatória.
"Então, de modo a tornar o combustível nacionalmente equilibrado, é positiva essa tentativa de convencimento dos estados para que seja encontrado um equilíbrio que seja capaz de satisfazer os cofres de todos os estados e manter uma uniformidade coesa para o consumidor", concluiu.