O novo embate diplomático começou depois que a União Europeia (UE) não reconheceu o resultado das eleições legislativas de dezembro de 2020 por considerar que não cumpriram os requisitos democráticos suficientes, ampliando sanções a mais 19 funcionários do governo de Nicolás Maduro. O pleito, que foi boicotado por boa parte da oposição venezuelana, devolveu a maioria da Assembleia Nacional a partidos chavistas.
Em junho do ano passado, Isabel Brilhante Pedrosa já havia sido declarada persona non grata e recebido ordem de expulsão do próprio Maduro após a UE decretar sanções a 11 pessoas do seu governo, proibindo-os de entrar no espaço europeu. No entanto, a decisão foi revertida naquela ocasião.
Desta vez, contudo, foi o Parlamento venezuelano que requereu ao Executivo a expulsão da embaixadora. Jorge Arreaza, ministro das Relações Exteriores da Venezuela, deu 72 horas para que a portuguesa abandonasse o país há uma semana, mas o prazo acabou dilatado por questões logísticas, em função da escassez de voos por conta das restrições impostas pela pandemia de COVID-19.
Antes de deixar Caracas em voo para Istambul, na tarde de terça-feira (2), a embaixadora publicou um post de agradecimento aos venezuelanos no Twitter, declarando seu amor ao país e enaltecendo a beleza do nascer do sol no Parque El Ávila, cadeia montanhosa que circunda a cidade.
Hoy #2Mar #Caracas me regaló el amanecer más bello con el #Avila en todo su esplendor. Gracias infinitas a todos los venezolanos por su cariño, reconocimiento y afecto. Los llevo a todos en tantos recuerdos hermosos. Mi corazón se queda aquí. Te quiero #Venezuela 🇻🇪@UEenVenezuela pic.twitter.com/i4dIXpXZ90
— Isabel Brilhante Pedrosa (@EmbajadoraUECCS) March 2, 2021
Hoje, 2 de março, Caracas me presenteou com o mais lindo amanhecer, com o Ávila em todo o seu esplendor. Agradecimentos infinitos a todos os venezuelanos pelo seu carinho, reconhecimento e afeto. Carrego todos vocês em tantas lembranças lindas. Meu coração fica aqui. Amo a Venezuela
Com menos afeto e mais pragmatismo do que sua compatriota, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, avaliou que a expulsão da embaixadora "só contribui para um maior isolamento internacional" da Venezuela. As declarações dele ganham maior peso político em um momento em que a presidência rotativa do Conselho da UE está a cargo de Portugal.
Em entrevista à TSF, de Bruxelas, onde dirigiu um debate entre os Estados-membros da UE, o chanceler português disse que o país sul-americano "vive uma crise humanitária, social e econômica gravíssima, cuja origem está em um impasse político", defendendo "eleições em que todos possam concorrer e que possam decorrer de forma livre, transparente e justa". Entretanto, afirmou que a UE não quer interferir em "assuntos internos".
"Esperamos que a Venezuela caia em si e compreenda que a União Europeia não é uma adversária, mas, sim, um parceiro que pode contribuir para soluções pacíficas", disse Santos Silva.
Em retaliação, a UE também declarou persona non grata Claudia Salerno, chefe da missão venezuelana no bloco. Diferentemente de Isabel Brilhante Pedrosa, ela não será expulsa, pois também é embaixadora da Venezuela na Bélgica e em Luxemburgo. Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil concordam que os conflitos diplomáticos são ruins para ambas as partes, mas não há consenso entre eles sobre quem perde mais: Venezuela ou UE.
Especialista diz que quem perde mais é Maduro
Doutora em Direito Internacional Público pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), Anna Ayuso considera que, embora fosse previsível após a extensão das sanções da UE, a decisão não é boa para nenhuma das partes. Pesquisadora sênior para a América Latina no CIDOB (um think tank de relações internacionais em Barcelona), ela avalia que é mais prejudicial à Venezuela.
"Na minha opinião, quem mais perde é o governo de Maduro, cuja oferta de observação internacional das eleições para governadores da UE perde credibilidade. É um ato hostil, mas não tem consequências jurídicas em relação a questões diplomáticas. Na verdade, é um gesto calculado de Maduro, ele tem que responder às sanções, mas sem romper relações", explica Anna Ayuso.
Questionada pela Sputnik Brasil como resolver esse impasse diplomático e se é possível solucioná-lo, a especialista afirma que não vê esta possibilidade em um futuro próximo. No entanto, relativiza que a expulsão é apenas uma ação de protesto que não muda muito a situação. De acordo com ela, é preciso aguardar o pleito regional.
"No curto prazo, não acredito que estejam reunidas as condições para reverter a situação. Nem é urgente porque as relações não foram rompidas, apenas o embaixador foi expulso. Agora, o importante é ver o que acontece com as eleições regionais. Se não forem criadas as condições para uma participação da oposição, a situação não vai melhorar, e as sanções da UE continuarão, uma vez que estão associadas à abertura de um processo de transição", prevê.
Anna Ayuso, que também é mestra em Estudos Europeus pela UAB, pondera ainda que, apesar de Isabel Brilhante Pedrosa ter sido expulsa, as funções de embaixadora serão assumidas por um encarregado de negócios.
Já o analista internacional Andrei Serbin Pont, diretor da Coordenadora Regional de Pesquisa Econômica e Social (CRIES), classifica a expulsão da embaixadora da UE como mais um passo em um processo de corrosão constante da política externa da Venezuela desde a morte de Hugo Chávez.
"Maduro não tem os recursos petrolíferos de seu antecessor nem o carisma, ambos fundamentais no desenvolvimento da política externa venezuelana durante os primeiros 15 anos do chavismo. Ele viu a rede internacional de apoio construída por Chávez encolher e as capacidades do instrumento diplomático corroerem. Na prática, implica um aprofundamento maior de seu isolamento internacional, o que reforça a necessidade do governo de Maduro estreitar os laços com países como Rússia, China, Irã, Coreia do Norte, entre outros", afirma Pont à Sputnik Brasil.
Apesar de considerar que a Venezuela sai mais enfraquecida na queda de braço diplomática com a UE, Serbin Pont, que é doutor em Ciências Políticas e da Administração e Relações Internacionais pela Universidade Complutense de Madri, também prevê consequências para o bloco europeu.
"Para a UE, ator que assumiu um papel importante no âmbito internacional em torno da crise venezuelana, este incidente também é negativo, ao reduzir os canais de comunicação com o regime venezuelano, bem como com diversos setores da oposição e da sociedade civil venezuelana", justifica.
Analista acredita que caminho de Guaidó ficará mais difícil
Por sua vez, a analista em política internacional Ossanda Liber acredita que as sanções impostas pela UE aos dirigentes venezuelanos não surtirão o efeito desejado. Na opinião dela, graças ao boicote às eleições incitado pela oposição liderada por Juan Guaidó, muito dificilmente a UE e os seus aliados terão pretexto para pôr em causa a legitimidade dos resultados das eleições e que tiveram por consequência a perda da presidência da Assembleia Nacional da Venezuela por Guaidó.
"Guaidó, o interlocutor do Ocidente na Venezuela, terá pela frente um caminho ainda mais difícil agora que se encontra desprovido de poder", analisa Ossanda Liber.
"Estas medidas [sanções], associadas a todas as outras como, por exemplo, o embargo na aquisição do petróleo, só contribuem para perpetuar a difícil situação em que se encontra o povo venezuelano, pelo que o bloco ocidental tem pela frente o desafio de implementar o diálogo com as autoridades venezuelanas", exemplifica.
Amanda Correia Martins, mestra em Relações Internacionais pela Universidade de Northampton (Reino Unido) e doutoranda na sua área pela Universidade Nova de Lisboa, acredita que a Venezuela não tem mais nada a perder e que foi uma resposta corajosa do governo de Caracas, ao não abaixar a cabeça em uma atitude subserviente comum ao "complexo de vira-lata" latino-americano.
"A Venezuela já perdeu e não quer perder mais. Tem havido tantas sanções, então é um recurso de bastante pulso e coragem para não se mostrar um 'vira-latinha' qualquer. Ou seja, 'não vamos abaixar a cabeça para tudo'. É uma capacidade que os países têm na agenda internacional, e a Venezuela teve a coragem de se manifestar. Existe uma vergonha por ser persona non grata. É uma solução que tem algum efeito, embora nenhum efeito político ou econômico para a Europa", compara.