"Bolsonaro deu uma martelada em uma pilastra, mas o prédio é feito de várias delas". Assim o cientista político Danilo Bragança definiu a recente tentativa de intervenção do presidente Jair Bolsonaro nas Forças Armadas, que levou à troca do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
Contrário às ações de isolamento social para conter a pandemia de COVID-19, o presidente queria o apoio das corporações para se sobrepor a medidas restritivas de governadores nos estados. Mas não teve o respaldo que precisava.
Em meio à pressão do centrão por mudanças no governo, Bolsonaro promoveu uma reforma ministerial na semana passada, com trocas em seis pastas.
Além de atender às demandas de parlamentares, que exigiam a demissão do chanceler Ernesto Araújo e cobravam mais ações efetivas para a aquisição de vacinas, as alterações escancararam a queda de braço com a ala militar mais crítica ao presidente.
Expoente deste grupo, o general Fernando Azevedo e Silva, então ministro da Defesa, foi demitido. Em seu lugar, Bolsonaro colocou o também general Walter Braga Netto, nome de confiança do presidente.
Já a mudança simultânea sem precedentes dos três comandantes das Forças Armadas, se não agradou totalmente o presidente, também não o desfavoreceu, segundo os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
No Exército, Edson Pujol, com quem Bolsonaro tinha mais desavenças, foi substituído pelo general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Não era o nome preferido de Bolsonaro, que acabou cedendo à preferência dos militares.
Na Marinha, a troca não causou divergências: o almirante Almir Garnier Santos assumiu o lugar de Ilques Barbosa.
Já na Aeronáutica, a batalha foi vencida por Bolsonaro, com a saída de Antônio Carlos Moretti Bermudez e a chegada do tenente-brigadeiro Carlos Almeida Baptista Jr.
"Não é que seja uma desarticulação completa dos militares. É uma tentativa de descolamento dos militares por conta da catástrofe que vivemos [com a pandemia]. Bolsonaro tentou ultrapassar um limite, e as Forças Armadas, sobretudo da ativa, não concordaram", explicou Danilo Bragança, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em Defesa.
Segundo o cientista político, o governo vive um momento de incorporação de pautas do centrão e desarticulação das Forças Armadas. Isso não significa, porém, que os militares tenham desembarcado do governo, mas apenas que não estão totalmente alinhados.
"A ativa não aceitou as determinações de Bolsonaro. Houve uma tentativa de golpe, de lançar mão do estado de sítio ou do projeto de mobilização nacional. Mas esse limite a ativa não aceitou", analisou Bragança.
Para João Roberto Martins Filho, professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), o presidente "se queimou" com a cúpula ao tentar interferir na política do Alto Comando.
Embora tenham se recomposto rapidamente, indicando os comandantes, o pesquisador ressalta que o melhor para as Forças Armadas era não ter passado por este choque de ordem de repercussão nacional.
"Acredito que agora eles vão se reestruturar e continuar em silêncio. Mas o que acho que aconteceu como efeito colateral é que isso levantou a discussão na sociedade sobre se as Forças Armadas são instituições de Estado ou de governo e até que ponto eles estão comprometidos com o Bolsonaro", afirmou Martins Filho.
Já o jornalista Pedro Paulo Rezende, especialista em assuntos militares e em relações internacionais, não acredita que a crise produziu grandes efeitos práticos.
Ele considera que, no fim, houve um equilíbrio na relação, com a escolha de Braga Netto para o Ministério da Defesa e as indicações para o Alto Comando.
"Na minha visão, o Bolsonaro não ganhou e nem perdeu. Não mudou nada nessa relação", disse Rezende à Sputnik Brasil.
Governabilidade de Bolsonaro
Segundo o cientista político Danilo Bragança, os militares formam uma "base de concreto", que sustenta o governo Bolsonaro.
Ele lembra que a governabilidade é um "elemento da política". Ou seja, em sua avaliação, para governar, Bolsonaro precisará contar com o Congresso Nacional. De acordo com Bragança, atualmente o bloco do centrão possui "muito mais poder" de decisão em questões nacionais do que as Forças Armadas da ativa.
"Os militares foram e continuam sendo fiadores do governo Bolsonaro. Mas eles não governam, não fazem parte das coalizões que levam ao governo. Então, o impacto sobre a governabilidade é baixo, embora poucas coisas sustentem hoje o governo Bolsonaro, e uma delas é exatamente as Forças Armadas", disse o professor da UFF.
Para o jornalista Pedro Paulo Rezende, os militares da ativa deixaram claro que não desejam comprar brigas políticas ao não aderirem ao movimento de Bolsonaro de confrontar governadores.
"Ele tem que arrancar a governabilidade do Congresso. É onde tem que ser feita a plataforma dele, de suporte. Não com os militares", apontou.
Eleições de 2022
João Roberto Martins Filho, da Ufscar, diz que os militares não tem o interesse de desestabilizar o presidente, pois são o "partido da ordem".
Apesar disso, o professor também avalia que, com a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo político, eles ficaram mais cautelosos.
"Se houver a necessidade, eles saltam para outra candidatura [sem ser a de Bolsonaro, contra a de Lula]. Se não houver, eles ficam com o Bolsonaro mesmo. Estão um pouco sem alternativa, pois se associaram demais ao Bolsonaro", afirmou.
Danilo Bragança, da UFF, avalia que o cenário mudou de 2018 para cá e não acredita em um "novo tweet do [Eduardo] Villas Bôas". Na época, o general, então comandante do Exército, se posicionou contra a liberação da candidatura de Lula, que seria julgado no Supremo Tribunal Federal (STF).
"Acho que, pelo Bolsonaro, não interferirão da mesma forma como interferiram de forma ilegal, indevida e imoral contra a democracia e a candidatura do Lula", avaliou.
Para o cientista político, por enquanto, existem três blocos para a disputa das eleições em 2022: o de Bolsonaro, que detém a máquina; do seu antagonista, com a liderança do ex-presidente Lula; e um terceiro grupo muito fragmentado, que vai da centro-esquerda à centro-direita.
"Não vai caber uma chapa entre Ciro Gomes [PDT] e [Carlos Alberto dos] Santos Cruz [ex-ministro da Secretaria de Governo, que rompeu com Bolsonaro], mas de certa forma, nesse momento, eles estão em um bolo só", afirmou.
Para Pedro Paulo Rezende, a troca de farpas com militares não deve minar o potencial de votos de Bolsonaro para a reeleição.
Segundo o especialista, a base do presidente é formada por policiais militares e evangélicos ligados a Igrejas neopentecostais. Porém, para um eventual segundo turno, o jornalista afirma que ele pode ter mais dificuldades.
"Acho que ele perdeu muito apoio na população em fatias fortes do eleitorado. Muitos liberais que o apoiaram dificilmente apoiariam agora, porque ele não conseguiu andar com a agenda liberal no Congresso", afirmou.