Em entrevista à TV Brasil, na segunda-feira (3), o ministro Marcos Pontes sugeriu que o Brasil amplie a articulação para aumentar o investimento privado em ciência. A sugestão vem em meio ao corte de R$ 2,7 bilhões no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Para Ildeu de Castro Moreira, físico, professor e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a proposta é bem-vinda, mas outras medidas são necessárias para alcançar esse objetivo.
"Certamente essa é uma proposta importante, que ao longo de décadas, inclusive, tem sido tentada, mas não tem se conseguido adequadamente. Por quê? Primeiro pela ausência de políticas públicas que favoreçam isso. É fundamental que essas políticas sejam voltadas e estimulem essa atividade do setor privado. Isso deve envolver também a mudança de mentalidade do próprio setor empresarial, que tem de apostar mais no risco, na ciência, tecnologia e na inovação", afirma Moreira em entrevista à Sputnik Brasil.
"Um terceiro ponto é que o poder público tem que investir mais, ele está diminuindo no investimento e com isso o setor privado também não é motivado a fazê-lo. Então, é fundamental que o Estado brasileiro não reduza os recursos para ciência e tecnologia, mas aporte mais e estimule o setor privado a fazê-lo através de políticas públicas adequadas", ressalta.
O presidente da SBPC enfatiza que o investimento na ciência é um diferencial para o desenvolvimento dos países e apontou que a falta de aportes financeiros do Brasil no setor faz com que o país fique para trás no cenário mundial.
"Os países mais avançados do mundo fazem isso e nós estamos andando para trás. A China, por exemplo, que em 1995 tinha o mesmo PIB do Brasil, hoje tem um PIB enorme, muito maior que o nosso, competindo com os Estados Unidos, porque investiu continuamente, pesadamente em ciência, tecnologia, inovação, melhoria da educação do país, da infraestrutura. Portanto, esses países que estão na nossa frente na disputa econômica mundial fazem isso porque têm ciência, tecnologia e inovação bem desenvolvidas", aponta.
O físico classifica o investimento em inovação como essencial e lembrou do impacto positivo desse tipo de política afirmando que a cada R$ 1,00 investido na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por exemplo, R$ 18,00 são revertidos em lucro.
"O investimento tem um retorno muito alto também para o setor público e certamente para o setor privado. Os países mais avançados do mundo, como mencionei, que estão à frente na economia, é porque estão apostando pesadamente em ciência e tecnologia. Isso faz a diferença na competição internacional no mundo atual", avalia.
Para o professor, o corte no orçamento do MCTI, classificado pelo ministro Marcos Pontes como um "estrago", faz o Brasil voltar mais de uma década em termos de investimento.
"O orçamento, hoje, de investimentos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, está muito baixo. Retornamos a mais de 15 anos atrás, portanto, foi de fato um estrago muito grande. E o problema é que esse estrago deixa marcas para os anos futuros. Então, nós temos que recuperar rapidamente essa situação, e sem o setor público essas áreas vão ficar muito mal, porque não existe recurso privado adequado para fazer essa substituição, mesmo porque isso não acontece do dia para a noite. E, portanto, o setor público também, no mundo inteiro, é responsável pelo investimento na pesquisa básica, o que é essencial para este sistema", avalia.
Para Moreira, o governo federal tem de "rever as suas prioridades" e colocar a área da ciência e tecnologia como uma delas, ao contrário do que tem sido feito na gestão do presidente brasileiro Jair Bolsonaro. Para o professor, a atual administração "tem provocado um desmonte do nosso sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação".
Sistema no Brasil está 'exaurido' e precisa se conectar com um 'projeto nacional'
O presidente da SBPC ressalta que a ciência no Brasil "se mantém a duras penas" e depende de um "esforço muito grande" das universidades e pesquisadores para seguir em frente. O professor recorda ainda que diversos países do mundo estão ampliando o investimento em pesquisa, enquanto o Brasil realiza cortes.
"Mas, o sistema está exaurido e cada vez mais difícil de manter, inclusive - os estudantes envolvidos nisso. Muitos deles já falam em deixar o país, alguns já o fizeram e outros pesquisadores também. Então, nós estamos correndo um risco muito grande, ainda mais que nesse momento, Estados Unidos, Europa e China, por exemplo, estão investindo pesadamente ainda mais em ciência e tecnologia, no período da pandemia e pós-pandemia. Se o Brasil estiver nessa continuidade de redução de recursos para políticas sociais, em geral, para educação, para saúde, para a ciência e tecnologia, o nosso destino é muito difícil", alerta.
Para a recuperação da ciência no Brasil, a retomada do investimento público no setor é essencial, segundo o presidente da SBPC, que cobra a liberação do Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC), que segue bloqueado mesmo com a aprovação pelo Congresso Nacional. O FNDTC tem cerca de R$ 5 bilhões em recursos. Ao lado do investimento público, Moreira afirma que o aumento do aporte de capital privado também será importante nesse processo.
"A ciência brasileira tem de estar mais próxima tanto da produção quanto da gestão pública e das outras iniciativas daquilo que a gente chama de inovação social", ressalta.
Moreira também vê como fundamental a redução da burocracia e o investimento direto na melhoria da educação no país, com foco também em relação à formação de cientistas.
"É fundamental que a ciência brasileira esteja conectada também com o projeto nacional, um projeto de um país mais rico, mais desenvolvido, menos desigual, aproveitando de maneira sustentável os seus imensos recursos e a sua capacidade, da sua gente, do seu povo. Então, a ciência não deve estar à margem das grandes questões nacionais e é fundamental que a ciência e a tecnologia estejam envolvidas com a saúde, com o meio ambiente, com a energia, com a melhoria das condições de vida das pessoas, com a redução das desigualdades. E para isso é preciso um projeto de país diferente", conclui.