Nesta quarta-feira (19), o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, compareceu à oitiva da CPI da Covid no Senado, um dos depoimentos mais aguardados da comissão, que tem como objetivo investigar a atuação da gestão do governo federal e de governos locais ao longo da pandemia do novo coronavírus.
A CPI da Covid fecha sua primeira semana de trabalhos focada na atuação dos ministros da Saúde de Bolsonaro durante a pandemia. Mas será que é possível responsabilizar somente os ministros pelo caos sanitário no Brasil?https://t.co/jSb8QOJkJS
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) May 7, 2021
Pazuello esteve à frente do Ministério da Saúde entre maio de 2020 e março de 2021, e foi citado por várias testemunhas na CPI. O ex-ministro foi perguntado sobre uma série de polêmicas que envolveram a sua gestão, como o colapso da Saúde no Amazonas, os atrasos e omissões na aquisição de vacinas, a suposta existência de um "Ministério da Saúde clandestino" no governo, e as orientações do Poder Executivo para a produção, a compra e o uso de medicamentos de ineficácia comprovada contra a COVID-19, como a cloroquina.
Inicialmente, o general deveria ter comparecido à CPI na primeira semana de depoimentos, em 5 de maio, mas conseguiu adiar sua oitiva ao alegar que tinha mantido contato com pessoas infectadas pela COVID-19.
Além disso, Pazuello conseguiu que o Supremo Tribunal Federal (STF) lhe concedesse um habeas corpus para que tivesse o direito de ficar em silêncio na CPI, sempre que entendesse que as perguntas pudessem levá-lo ao risco de produzir prova contra si mesmo.
Hoje (19), no entanto, Pazuello prometeu que responderia a todas as perguntas, após o relator Renan Calheiros mencionar a decisão do STF, mas pediu que fossem "perguntas profundas, e não simplórias".
A suposta interferência de Bolsonaro no Ministério da Saúde
Ao ser questionado se o presidente Jair Bolsonaro exercia qualquer tipo de influência nas decisões da pasta, Pazuello respondeu que Bolsonaro nunca lhe deu ordens diretas para que alterasse qualquer conduta de sua gestão.
"Em nenhum momento, o presidente da República me desautorizou ou orientou a fazer qualquer coisa diferente do que estava fazendo. As ações foram todas minhas", garantiu o ex-ministro.
Além disso, negou a existência de um suposto "Ministério da Saúde Paralelo", que seria responsável por orientar a política de enfrentamento da COVID-19, e disse que cabia a ele responder sobre os assuntos da Saúde quando ocupava o cargo de ministro.
Pazuello também afirmou que não havia qualquer influência dos filhos políticos do presidente no ministério e que jamais recebeu ordens de Bolsonaro para ampliar o uso da hidroxicloroquina.
A aquisição de vacinas
O general da ativa também foi questionado sobre a demora em responder às ofertas de aquisição da vacina da Pfizer, depois que o gerente-geral da empresa na América Latina, Carlos Murillo, detalhou à CPI que tentou vender, sem sucesso, o imunizante ao governo brasileiro em seis ocasiões diferentes durante o ano de 2020.
O ex-ministro disse que o negócio não foi concretizado porque considerou que o preço das doses era caro e que a quantidade era pequena para os primeiros meses. Além disso, Pazuello citou cláusulas do contrato que não agradavam o governo brasileiro e fez questão de afirmar que manteve o presidente informado o tempo todo sobre as negociações.
Já no episódio envolvendo a aquisição da vacina CoronaVac, produzida no Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, Pazuello negou que Bolsonaro tivesse mandado desfazer qualquer acordo de intenção de compra da vacina. Contudo, em outubro de 2020, o Ministério da Saúde chegou a anunciar um acordo para a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, mas desistiu do mesmo depois que o presidente declarou publicamente que não compraria a vacina da China.
Colapso do sistema de Saúde de Manaus
Um dos momentos mais quentes do depoimento de hoje (19) foi a discussão envolvendo o colapso do sistema de Saúde em Manaus, no Amazonas, quando pessoas faleceram por falta de oxigênio para o tratamento da COVID-19.
"Informação errada, mentirosa. Não faltou oxigênio no Amazonas apenas três dias. Faltou oxigênio na cidade de Manaus por mais de 20 dias. É só ver o número de mortos. É só ver o desespero", contestou o senador.
Pazuello, por sua vez, rebateu ao afirmar que os dados apresentados por Braga não eram os mesmos que chegaram até ele.
Além disso, o ex-ministro contou à CPI que só foi informado pelas autoridades do Amazonas sobre a falta de oxigênio em 10 de janeiro. Contudo, essa informação contraria um ofício enviado pela Advocacia-Geral da União ao Supremo Tribunal Federal (STF) em janeiro, que afirma que o governo federal sabia do "iminente colapso do sistema de saúde" do Amazonas dez dias antes de a crise estourar.
Suspensão do depoimento
O depoimento de Pazuello acabou sendo suspenso na tarde desta quarta-feira (19) após confirmação do presidente da Comissão, o senador Omar Aziz (PSD-AM). Inicialmente, o presidente da CPI havia informado que o depoimento seria retomado após a sessão do plenário, mas Pazuello deixou o prédio do Senado e afirmou que retornaria amanhã (19).
Avaliação do desempenho do ex-ministro
Em entrevista à Sputnik Brasil, o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Cláudio Couto, afirma que ficou evidente que o ex-ministro passou por um treinamento para poder participar da CPI da Covid, com "respostas formuladas de maneira bastante cuidadosa do ponto de vista da implicação judicial", o que justificaria o adiamento do depoimento inicial, que estava marcado para o dia 5 de maio.
"Ele provavelmente adiou o depoimento para, justamente, ter tempo de se preparar, de observar a maneira como os senadores inquiriram outros depoentes, conhecer o estilo deles, saber o tipo de perguntas, saber qual é a dinâmica da CPI [...] ele chagou ali realmente como alguém que treinou, e isso ficou muito nítido na forma como ele se comportava", comenta.
No entanto, mesmo com esse treinamento, Couto afirma que Pazuello não conseguiu evitar cair em algumas contradições, como, por exemplo, ao falar que "não houve qualquer tipo de ordem do presidente para não comprar a vacina CoronaVac", o que, inclusive, pode ser verificado pelas próprias declarações do presidente na época.
"O general Pazuello tentou se evadir dizendo que não recebeu uma ordem formal, que aquilo era uma coisa que foi feita, digamos, para o grande público. Mas, é pouco verossímil que isso seja verdadeiro [...] O mais é claro aí é que ele, provavelmente, tentou evitar envolver formalmente o presidente nesse tipo de determinação para livrá-lo de qualquer responsabilidade deste tipo", avalia.
Outro ponto de forte contradição do discurso de Pazuello apontado pelo professor da FGV reside no fato de que o ex-ministro declarou que "o presidente jamais lhe deu determinações para agir de uma forma ou de outra", que ele agia por "moto próprio", o que, na opinião do especialista, também é bastante inverossímil.
"É óbvio que todo governo tem conversas entre os seus membros, sobretudo entre os chefes de governo e os seus ministros. Isso seria impossível e, durante todo o longo período em que o ministro Pazuello permaneceu à frente da pasta, não faz sentido que o presidente jamais lhe tivesse dado qualquer ordem", destaca o cientista político.
Além disso, o especialista ressalta que o próprio Pazuello afirmou que o que motivou a sua saída do ministério foi o fato de que ele já havia cumprido a sua missão, o que, por si só, já é uma contradição, pois "se lhe foi dada uma missão, ainda que ela tenha sido abrangente, essa foi a ordem do presidente, então não faz sentido imaginar que o presidente não tivesse determinado ao ministro como proceder".
A CPI da COVID-19 teve uma semana agitada, na qual foram ouvidos o atual ministro da Saúde e dois de seus antecessores. Em conversa com a Sputnik Brasil, o especialista Theófilo Rodrigues analisa esta primeira semana de depoimentos no Senado https://t.co/NCB8kcFT4K
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) May 8, 2021
Claúdio Couto acrescenta que o depoimento de Pazuello, até o momento, não trouxe nenhuma grande novidade em termos do que já foi discutido nessa CPI, mas deixa claro que o mesmo evidencia a impossibilidade de o governo sustentar uma narrativa que o isente de responsabilidade pela pandemia.
Além disso, o professor da FGV acredita que o fato de o governo ter buscado formas de blindar Pazuello, adiando o seu depoimento e buscando meios jurídicos para a sua proteção, como o habeas corpus que lhe foi concedido pelo STF, faz parte de uma estratégia para tentar reduzir possíveis danos para o governo Bolsonaro.
No entanto, como Pazuello é "obrigado a contar uma história muito difícil, uma história cheia de inconsistências do ponto de vista da ação governamental" , por mais que ele tenha se preparado para este momento, fica muito difícil se esquivar de algumas perguntas, o que ficou evidente com algumas das contradições que foram apontadas, opina o especialista.
Por fim, o professor da FGV assinala que, em relação ao habeas corpus, mesmo que Pazuello tivesse o direito de ficar em silêncio diante de algumas perguntas, ele não se recusou a respondê-las porque seria muito "constrangedor" para "um general da ativa, um ex-ministro da Saúde", calar-se diante de perguntas incômodas, o que, na opinião de Cláudio Couto, também "significaria uma certa confissão de responsabilidade".