Aproximação entre rivais regionais: como Irã e Arábia Saudita podem retomar laços diplomáticos?

CC BY-SA 4.0 / B.alotaby / Capital da Arábia Saudita, Riyadh Capital da Arábia Saudita, Riyadh
Capital da Arábia Saudita, Riyadh  - Sputnik Brasil, 1920, 01.06.2021
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Irã e Arábia Saudita são dois países que são vizinhos poderosos e disputam o domínio da região há décadas, mas que retomaram as negociações recentemente. O que teria incentivado um novo diálogo entre estas duas potências do Oriente Médio?

Recentemente, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Saeed Khatibzadeh, declarou que Teerã segue dialogando com a Arábia Saudita de maneira positiva e em uma "boa atmosfera", ressaltando que os dois países mais importantes na região e no mundo mulçumano têm a chance de abrir um "novo capítulo de interação e cooperação".

Relacionamento turbulento entre os dois países

Os dois países romperam os laços diplomáticos em 2016, depois de a Arábia Saudita executar um importante clérigo xiita e o subsequente ataque de uma multidão enfurecida à embaixada do país em Teerã.

Na ocasião, Riyadh acusou o clérigo e Teerã de se intrometerem nos assuntos internos sauditas, bem como de outras potências regionais, inclusive apoiando os houthis no Iêmen, enquanto estes travam uma guerra contra o governo local.

O professor de Relações Internacionais da UFRJ Fernando Brancoli afirmou à Sputnik Brasil que o episódio faz parte de elementos simbólicos, que são importantes na região.

© REUTERS / Ahmed YosriPríncipe Faisal bin Farhan al-Saud, ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, fala durante coletiva de imprensa em Riad, Arábia Saudita, 22 de março de 2021
Aproximação entre rivais regionais: como Irã e Arábia Saudita podem retomar laços diplomáticos? - Sputnik Brasil, 1920, 01.06.2021
Príncipe Faisal bin Farhan al-Saud, ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, fala durante coletiva de imprensa em Riad, Arábia Saudita, 22 de março de 2021

"Nós temos elementos simbólicos, que envolvem desde assassinato de clérigos xiitas, que é a vertente do Islã dentro do Irã e em solo saudita [...] tem uma série de disputas no que diz respeito a uma liderança religiosa, onde a Arábia Saudita é o maior país wahhabita sunita do Oriente Médio, e o Irã é o maior país xiita. Esses importantes elementos simbólicos são quase como a 'cereja do bolo' de uma disputa geopolítica maior", afirmou Fernando Brancoli.

O professor também ressaltou que ambas as potências possuem interesses em toda a região, que muitas vezes são conflitantes.

"Os dois países são potências regionais e têm interesses regionais em toda a região, e estes interesses são conflitantes. Quando pensamos nas grandes disputas, nas grandes guerras no Oriente Médio, todas elas envolvem em maior ou menor escala interesses iranianos e interesses sauditas [...]", afirmou.

Como exemplo, Fernando Brancoli citou a situação da Síria, onde o Irã apoia o governo sírio, enquanto os sauditas apoiam os opositores, formando uma "espécie de Guerra Fria", onde os dois países disputam prestígios, interesses e questões políticas.

Além destes fatores, o professor recorda sobre o papel dos EUA, que desde 1979, após a Revolução Islâmica, é um país opositor ao Irã, enquanto a Arábia Saudita é um aliado dos EUA, juntamente com Israel na região, transformando-se assim em uma espécie de ponta de lança dos interesses norte-americanos, o que dificulta as relações entre os dois países.

Retomada do diálogo

Apesar de tantos empecilhos nas relações, Irã e Arábia Saudita parecem estar dispostos a retomarem o diálogo e chegarem a um entendimento comum.

Tentando reatar os laços rompidos, Riad e Teerã têm negociado desde janeiro, com os líderes de ambos os lados ressaltando o desejo de retomar as "boas relações".

Questionado sobre o que teria incentivado a retomada das negociações, Fernando Brancoli explicou que a reaproximação envolve questões tanto externas quanto internas.

"O primeiro ponto internacional tem a ver com as mudanças políticas nos EUA deste ano, a saída de Trump, que tinha uma política anti-Irã, deixando o acordo nuclear e ameaçando bombardear o Irã em diversos momentos. A chegada de Biden muda um pouco este contexto, retomando as negociações e desejando se relacionar com o Irã, obrigando a Arábia Saudita a se readaptar", explicou.

Além disso, os dois países estão passando por transformações internas, com a Arábia Saudita tentando se reinventar, e com um inimigo a menos, principalmente um inimigo como o Irã, é sempre mais interessante.

Fernando Brancoli ressaltou também que a Arábia Saudita percebeu que já não conta com o apoio incondicional dos EUA e, por isso, busca o equilíbrio em suas relações, aproximando-se de Israel e de um país mulçumano, o Irã.

© AP Photo / Vahid SalemiMinistro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, durante conferência em Teerã, Irã, 23 de fevereiro de 2021
Aproximação entre rivais regionais: como Irã e Arábia Saudita podem retomar laços diplomáticos? - Sputnik Brasil, 1920, 01.06.2021
Ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, durante conferência em Teerã, Irã, 23 de fevereiro de 2021

Por sua vez, o Irã segue se esforçando para encontrar seu espaço e reconhecimento entre as potências regionais e globais como um país normalizado. Além disso, o país terá eleições, que prometem ser complicadas, gerando um grande debate dentro da sociedade iraniana sobre o que o país conquistou nos últimos anos.

Em uma possível aproximação, os dois países certamente discutirão a resolução de alguns pontos de tensão geopolítica, como é o caso do Iêmen.

"Com relação ao Iêmen, o Irã não apoia os houthis por interesses ideológicos ou religiosos, mas para enfraquecer o rival, então é muito pouco custoso do ponto de vista político do Irã, retirar seu apoio", ressaltou Fernando Brancoli.

Os dois países também podem debater a navegação, as últimas escaladas militares e pequenas ações do ponto de vista político para diminuir a tensão na região.

Quem pode perder com reaproximação entre Irã e Arábia Saudita?

Para Fernando Brancoli, Israel certamente sairia perdendo, já que a política do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, definindo o Irã como uma figura antagônica, como um inimigo de todos, criando uma aliança com os países árabes, baseada no contexto de que "todos somos inimigos, rivais ou adversários" do Irã.

Desta forma, uma aproximação entre os dois países acabaria com esta figura "demoníaca" criada por Israel.

Além de Israel, os houthis também seriam afetados, pois perderiam seu principal aliado na região.

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