Intitulada "Jovens: Projeções Populacionais, Percepções e Políticas Públicas", a complexa pesquisa foi divulgada na semana passada e reuniu dados sobre jovens de 15 a 29 anos de idade. Para Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da FGV, a redução é preocupante.
"O Brasil tem uma proporção de jovens parecida com a do mundo hoje, mas vai cair duas vezes mais rápido nos próximos 35 anos e o impacto é faltar mão de obra. É talvez pela primeira vez na história brasileira que vai faltar população jovem [...] Vai limitar o potencial de crescimento do Brasil. O bônus demográfico que soprava a favor do crescimento brasileiro começa agora a soprar contra", diz o pesquisador.
Para Neri, a tendência brasileira só é comparável, no momento, à da China. Pelas estatísticas levantadas pela FGV, este ano a população jovem brasileira vai ser de menos de 50 milhões de pessoas e, até o final do século, o número vai cair para 25 milhões. "É uma tendência muito acelerada", diz.
Insatisfação com a vida
A pesquisa também traz um retrato da satisfação dos jovens brasileiros com a vida. "A quantidade de sensações negativas já desde antes da pandemia vinha aumentando, como a raiva, por exemplo", diz Neri, ressaltando que, em comparação com outros períodos negativos da recente realidade brasileira, foi a pandemia que mais piorou o quadro.
Em 2020, para 59% dos entrevistados havia algum motivo de preocupação no dia anterior, mostra a pesquisa. O percentual foi um novo recorde. Em 2019, os jovens que relataram estar preocupados eram 50% e, entre 2015 e 2018, o número estava em 44%.
A satisfação com a qualidade da educação caiu também. Em 2020, 41% dos entrevistados disseram estar satisfeitos com o sistema de ensino, contra 56% em 2019. "Isso é uma queda, durante a pandemia, quatro vezes maior do que a queda de uma média de 40 países", diz o pesquisador.
Da mesma forma, caiu a satisfação com a proteção ambiental, revela o pesquisador: menos de 19% dos jovens estão contentes com a mesma.
Neri frisou também a queda de confiança dos jovens brasileiros nas instituições do país, com uma média mais baixa do que a mundial.
"Esse é um processo que vem acontecendo desde 2013, nas manifestações que houve no Brasil, é uma coisa bastante clara", explicando que a confiança dos jovens no governo federal, honestidade das eleições, medo de violência - "todos esses pontos pioraram muito".
Embora o medo de crimes tenha diminuído entre os jovens durante a pandemia do novo coronavírus, Marcelo Neri explica que "houve uma espécie de troca", já que sensações como "preocupação e raiva" pioraram.
"O Brasil aumentou muito a quantidade de sensações negativas [...]. E durante a pandemia piorou também as sensações positivas, como alegria ou a própria satisfação com a vida."
'Brasileiro, profissão esperança'
Entretanto, o analista confessa que, ao longo de 15 anos acompanhando as estatísticas, há um otimismo paradoxal do jovem brasileiro mesmo nas situações mais difíceis que não deixa de surpreendê-lo.
"É um dado meio paradoxal. Se você perguntar para um brasileiro essa pergunta de satisfação com a vida daqui a 5 anos, o brasileiro durante 9 anos foi o primeiro lugar do ranking global [...]. E o brasileiro estava [nos primeiros lugares] mesmo durante a recessão, nunca passou do terceiro lugar. Então esse 'Brasileiro, profissão esperança', é uma coisa resiliente no Brasil, mas leva a uma grande capacidade de frustração, e o jovem brasileiro em particular. Então o jovem brasileiro ele dá uma nota, agora, durante a pandemia, deu uma nota de 8.9 daqui a cinco anos em média [na escala de 0 a 10] e isso é sistemático. Então eu acho que ajuda a pegar certos padrões culturais".
O analista finalizou, dizendo que, apesar do otimismo geral do brasileiro, ainda há muita coisa para melhorar no país, como a proteção do meio ambiente, a educação, para que este otimismo tenha bases.
"Eu acho que algumas coisas preocupam, como a questão do meio ambiente, que definirá o meio no qual [a geração jovem] vai estar fisicamente daqui há alguns anos. A educação, que é estratégica. Foi uma queda muito grande. E tem mais uma coisa: a própria educação no Brasil avançou nos últimos 40 anos, mas a produtividade não. Então o Brasil tem essas dificuldades. Acho que se a gente fizer a coisa certa dá para ser otimista, mas a gente tem que fazer a coisa certa. É um otimismo condicionado no máximo", concluiu.