Em meio aos recentes aumentos na conta de luz e da anunciada crise hídrica, que já atinge parte do território nacional por conta de uma das maiores secas das últimas décadas, os brasileiros têm sido confrontados com questões sobre a geração de energia elétrica.
Com isso, voltou à tona o controverso projeto de retomada da construção da usina nuclear de Angra 3, na região sul fluminense, que caso concluída, terá uma potência de 1,4 gigawatt e poderá atender 4,5 milhões de pessoas. As construções tiveram início ainda durante a ditadura militar, em 1984, mas foram totalmente paralisadas em 2015, por suspeitas de desvios financeiros.
Obras paralisadas
Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN), explicou à Sputnik Brasil que a parada das obras se deu quando a usina estava com 64% do andamento concluído porque o empreendimento teve um grande problema desde a origem no seu orçamento.
"Você tinha uma composição em dólar pesada e lá atrás aconteceu um descasamento do orçamento, com a supervalorização do dólar que prejudicou a continuidade das obras", conta. "As pessoas podem tentar especular que as questões de compliance foram determinantes [para a paralisação das obras], mas o determinante mesmo foram as questões orçamentárias", explica.
Ele desmistifica ainda outra questão, de que os equipamentos guardados por tantos anos estariam estragados, dizendo que são armazenados de forma apropriada e que por isso estão como novos. Segundo a Eletrobras, estatal do setor de energia elétrica, mais de 20 empresas mostraram interesse na conclusão de Angra 3, dentre elas a norte-americana Westinghouse, a francesa EDF, a russa Rosatom e também as companhias chinesas CNNC e SNPTC.
Cunha conta que agora, dados os avanços na seleção, há apenas sete consórcios em análise, boa parte de agências nacionais na disputa, segundo ele. A estimativa é que o ganhador deva ser anunciado entre fim de julho e agosto. Os planos são de que "em 2026 [a usina] seja finalizada para ser ativada em 2027".
A retomada da obra física ainda precisa de vários passos jurídicos e ambientais a serem seguidos e tem apoio do BNDES para captação dos investimentos que visam a conclusão da usina. "Falta fechar o que a gente chama de sala do reator e colocar parte dos grandes equipamentos. [...] por ano se gasta mais de R$ 300 milhões só em manutenção", revela.
A energia nuclear é segura?
O especialista desmente ainda que a usina nuclear não seja uma fonte de energia segura: "Estamos falando de um dos sistemas mais seguros do mundo", e compara: "Só existe uma coisa mais segura do que uma usina nuclear em termos de acidente, é o elevador", aponta o presidente da ABDAN.
Ele adiantou que uma pesquisa pública feita pela Eletrobras demonstrou dados positivos da percepção pública acerca da energia nuclear, porém as informações ainda não foram reveladas. "Como qualquer coisa tem o lado bom e lado mau", comparando a incidentes recentes da usina petroleira. Mas garante que usinas nucleares são seguras.
Sobre os recursos nacionais, Cunha conta que o Brasil domina todas as fases e tecnologias de enriquecimento de urânio, o que o diferencia de outros países como a França, que não tem o minério em território nacional, por exemplo.
Reciclagem do 'lixo nuclear'
"Se é lixo é porque alguém vai jogar fora, se alguém vai jogar fora, dá pra mim que eu vou ficar bilionário", brincou Celso Cunha, para explicar que no caso dos resíduos recicláveis nucleares, não devemos chamar de lixo, mas sim de combustível empobrecido.
O presidente da ABDAN relata que a Eletronuclear optou por armazenar os resíduos operacionais das usinas nucleares e não pela reciclagem e explica que quando se recicla combustível empobrecido, surge como subproduto o plutônio, que é usado para armas nucleares.
"Hoje, o Brasil optou pelo armazenamento do combustível empobrecido e não de fazer a reciclagem ainda. Pode ser que no futuro a gente faça isso, existe muito estudo acadêmico [em andamento]", também confirmando que uma empresa norte-americana construiu recentemente unidades de armazenamento para estes combustíveis empobrecidos das usinas de Angra.
Plano Nacional de Energia (PNE)
O ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, defende a energia nuclear como alternativa para minimizar crises hídricas, como a atravessada pelo Brasil atualmente. No entanto, críticos e ambientalistas apontam riscos altos frente à capacidade de geração de energia que a sequência de Angra 2 poderia gerar. Se concluída, a terceira unidade terá uma potência de 1,4 gigawatts e poderá atender 4,5 milhões de pessoas.
Celso Cunha enfatiza que a prioridade do PNE é a energia nuclear, visto que energias renováveis como solar e eólica são intermitentes e "não são capazes de manter um sistema sozinhas".
"Elas [as energias renováveis] precisam de alguém que gere a energia de base. As hidrelétricas faziam esse papel e regulavam o sistema", segundo ele.
O especialista afirma ser inviável construir novas hidrelétricas e recorda o fator da seca hídrica. Como o sistema brasileiro é interligado, Cunha aponta que as únicas alternativas de alta capacidade de geração de energia que podem abastecer o sistema como um todo acabam sendo as termelétricas, energia a gás ou termonuclear.
O presidente da ABDAN é um grande defensor da energia nuclear como a mais limpa das alternativas e aposta nela como a melhor solução para ter uma "bateria" com capacidade de armazenamento de energia para o Brasil.
Eletronuclear pós privatização da Eletrobras
A Eletronuclear, responsável pelas usinas nucleares de Angra dos Reis, é uma das subsidiárias da Eletrobras, que está em processo de privatização. A Eletronuclear e a Itaipu foram poupadas. No caso da primeira, o motivo é que a exploração do urânio, de acordo com a Constituição Brasileira é monopólio da União, e não pode ser privatizada.
Cunha vê como caminhos "a criação de uma holding para administrar as duas" ou a própria "Eletronuclear virar uma holding" e assim administrar as usinas nucleares e Itaipu. Celso Cunha não vê com maus olhos a participação da iniciativa privada no processo de viabilização dos empreendimentos, mas acredita que a administração precisa ser do Estado.