A prática do tráfico de pessoas chama atenção mundial por desrespeitar os direitos humanos e também por ser extremamente rentável para grupos criminosos.
Na véspera do Dia Mundial, a Sputnik Brasil entrevistou a professora da ESAMC Verônica Maria Teresi, dra. em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC, mestre em Direito Internacional, pesquisadora associada do Instituto Universitário de Desenvolvimento e Cooperação da Universidade Complutense de Madri (IUDC-UCM), sobre a situação atual com o tráfico de pessoas no Brasil.
Política nacional do enfrentamento ao tráfico
O termo "tráfico de pessoas" denomina um fenômeno social que envolve principalmente o deslocamento, a transferência ou acolhimento de pessoas com finalidade principal de as explorar no destino final, esclarece Verônica Maria Teresi.
O fenômeno pode ser usado tanto dentro do país como no estrangeiro, mas sempre com essa finalidade. Ao mesmo tempo, o tráfico de pessoas se diferencia de práticas do trabalho forçado, ou trabalho escravo, já que o último não envolve necessariamente a questão do deslocamento.
Desde 2004, ao ratificar o Protocolo de Palermo – uma normativa internacional mais atual do tráfico de pessoas – o Brasil começou a desenvolver uma política pública interna para combate à crise transnacional em relação ao problema do tráfico.
Após uma pesquisa do assunto em 2002 como primeiro passo, no país houve uma percepção da necessidade de se combater o problema, principalmente pelo olhar atento das organizações da sociedade civil.
Em 2008, foi desenvolvido um Plano Nacional que previu a política do enfrentamento ao tráfico, sendo atualizado depois por várias vezes, com o documento de 2018 sendo o mais atual. Embora ainda existam vários desafios nessa esfera, foi construída uma rede nacional do enfrentamento ao problema em vários estados brasileiros e isso, opina a professora, é o principal avanço.
A rede consiste em "núcleos" nos estados de enfrentamento ao tráfico, os postos humanizados de atendimento de migrantes e os comitês regionais e estaduais com participação de representantes da sociedade civil e do poder público.
Invisibilidade do problema
No entanto, conforme palavras da especialista, o tráfico de pessoas é "invisível", o que dificulta o combate ao fenômeno, e por isso mesmo ele pode se realizar em qualquer lugar. Sem igualdade de oportunidades, as meninas podem ser potenciais vítimas ao tráfico de pessoas, aponta Verônica Maria Teresi.
"Qualquer lugar é um lugar possível para vítimas do tráfico desde que [...] exista a vulnerabilidade, exista a ausência do Estado, ausência de políticas públicas, porque o tráfico nada mais é do que a evidência de que o Estado não conseguiu cumprir suas funções."
Na maioria dos casos, ouvimos sobre o tráfico com finalidade de exploração sexual de meninas e mulheres. No entanto, Verônica Maria Teresi acentua que existem casos mais invisíveis como, por exemplo, o tráfico para trabalho doméstico.
Para que isso se torne mais visível, é importante fazer diagnósticos regionais e locais e não apenas no nível nacional.
Quanto às possíveis medidas de prevenção do problema de tráfico, a professora ressalta a importância da campanha de educação através do fornecimento de uma informação completa e correta sobre potenciais pontos do destino, sobre empresas que oferecem propostas do trabalho etc.
Outro ponto diz respeito à Justiça brasileira. Até 2016 houve um vácuo legal no sistema judicial do Brasil, já que o país tinha só o crime de tráfico de pessoas para punir exploração sexual, enquanto outras modalidades do tráfico ficaram de fora, como trabalho escravo, forçado ou a questão de extração de órgãos.
No ano de 2016, a situação mudou com a Lei 13.344, ou a Lei de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que tentou preencher lacunas existentes a respeito do tema e incluir no âmbito da legislação outras formas do tráfico.
Como lidar o fenômeno no nível nacional e internacional
Às vezes a questão do tráfico é discutida dentro da política migratória, devido ao envolvimento do deslocamento dos indivíduos. No entanto, a professora não considera isso bem preciso. Na visão dela, a inclusão dessa temática no contexto migratório nem sempre se justifica.
"Quando a gente fala de tráfico, a gente fala de exploração das pessoas. Quando a gente fala de exploração das pessoas, a gente fala da necessidade de se mudar a forma de se encarar as questões produtivas no mundo."
"Enquanto o mundo se basear no lucro e na produtividade [...] no lucro acima de tudo, independentemente das pessoas, a gente deixa vulnerável as pessoas em condições inferiores", afirmou a especialista.
A Europa é um dos muitos lugares que tem que lidar com esse problema. O continente recebe mulheres da América, principalmente, segundo dados da especialista, da Venezuela, Colômbia, Paraguai. Há também brasileiras, mas em um nível menor.
É uma resposta fácil fechar as fronteiras entre os países para resolver o assunto bem rápido, mas Verônica Maria Teresi considera que isso leva a que as redes do tráfico aprimorem os caminhos de deslocamento de pessoas.
É mais difícil pensar realmente, no nível mundial, na proteção das pessoas e não colocar essa prática como desculpa para contenção de pessoas migrantes. Porém, ao conseguir isso, nós vamos mudar essa lógica e "mentalidade do capitalismo" e prover condições de vida para todas as pessoas.
Ao finalizar a conversa, a professora mencionou vários relatórios nacionais e internacionais especializados na questão do tráfico de pessoas. Por exemplo, no dia 29 de julho o Ministério da Justiça divulgou o "Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas: Dados 2017 a 2020", que dá uma análise abrangente dessa problemática.