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Corte de gastos: o que está por trás da ação de Bolsonaro de tirar Internet da escola pública?

© AP Photo / Eraldo PeresPresidente do Brasil, Jair Bolsonaro durante cerimônia em Brasília, em 13 de julho de 2021
Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro durante cerimônia em Brasília, em 13 de julho de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 10.08.2021
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O presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória para deixar de fornecer Internet gratuita para alunos e professores das escolas públicas, retirando o prazo para o repasse de R$ 3,5 bilhões. A Sputnik Brasil falou com o doutor em Educação pela USP Daniel Cara para compreender a situação, que novamente afeta a educação do país.

O governo de Bolsonaro argumenta que a lei "criou uma situação que ameaça gravemente o equilíbrio fiscal da União, mediante o estabelecimento de ação governamental ineficiente, que obstará o andamento de outras políticas públicas".

Competência dos municípios vs. União

A ação de Bolsonaro gerou um grande debate, já que o ensino básico é competência dos estados e municípios. Sendo assim, o doutor em Educação pela USP e coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, explicou que o Brasil é um país de federalismo extremamente complexo, e embora a educação básica seja de responsabilidade administrativa de estados e municípios, há uma "responsabilidade solidária por parte da União", conforme o artigo 211, parágrafo 1º da Constituição.

"O governo federal deve prestar assessoria técnica e financeira a estados e municípios. Ocorre concretamente que, esta assessoria técnica e financeira, ela é extremamente urgente, porque estados e municípios, por conta da pandemia, estão com suas receitas e tesouros completamente desfalcados. O resultado disso é que é preciso contar com a participação do governo federal, que precisa realizar algo que nunca na história do Brasil foi feito a contento, que é esta assessoria técnica e financeira", explicou Daniel Cara.

Ele também afirmou que, no caso da pandemia, foi encontrada uma fonte de recursos, chamada FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), aprovando um projeto de lei em que R$ 3,5 bilhões do FUST devem ser investidos na universalização do acesso à Internet e também em unidades computacionais para professores e estudantes.

"O problema é que o governo federal vetou este projeto de lei que foi aprovado, nós derrubamos o veto e, agora, o governo federal editou uma MP para travar a nossa luta para garantir que os professores e estudantes tenham acesso a tecnologias da informação", explicou.

Disparidades regionais no acesso à Internet

Para Daniel Cara, o Brasil tem todo tipo de disparidade em relação ao acesso à Internet, inclusive disparidades que são regionais.

"Na realidade, nós temos disparidades que são regionais, mas mesmo em grandes cidades como a cidade de São Paulo, por exemplo, os estudantes das periferias no território da cidade de São Paulo não têm acesso à Internet [...]", afirmou.

O especialista ainda ressalta que no caso das grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, bem como das grandes capitais do Sul do país, como Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, e capitais do Centro-Oeste, "elas teriam condições de garantir o acesso às unidades computacionais e à Internet, porém as cidades do interior, as cidades que compõem as regiões metropolitanas das grandes capitais do sul e sudeste, e as cidades que ficam especialmente no semiárido nordestino e também na região amazônica, precisam deste apoio do governo federal".

"Existe uma disparidade enorme de acesso à Internet, sem a ação do governo federal é impossível garantir o acesso à educação híbrida, no caso por conta da pandemia, ou às tecnologias da informação após a pandemia. É importante dizer que nós encaramos a questão do acesso à Internet e às unidades computacionais como um direito de cidadania. A cidadania no mundo contemporâneo, ela também se realiza por meio da Internet, ou seja, para você realizar até mesmo atos burocráticos de matrícula em uma escola, você precisa hoje do acesso à Internet. Até para fazer o registro da vacinação é preciso o acesso à Internet. Então é preciso universalizar o acesso às tecnologias da informação por meio da distribuição das unidades computacionais e também por meio da distribuição de computadores", observou.

"Segundo os cálculos que eu fiz em 2016, a pedido da ex-presidenta Dilma, nós precisaríamos de R$ 11 bilhões naquele momento para universalizar. Por conta do avanço da distribuição dos computadores e do acesso à Internet, por investimento dos próprios cidadãos e cidadãs, o fato é que hoje com R$ 3,5 bilhões a gente praticamente universaliza para quem mais precisa", ressaltou.

Internet dentro e fora da sala de aula

A pandemia fez com que nos deparássemos com o desafio de garantir o acesso à Internet não apenas dentro da sala de aula, como também fora.

© Folhapress / Rodrigo Capote/Folhapress, SABERProfessora dando aula em escola de São Paulo
Corte de gastos: o que está por trás da ação de Bolsonaro de tirar Internet da escola pública? - Sputnik Brasil, 1920, 10.08.2021
Professora dando aula em escola de São Paulo

Comentando a situação relacionada a este desafio, Daniel Cara declarou que o governo Bolsonaro é inoperante e, por via de regra, os governos estaduais e municipais são incompetentes.

"Na prática, nós vivemos os resultados do golpe de 2016, e o governo Bolsonaro é simplesmente um aprofundamento deste golpe. O fato concreto é que os governadores e prefeitos fizeram muito pouco para garantia do ensino híbrido, ou para garantia do ensino remoto nos momentos mais dramáticos da pandemia [...]", afirmou.

Ele também cita que o país ainda está em um momento dramático da pandemia, lembrando que ele ainda não superou este momento e ressaltando o fato que a inoperância é a marca concreta da gestão pública no Brasil.

Corte do acesso à Internet do ensino básico

O governo de Jair Bolsonaro foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a Lei de Conectividade, que prevê a garantia de conexão à Internet após a derrubada do veto do Congresso, deixando clara sua disposição em tentar a suspensão desta lei.

De acordo com Daniel Cara, o governo Bolsonaro tem dois motivos para ser contra a Lei da Conectividade.

"Em primeiro lugar, o governo tem apostado na pandemia, no caos gerado pela pandemia. É inexplicável um governo que, diante da necessidade dos cidadãos e também da necessidade dos estudantes e professores, não execute a distribuição dos equipamentos. Então, existe uma questão que é a maneira desrespeitosa, indigna, como o governo Bolsonaro trata o povo brasileiro diante da pandemia, o que não é nenhuma novidade, é só observar o fato de que o Bolsonaro praticamente não liga para as 560 mil pessoas que faleceram no Brasil por conta da COVID-19, e mais do que isso, ele inclusive, em algumas passagens, ele ironizou os mortos", declarou.

"Além do 'fascismo miliciano', como eu denomino, há outra questão, que é de ordem econômica, o governo Bolsonaro queria utilizar o FUST para fins de movimentação do mercado financeiro, ou seja, garantindo um superávit fiscal. Ele iria incorporar as receitas do FUST para investir no superávit fiscal, para manter uma aparência ao mercado financeiro de que as contas públicas brasileiras estão sendo bem geridas", ressaltou.

Daniel ainda enfatizou que o mercado financeiro conta com esta atitude do governo Bolsonaro, não se importando em prejudicar milhões de crianças, adolescentes e professores do Brasil, que não têm acesso às tecnologias da informação.

Mobilização dos sindicatos e organizações para garantir Internet na sala de aula

Ao ser questionado sobre como os sindicatos e organizações da categoria estão se mobilizando para garantir a conectividade na sala de aula, Daniel Cara afirmou que há uma atuação intensa na mobilização no Congresso Nacional e junto ao STF.

"Toda vez que a decisão não recaia ao Executivo, a gente tem tido vitórias importantes, ou seja, a gente tem tido a capacidade de vencer o Poder Executivo. É importante dizer que a educação, especialmente graças à liderança da campanha nacional pelo direito à educação, que é a maior rede de entidades da área de educação no Brasil, e que tem tido vitórias desde 2006, nós temos obtido vitórias importantes contra o governo Bolsonaro. Nós aprovamos o Fundeb, bem como sua regulamentação. No início do ano, nós protegemos os recursos para a saúde e educação também de um ataque do governo Bolsonaro. Nós aprovamos a Lei de Conectividade, derrubamos o veto. Então, quando depende da decisão de um poder que não seja o Poder Executivo, a gente ganha do governo Bolsonaro", explicou.

Contudo, Daniel Cara enfatizou que o problema é que o governo Bolsonaro vai sempre para o "tapetão", sempre jogando "fora das quatro linhas", e nestas iniciativas do tapetão, onde ele sempre tenta implementar indo contra uma decisão parlamentária, pressionando o STF, criando um jogo contínuo em um Brasil de enorme instabilidade e prejudicando a vida dos cidadãos e das cidadãs brasileiros.

Trabalho da Frente Mista

A Frente Parlamentar Mista da Educação (FPME) se posicionou de forma contrária à Medida Provisória editada pelo governo federal.

Daniel Cara acredita que a FPME poderia ser importante, contudo, ela é totalmente coordenada pelos setores bancários, econômicos, que têm suas fundações empresariais, os herdeiros, os banqueiros, que acabam montando fundações empresariais que obstruem o trabalho do direito à educação.

"No caso do Fundeb, a FPME trabalhou mal. Por sorte, a relatora da matéria, que era inclusive a presidente da frente, mas que via uma iniciativa de obstrução por parte dos parlamentares mais jovens, que chamamos de Bancada Lemann, que é a bancada que foi financiada pelo Jorge Paulo Lemann e que procurou obstruir o Fundeb, por sorte a Dorinha, que era a relatora, em que pese o fato de ser de um partido da base do governo Bolsonaro, ficou do nosso lado em boa parte das questões, também fruto de muita pressão que nós exercemos sobre ela, e o resultado é que a gente conseguiu avançar", comentou Daniel.

Daniel observou que a FPME se posicionar contra a matéria não significa garantia de vitória, pois não tem capacidade de coordenar ações parlamentares.

"A FPME é complexa, como é complexo o parlamento brasileiro. Ela não tem homogeneidade, não defende efetivamente o direito à educação, tem disputas internas. E, neste momento, a liderança da FPME é negativa para a área da educação", completou.

Alternativas para garantir acesso à Internet

Caso o governo Bolsonaro consiga suspender os repasses, Daniel Cara afirmou que provavelmente apresentará um novo projeto de lei com iniciativa popular, reunindo mais de um milhão de assinaturas para a garantia da conectividade.

"É importante dizer que na pandemia isso é urgente e emergencial, mas fora da pandemia também é urgente. Então, a gente tem que ter clareza de que sem acesso à Internet, sem acesso às unidades computacionais, os estudantes brasileiros vão ficar atrasados", observou.

Os computadores, o acesso à Internet, assim como ocorre no Uruguai, graças às ações do governo o país conseguiu universalizar o acesso às tecnologias da informação, fazendo a diferença no aprendizado e na própria vida dos estudantes, que precisam deste acesso para se conectar ao mundo.

© Folhapress / Karime XavierGaroto na Escola Estadual Etelvina de Góes Marcucci em Paraisópolis
Corte de gastos: o que está por trás da ação de Bolsonaro de tirar Internet da escola pública? - Sputnik Brasil, 1920, 10.08.2021
Garoto na Escola Estadual Etelvina de Góes Marcucci em Paraisópolis

Daniel concluiu dizendo que, sabendo as utilizar de forma pedagógica, as tecnologias da informação são grandes aliadas ao fortalecimento do direito educacional e dos demais direitos e, por isso, "a gente não vai parar de brigar por esta matéria".

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