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Combate ao terrorismo pode 'renovar' cooperação entre países do BRICS?

© Sputnik / Yevgeny Biyatov Reunião do Comitê do BRICS sobre política antimonopólio
Reunião do Comitê do BRICS sobre política antimonopólio      - Sputnik Brasil, 1920, 27.08.2021
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A Sputnik Brasil conversou com dois especialistas para debater como o Plano de Ação de Combate ao Terrorismo, adotado pelo BRICS, pode ajudar a renovar a cooperação entre seus países-membros, bem como o papel do Brasil nesta área.

Na terça-feira (24), representantes dos países do BRICS realizaram uma reunião on-line sobre questões de segurança nacional, onde adotaram o Plano de Ação de Combate ao Terrorismo do BRICS e o recomendaram para consideração na cúpula do bloco.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores da Índia, na reunião foram considerados os cenários políticos e de segurança regionais e globais, com atenção especial aos atuais eventos no Afeganistão, Irã, Ásia Ocidental e golfo Pérsico, bem como ameaças emergentes à segurança nacional, como a segurança cibernética.

Os altos representantes adotaram e recomendaram o Plano de Ação de Combate ao Terrorismo do BRICS para consideração na cúpula do bloco.

O Plano de Ação visa fortalecer os mecanismos de cooperação existentes em áreas como financiamento e combate ao terrorismo, abuso terrorista da Internet, restrição de viagens de terroristas, controle de fronteiras, proteção de alvos vulneráveis, troca de informações, capacitação e cooperação regional e internacional.

Terrorismo na pauta do BRICS

A professora de Relações Internacionais da PUC-Rio Maria Elena Rodriguez recorda que em 2011, em Sanya, pela primeira vez foi mencionada a necessidade de promover a coordenação política entre os países do grupo em matéria de segurança.

"Dentro do BRICS, portanto, o primeiro grande movimento relativo à área foi a indicação do papel das Nações Unidas na coordenação de ações multilaterais antiterroristas e a necessidade de reforçar sua estrutura para lidar com o problema", recordou.

Além disso, ela observou que, em termos de cooperação intragrupo, foi também em 2011 a primeira vez que o BRICS declarou estar disposto a intensificar sua coordenação política, retomando o tema em 2014, quando enfatizou, em especial, o combate preventivo ao financiamento e ao suporte de atividades terroristas.

"Contudo, foi somente em 2016, quando o GT antiterrorismo foi formado dentro do BRICS, onde foram estabelecidas de forma clara as diretrizes para a coordenação política dos cinco países sobre a questão", indicou Maria Elena Rodriguez.

Para o professor de Relações Internacionais e especialista em países do BRICS Diego Pautasso, o terrorismo é um tema importante, pois é de interesse, sobretudo, dos dois maiores protagonistas do agrupamento, que são a China e a Rússia, ressaltando que essa é uma agenda central da maior parte dos BRICS.

© REUTERSMembros do Talibã (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países) observam foto de seu líder Mullah Haibatullah Akhundzada, em Cabul, Afeganistão, 25 de agosto de 2021
Combate ao terrorismo pode 'renovar' cooperação entre países do BRICS? - Sputnik Brasil, 1920, 27.08.2021
Membros do Talibã (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países) observam foto de seu líder Mullah Haibatullah Akhundzada, em Cabul, Afeganistão, 25 de agosto de 2021

Com relação ao papel do Brasil neste plano, o professor cita duas questões, sendo que a primeira é que, por ser minoritário, o Brasil "de toda forma deve convergir com uma agenda, que não é tão destoante, embora não seja uma agenda prioritária do Brasil", além disso, é preciso ser solidário.

O segundo ponto ressaltado por Diego Pautasso é que atualmente a política externa brasileira em relação ao BRICS "é, na melhor das hipóteses, desinteressada".

"Parece-me que eles não estão dispostos sequer a provocar grandes debates, interlocuções em relação à condição dos trabalhos", observou.

Diego Pautasso também explicou que o termo terrorismo é um termo extremamente polissêmico, e geralmente é mobilizado pelos Estados para se referirem a qualquer tipo de ameaça à ordem estatal.

"No Brasil, a nova lei antiterrorista foi uma preocupação dos setores democráticos, que permitiria incluir movimentos sociais, sindicais, movimento de luta pela terra, e assim por diante. E, nesse sentido, essa preocupação é relevante porque no atual momento nós temos um governo que pode enquadrar na lei de segurança nacional, terrorismo e insurgência qualquer movimento contestatório", afirmou.

Cooperação na aérea de segurança cibernética

A cooperação na área de segurança cibernética também foi citada durante a reunião, contudo, acredita-se que para os países cooperarem nesta área seja preciso um elevado nível de confiança mútua.

A cooperação em segurança é, até um certo limite, todo mundo quer obter toda a informação e não quer abrir mão da informação estratégica. Essa é a estratégia dos serviços de inteligência, o sigilo.

"É realmente muito problemático, inclusive dentro dos Estados há uma dificuldade muito grande de cooperar em segurança porque, em via de regras, o Exército nem sempre coopera com a Marinha e com a Força Aérea, bem como a Polícia Federal, a Abin, e os órgãos virão a ter uma interlocução pequena porque há esse problema", comentou o professor.

Além disso, o professor cita que, dessa forma, a cooperação em segurança encontra limites e tem a ver com o grau de confiança entre os Estados.

© Foto / ReproduçãoComputador do Tribunal de Justiça vítima do ataque cibernético
Combate ao terrorismo pode 'renovar' cooperação entre países do BRICS? - Sputnik Brasil, 1920, 27.08.2021
Computador do Tribunal de Justiça vítima do ataque cibernético

"Parece que a Rússia e a China avançaram bastante, por diversas razões, pelo menos 30 anos de aproximação", permitindo manobras militares, cooperação a nível de inteligência, entre outros. Em outros países, por exemplo, a Índia com a China, este tipo de cooperação já é mais problemático.

"Não creio que seja simétrico o grau de cooperação em segurança e em inteligência entre todos os membros do BRICS", explicou.

Segundo a professora Maria Elena Rodriguez, a segurança cibernética é a quarta categoria com maior referência dentro das declarações da cúpula do BRICS, onde foram identificadas duas subáreas relativas à segurança cibernética de interesse do BRICS.

"Uma delas, o combate a crimes cibernéticos [...] E a outra, a interrelação entre as novas tecnologias da informação e comunicação e atividades terroristas", afirmou.

A professora também fez questão de citar que a segurança cibernética seria fundamental para assegurar a defesa das infraestruturas críticas dos Estados, que hoje estão amplamente conectadas em rede.

Maria Elena Rodriguez citou dois tipos de ameaça que são levantados pelo grupo: o mau uso da tecnologia da informação e comunicação por organizações criminosas e grupos terroristas, bem como o mau uso por parte dos Estados, "seja violando o direito à privacidade de seus nacionais, influenciando assuntos domésticos ou perpetuando ataques cibernéticos".

"De modo a combater tais problemas, em nível sistêmico, o BRICS reafirma a importância das Nações Unidas como lócus para o desenvolvimento de instrumento vinculante responsável por assegurar o uso pacífico, seguro e aberto das tecnologias de informação e comunicação", ressaltou.

Afeganistão e Plano de Ação podem unir os países do BRICS?

Maria Elena Rodriguez observa que o Plano de Ação já estava sendo discutido há tempos por sugestão do Modi, como um acompanhamento da adoção da estratégia de combate ao terrorismo pelo BRICS, contudo, "seguramente, a crise com o Afeganistão acelerou o processo".

De acordo com Diego Pautasso, a questão do Afeganistão é um perigo que permite a convergência das agendas.

© AP Photo / Pavel GolovkinPresidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, conversam com auxílio de intérpretes durante encontro dos líderes do BRICS no Itamaraty, em Brasília, 14 de novembro de 2019 (foto de arquivo)
Combate ao terrorismo pode 'renovar' cooperação entre países do BRICS? - Sputnik Brasil, 1920, 27.08.2021
Presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, conversam com auxílio de intérpretes durante encontro dos líderes do BRICS no Itamaraty, em Brasília, 14 de novembro de 2019 (foto de arquivo)

Segundo ele, os documentos da Organização para Cooperação de Xangai citam a necessidade de uma gestão para a estabilização do Afeganistão, que foi incluído como membro-observador da organização, e com a mudança de regime no território afegão, todos os países já mantiveram interlocução de alto nível com o novo governo, pois "obviamente há uma preocupação de que não se transforme em um foco de irradiação".

No caso da Índia e China, que possuem uma relação multifacetada, em determinados casos a agenda converge, como no caso do Afeganistão, e em outros diverge, como no caso do corredor econômico entre China e Paquistão.

"Contudo, o Afeganistão está diretamente ligado ao Paquistão. A China certamente vai querer transbordar este eixo para o Afeganistão, inclusive como uma forma de desenvolver a Rota da Seda e estabilizar o Afeganistão [...] sendo esse o principal ponto de atrito entre a Índia e a China", destacou o professor, ressaltando que este é sempre um cenário muito delicado entre os dois países para equacionar o jogo de influências regionais.

A professora Maria Elena Rodriguez ainda ressalta que a China e a Índia possuem diferenciais sobre a questão do Afeganistão e sobre o papel do Paquistão na facilitação do Talibã (organização terrorista proibida na Rússia e em outros países).

Além disso, ela cita que a China e a Rússia, junto com o Paquistão, estão entre os poucos países que seguem mantendo suas embaixadas abertas no Afeganistão, em contraste com a Índia, que evacuou todo seu pessoal diplomático.

Com isso, é pouco provável que haja um consenso entre os países do bloco, visto que cada país tem uma estratégia e interesses com relação à crise no Afeganistão.

Quais as chances de a cooperação entre os países do bloco ser renovada?

O BRICS tem sido criticado por não ter chegado a um avanço significativo em termos de agenda após a criação do Banco de Desenvolvimento.

Comentando o assunto, Maria Elena Rodriguez explicou que a agenda do BRICS é parte da agenda de cada um dos países e do que eles estão dispostos a defender e negociar.

"Os nacionalismos de Modi e o desinteresse de Bolsonaro, e a afiliação com Trump, têm ajudado muito a ter uma agenda pouco significativa como grupo", observou.

Além disso, a professora explica que as diferenças ideológicas entre China e Brasil não oferecem um ambiente de trabalho favorável no BRICS, onde durante as reuniões a fala dos dois presidentes marca claramente as diferenças que cada vez mais têm afastado a China e o Brasil, apesar do relacionamento comercial intenso.

"Não acredito que a agenda do combate ao terrorismo venha a ocupar um centro nas agendas", indicou.

Empenho do governo Bolsonaro

Comentando o empenho do governo Bolsonaro em relação ao BRICS desde a posse do chanceler francês, a professora acredita que o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, "não valoriza nem acredita no papel do BRICS".

"O empenho do governo Bolsonaro em relação ao BRICS é dramático. Bolsonaro não valoriza, não acredita no papel do BRICS e não deu importância. É uma questão ideológica. O alinhamento com os EUA fazia com que o Brasil não desse muita importância ao bloco", indicou Maria Elena Rodriguez.

"[Ele] tem feito poucos esforços para promover uma agenda dentro do BRICS, e isto foi reconhecido internacionalmente [...]", declarou.

© AFP 2023 / Sergio LimaPresidente Jair Bolsonaro antes da Cúpula do BRICS em Brasília, 13 de novembro de 2019
Combate ao terrorismo pode 'renovar' cooperação entre países do BRICS? - Sputnik Brasil, 1920, 27.08.2021
Presidente Jair Bolsonaro antes da Cúpula do BRICS em Brasília, 13 de novembro de 2019

A professora Maria Elena Rodriguez recordou que o ex-secretário de Estado norte-americano na administração Donald Trump, Mike Pompeo, antes mesmo de deixar o cargo em janeiro, felicitou o Brasil por se afastar do BRICS.

"Isso é muito simbólico, primeiro com relação ao posicionamento dos EUA, e segundo como o Bolsonaro é visto como protagonista de deixar que o BRICS comece a se distanciar, institucional e politicamente [...] com pouca densidade temática, com pouco aprofundamento e com poucas propostas", concluiu.

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