Armas nucleares: especialistas analisam se Talibã poderá adquiri-las e qual será papel do Paquistão
18:51 08.09.2021 (atualizado: 12:45 09.09.2021)
© AP PhotoBandeiras do Paquistão e do movimento do Talibã
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O Talibã (organização terrorista proibida na Rússia e em outros países) conseguiu tomar para si bastante armamento no valor de bilhões de dólares após retirada das forças do Exército Nacional Afegão e seus aliados estrangeiros.
No entanto, surge um problema bastante preocupante que tem sido apontado por especialistas políticos e militares dos EUA e da Europa - a possibilidade do grupo insurgente conseguir acesso a tecnologias militares nucleares.
Coronel Richard Kemp, ex-comandante britânico, sublinhou essa possibilidade em meados do mês passado, apontado que tamanha tecnologia poderia vir a ser adquirida pelo Talibã a partir do Paquistão. Por sua vez, John Bolton, ex-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, compartilhou os mesmos receios em 23 de agosto ao jornal The Washington Post.
No dia seguinte, um grupo de legisladores norte-americanos enviou uma carta ao presidente dos EUA, Joe Biden, questionado o que faria caso o Talibã venha, de fato, a adquirir armas nucleares.
Programa nuclear do Paquistão: por que EUA não o impediram?
Enquanto Bolton tem criticado veementemente o Paquistão por sua ambição "irresponsável" em obter armas nucleares por várias décadas, documentos recentemente desclassificados sugerem que Washington há muito sabia dos objetivos de Islamabad, mas nada fez para o impedir.
Em meados de agosto de 2021, o presidente paquistanês, Arif Alvi, revelou que o país havia desenvolvido um "dissuasor nuclear" em 1981, muito antes de seus testes atômicos subterrâneos em 1998. Posteriormente, o Arquivo de Segurança Nacional, uma instituição de arquivos sem fins lucrativos com sede em Washington, divulgou um conjunto de documentos que dão a conhecer como os EUA lidam com a situação nuclear do Paquistão.
Enquanto Bolton tem criticado veementemente o Paquistão por sua ambição "irresponsável" em obter armas nucleares por várias décadas, documentos recentemente desclassificados sugerem que Washington há muito sabia dos objetivos de Islamabad, mas nada fez para o impedir.
Um memorando dos EUA em 28 de março de 1978, revela a mais antiga indicação do reconhecimento por Washington do programa de enriquecimento de urânio paquistanês. Em junho desse ano, o documento da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA, na sigla em inglês) sugeria que o Paquistão "provavelmente, seria capaz de montar um dispositivo nuclear no início dos anos 1980", acrescentando que o país "não terá uma opção de armas nucleares confiável até pelo menos meados dos anos 1980".
Um memorando dos EUA em 28 de março de 1978, revela a mais antiga indicação do reconhecimento por Washington do programa de enriquecimento de urânio paquistanês. Em junho desse ano, o documento da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA, na sigla em inglês) sugeria que o Paquistão "provavelmente, seria capaz de montar um dispositivo nuclear no início dos anos 1980", acrescentando que o país "não terá uma opção de armas nucleares confiável até pelo menos meados dos anos 1980".
O memorando do Departamento de Estado dos EUA em 18 de janeiro de 1979, citou especificamente a Emenda Symington de 1976, onde proibia a assistência econômica e militar dos EUA a países que transferissem ou adquirissem ilegalmente tecnologia de enriquecimento nuclear.
© AP Photo / K.M.ChoudaryModelo de míssil ar-ar paquistanês Shaheen, capaz de transportar ogiva nuclear, sendo apresentado pela primeira vez em Lahore, no Paquistão, em maio de 1999
Modelo de míssil ar-ar paquistanês Shaheen, capaz de transportar ogiva nuclear, sendo apresentado pela primeira vez em Lahore, no Paquistão, em maio de 1999
© AP Photo / K.M.Choudary
Embora o memorando destacasse que Washington precisava persuadir o Paquistão a parar com seu programa de enriquecimento e reprocessamento, o governo norte-americano observou que "o término do apoio [ao Paquistão] complicaria ainda mais nossa posição na turbulenta região do golfo Pérsico" e "não contribuiria para a realização de nossos objetivos de não-proliferação".
Como resultado, a administração Jimmy Carter fingiu não notar o desenvolvimento nuclear paquistanês, tal como a transferência de materiais e tecnologias para o país através de outros atores estatais e não estatais.
© AP Photo / Jim BourdierEx-presidente dos EUA, Jimmy Carter, cumprimentando refugiados afegãos em Peshawar, no Paquistão, em novembro de 1986
Ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter, cumprimentando refugiados afegãos em Peshawar, no Paquistão, em novembro de 1986
© AP Photo / Jim Bourdier
A natureza desta abordagem invulgarmente branda de Washington se deveu ao fato de que, no decorrer da Guerra Fria, os EUA consideravam o Paquistão um baluarte contra a União Soviética, enquanto que a Índia seria um aliado regional de Moscou, aponta Bharat Karnad, especialista e professor de Estudos de Segurança Nacional no Centro de Pesquisa Política de Nova Deli, na Índia.
De igual modo, houve dois fatores fundamentais para que o Paquistão acelerasse seus esforços na aquisição de armas nucleares: a decisão da Índia em iniciar um projeto nuclear em 1967, e a perda do Paquistão Oriental (atual Bangladesh), em 1971, na guerra da Libertação de Bangladesh.
O Arquivo de Segurança Nacional informa que foi Abdul Qadeer Khan, um metalúrgico com formação na Bélgica, quem desempenhou um papel crucial na construção das instalações de enriquecimento de urânio no Paquistão.
© AP Photo / Anjum NaveedAbdul Qadeer Khan, cientista nuclear que contribuiu bastante para construção das primeiras instalações de enriquecimento de urânio no Paquistão. Em 2004, confessou ter vendido segredos nucleares ao Irã, Coreia do Norte e à Líbia
Abdul Qadeer Khan, cientista nuclear que contribuiu bastante para construção das primeiras instalações de enriquecimento de urânio no Paquistão. Em 2004, confessou ter vendido segredos nucleares ao Irã, Coreia do Norte e à Líbia
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O engenheiro teria roubado elementos importantes de tecnologia de centrifugação de gás enquanto trabalhava nos Países Baixos, na empresa de urânio Urenco, na década de 1970. No entanto, em 1975, a CIA pediu para Amsterdã que não perseguisse Khan quando ele passou a ser alvo de suspeitas, segundo o ex-primeiro ministro holandês Ruud Lubbers. A agência de inteligência norte-americana teria se justificado com a intenção de querer "seguir e observar Khan para obter mais informações", de acordo com Lubbers.
Porém, ainda existem muitas lacunas em relação aos esforços da CIA para rastrear as atividades de Khan, uma vez que a inteligência "não desclassificou quase nada" sobre o assunto, segundo o Arquivo de Segurança Nacional.
Será que Talibã poderia obter armas nucleares do Paquistão?
Como seria esperado, a probabilidade de o Talibã acessar os segredos e estoques nucleares de Islamabad provocou um amplo debate entre os observadores internacionais.
"Para mim, isso está absolutamente fora de questão, por muitas razões sólidas, que o Talibã tenha acesso ao material nuclear do Paquistão", argumenta Abdullah Khan, diretor do Instituto de Estudos de Conflito e Segurança do Paquistão, em entrevista à Sputnik. "Por que razão eles precisariam de armas nucleares? De momento, para o Talibã, a questão principal é o seu governo".
Entretanto, não se pode ter certeza absoluta de que o Talibã nunca terá acesso às tecnologias de armas nucleares paquistanesas, aponta a dra. Michele Groppi, professora de Desafios à Ordem Internacional no Departamento de Estudos de Defesa, na universidade britânica de King's College, em Londres.
© REUTERS / XINHUAO conselheiro de Estado chinês e ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, encontra-se com o mulá Abdul Ghani Baradar, chefe político do Talibã no Afeganistão, em Tianjin, China, em 28 de julho de 2021
O conselheiro de Estado chinês e ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, encontra-se com o mulá Abdul Ghani Baradar, chefe político do Talibã no Afeganistão, em Tianjin, China, em 28 de julho de 2021
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"Temos que ficar de olho nessa questão [...] Mas não creio que essa perspectiva seja particularmente preocupante a curto prazo. A longo prazo, no entanto, temos que ver", disse Groppi.
Contudo, caso o movimento em questão tivesse acesso a armas nucleares, isso poderia "irritar realmente a China" e, segundo a professora, o Talibã não está interessado em perturbar Pequim, pelo menos por enquanto, pois esperam que o gigante asiático invista no Afeganistão, cuja economia se apresenta demasiado frágil.
No entanto, o Afeganistão está situado entre quatro Estados nucleares declarados, o que sugere que "se a instabilidade [no Estado da Ásia Central] persistir, pode se tornar um centro para o mercado negro de materiais nucleares", aponta Shreyas Deshmukh, pesquisador no Programa de Segurança Nacional do Grupo de Política de Deli, um think tank com base na capital indiana.