AUKUS vs. China: é possível caminhar para conflito convencional em até 10 anos, opina analista
12:07 20.09.2021 (atualizado: 12:29 12.11.2021)
© AP Photo / Marinha dos EUA / Naomi JohnsonSubmarino de ataque rápido USS Oklahoma City (SSN 723) da classe Los Angeles volta à base naval dos EUA em Guam, 19 de agosto de 2021
© AP Photo / Marinha dos EUA / Naomi Johnson
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Após o anúncio do novo mecanismo de segurança AUKUS, a Sputnik Brasil entrevistou um especialista sobre o balanço das forças na região do Indo-Pacífico e sobre as consequências da ascensão militar da China.
Em 15 de setembro, os EUA, a Austrália e o Reino Unido anunciaram um acordo histórico de segurança no Indo-Pacífico. A cooperação trilateral, conhecida como AUKUS, prevê que os EUA ajudem a Austrália com as tecnologias necessárias para esta se equipar com submarinos de propulsão nuclear.
A nova parceria busca "promover a segurança e a prosperidade" na região, afirma uma declaração conjunta do presidente dos EUA, Joe Biden, do primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, e de seu homólogo australiano, Scott Morrison. A participação dos três mandatários do anúncio em conjunto por meio de videoconferência ressaltou a importância do pacto para esses países.
Essa é a maior parceria no setor de defesa em décadas para esses países, que têm demonstrado preocupações nos últimos anos com a crescente presença militar da China na região do Indo-Pacífico. A Sputnik Brasil conversou com Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM-SP, sobre as consequências da criação do novo mecanismo de segurança internacional AUKUS e as mudanças no equilíbrio das forças na região.
© AP Photo / Marinha dos EUASubmarino de ataque rápido USS Illinois (SSN 786) volta à Base Conjunta Pearl Harbor-Hickam, 13 de setembro de 2021
Submarino de ataque rápido USS Illinois (SSN 786) volta à Base Conjunta Pearl Harbor-Hickam, 13 de setembro de 2021
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Simultaneamente com o anúncio da aliança AUKUS, a Austrália declarou o cancelamento do contrato de fabricação de submarinos com a empresa francesa Naval Group, o que gerou indignação da parte francesa. Na sexta-feira (17), o chanceler da França, Jean-Yves Le Drian, anunciou a retirada dos embaixadores franceses nos Estados Unidos e na Austrália, pela primeira vez na história das relações entre esses países.
O professor esclarece que esse acordo não previa a transferência da tecnologia nuclear da França para a Austrália, era uma parceria comercial e militar, mas em uma negociação de compra e venda de submarinos convencionais que são movidos a diesel e por baterias elétricas.
Ante a necessidade de um patrulhamento cada vez maior de submarinos, "esse reposicionamento australiano é visto como necessário para conter a China, se decidiu romper esse acordo comercial e aprofundar suas relações com os EUA e com o Reino Unido", afirma.
Novo balanço de poder
Conforme Gunther Rudzit, esse novo pacto demonstra a profundidade das relações entre os lados americano, australiano e britânico. Os três já estão em parte interligados em termos de segurança internacional: os EUA já têm um tratado de defesa mútua com a Austrália e também com o Reino Unido, que é parte da OTAN.
Além disso, Washington tem relações de segurança indiretamente com o chamado Quad, Diálogo de Segurança Quadrilateral, formado, além dos EUA, pela Austrália, Japão e Índia. Os Estados observam de perto a ascensão chinesa no Indo-Pacífico e tentam se assegurar contra a China.
"Na região [do Indo-Pacífico] estão se conformando alianças militares para conter essa ascensão militar chinesa."
O que está se conformando é realmente uma aliança global contra a China com "expansão para um país europeu", no caso do Reino Unido, o que dá importância particular a essa aliança.
Reação da China: aliança é evidência de 'mentalidade da Guerra Fria'
Huiyao Wang, conselheiro do governo chinês e presidente do Centro para China e Globalização (um dos principais think tanks da China), disse em entrevista à BBC que o acordo representa "uma mentalidade da Guerra Fria por parte dos EUA e seus aliados".
Porém, o especialista entrevistado não concorda com isso: a China "usa esses termos para tentar desqualificar e tirar a legitimidade das ações de seus oponentes", de acordo com suas palavras.
Na sua essência, é uma ação de disputa entre grandes potências que sempre existiu na história dos Estados europeus, diz o professor, até que houve uma demora na formação de uma aliança.
No que diz respeito à ascensão da China, o analista não a qualifica de pacífica, mas muito pelo contrário, argumentando que os países do Sudeste Asiático, especialmente Vietnã e Filipinas, já sofrem com disputas marítimas e territoriais com a China há mais de dez anos.
© AP Photo / Wei PeiquanTreinamento marítimo China em Taiwan
Treinamento marítimo China em Taiwan
© AP Photo / Wei Peiquan
Adicionalmente, essa aliança é também o resultado das mudanças dentro do gigante asiático, como, por exemplo, o maior controle do governo sobre a economia e o fato de que a China não cumpriu seu compromisso, ao entrar em 2001 na Organização Mundial do Comércio, de transformar sua economia em uma economia de mercado. Agora ela está usando as regras do comércio livre internacional e se beneficiando muito de não ser uma economia de mercado.
Disputa pelo mar do Sul da China
Os EUA e a China são dois rivais de longa data em relação à disputa pelo mar do Sul da China e ao diferendo entre o governo chinês e Taiwan a respeito do reconhecimento da independência da nação taiwanesa.
Não é que a formação de nova aliança mude muito essa rivalidade, mas é fato, constata o professor, que para a cultura chinesa a integridade territorial é fundamental. Enquanto isso, em 1979 Washington se comprometeu a defender sempre Taiwan contra uma tentativa de reunificação unilateral, ou seja, uma invasão de Taiwan pela China.
Segundo relembra o professor, em janeiro de 1996 um general chinês disse claramente a um jornalista norte-americano: "Nós temos certeza que vocês não vão querer trocar Los Angeles por Taiwan". O que ele quis dizer com isso: que se os Estados Unidos tentarem reconhecer a independência de Taiwan, eles vão à guerra.
"Por causa de Taiwan, os dois países podem ir à guerra", e isso pode ser acelerado mesmo com o novo pacto, segundo ele.
Motivos da disputa no Indo-Pacífico
Gunther Rudzit nomeia duas razões principais por que a China deseja controlar o mar do Sul da China. Primeiramente, devido à presença de gás e petróleo na região. O segundo motivo é o estreito de Malaca – uma passagem muito estreita de cerca de dois quilômetros entre o oceano Índico e o Pacífico.
"Se alguém interromper a navegação ali por algum motivo e, portanto, os petroleiros que saem principalmente da região do golfo [Pérsico] e da África levando o petróleo da China, isso afeta economia chinesa", explica.
"É um dos gargalos muito importantes em termos comerciais", acrescenta o professor, adicionando também que, por isso mesmo, é o local de maior ação de piratas roubando os navios – terceira justificativa para a China defender suas embarcações na zona.
Possibilidade de conflito convencional
De acordo com o analista, nos próximos anos devemos esperar tensões mais acirradas entre os aliados da América e a China. Infelizmente, as tensões tendem a crescer: ante a rápida ascensão militar chinesa, o gigante asiático deve aprofundar suas relações com a Rússia, particularmente com os exercícios navais que os dois países já realizam há muitos anos, aponta ele.
Além disso, é muito provável que vamos testemunhar algumas retaliações por parte da China frente à Austrália. Porém, deve se notar que Camberra foi a primeira a proibir a entrada de tecnologia 5G da empresa chinesa Huawei, alegando possibilidade de espionagem, o que tem provocado nos últimos anos um atrito muito grande entre os dois governos.
"Essas ações tendem a confirmar que infelizmente podemos caminhar para um conflito convencional em até dez anos", avisa o analista em conclusão.