Quais as vantagens e desvantagens do possível 'divórcio' entre Polônia e UE?
10:27 13.10.2021 (atualizado: 14:02 12.11.2021)
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A Sputnik explica a possibilidade de um Polexit ocorrer, bem como suas vantagens e desvantagens para a Polônia e qual política deve ser tomada pela União Europeia em relação ao caso.
Após várias cidades polonesas demonstrarem apoio à adesão do país à União Europeia, depois de o Tribunal Constitucional ter decidido sobre a prioridade das leis nacionais sobre as do bloco, o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki acusou a oposição de espalhar "notícias falsas", negando o suposto plano para o país deixar a UE, o "Polexit".
Anteriormente, o ex-presidente do Conselho Europeu Donald Tusk alertou, ainda no início desta semana, sobre uma "séria ameaça" de que a Polônia deixe a União Europeia devido às tensões entre Varsóvia e Bruxelas.
A economia polonesa tem crescido de forma constante durante anos, mesmo em meio à crise de 2008, enquanto alguns outros membros da UE têm enfrentado períodos de recessão.
Para explicar essa possibilidade, bem como suas vantagens e desvantagens para a Polônia, a Sputnik Brasil conversou com os especialistas Thiago Babo, professor do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (NUPRI-USP), e Demétrius Pereira, professor de Relações Internacionais e coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios Europeus da ESPM.
Qual a possibilidade de o Polexit ocorrer?
De acordo com Thiago Babo, para que ocorra uma possibilidade real de saída da Polônia, isso depende necessariamente da capacidade de mobilização política e social destes grupos ou partidos eurocéticos. Na Polônia, nós sabemos que grande parte da agenda parlamentar está direcionada a um combate a diversos pontos da UE.
"Para que isso tenha qualquer tipo de concretização política prática é necessário também o apoio popular. Não pode esquecer que até no Reino Unido, que era um Estado-membro da UE, historicamente falando, muito reticente com o projeto europeu, foi necessário mobilizar sentimentos na população para sustentar o Brexit [...]", afirmou.
Thiago Babo também recorda que, no caso britânico, a oposição política não se mobilizou tanto para defender a permanência do Reino Unido na UE, enquanto o jogo político na Polônia será muito diferente do que foi no Reino Unido, já que os poloneses são a favor da UE.
Por sua vez, Demétrius Pereira afirma que a possibilidade de a Polônia deixar a UE começou a ficar mais clara em 2009, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que cria um mecanismo de saída, e também com a retirada dos britânicos, sendo a primeira vez que um país deixou o bloco.
Quais as vantagens e desvantagens para a Polônia caso o país deixe o bloco?
Falando sobre as vantagens de uma possível saída do bloco, Demétrius Pereira afirma observar uma questão de soberania, já que, saindo da UE, a Polônia vai poder seguir seu próprio caminho, sem respeitar todas as regras do bloco.
Contudo, Thiago Babo não vê qualquer vantagem para a Polônia em uma possível saída do bloco.
"Não é um cálculo racional das partes envolvidas que vai estabelecer uma decisão política pela saída do país do bloco. Em termos políticos, econômicos e sociais, a presença da Polônia na UE sempre será melhor para a Polônia", ressaltou.
De acordo com Thiago Babo, na atual conjuntura da política internacional, o isolamento de um Estado não tem como gerar qualquer tipo de benefício real em um curto, médio ou longo prazo.
"Muitos grupos nacionalistas, conservadores, irão dizer que a saída da Polônia da UE iria trazer benefícios sociais ao país [...]", observou.
Thiago Babo acredita que o Polexit pode trazer diversas desvantagens à Polônia, já que o país, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, vem estabelecendo sua economia, como a maioria dos países europeus, de forma muito atrelada aos seus vizinhos do bloco.
"Com essa adesão à UE e, consequentemente, sua entrada no mercado comum, todo este processo que vem desde o fim da Segunda Guerra Mundial é intensificado, ou seja, em termos econômicos, uma saída da UE, que acarreta na perda de seus privilégios no mercado comum, é um desastre econômico para o país. O que demandaria uma rápida negociação com outros Estados que não são do bloco europeu para estabelecer novos acordos comerciais", comentou o professor.
Além disso, Thiago Babo ressalta que até que estes acordos ocorram, uma crise econômica seria algo certo no país.
Demétrius Pereira observa que a perda do acesso ao mercado comum da UE envolveria capital, mão de obra, pessoas.
Polônia conseguiria estabelecer relações políticas e econômicas sem UE?
De acordo com o professor Demétrius Pereira, a Polônia não ficaria isolada caso deixasse o bloco europeu, já que o país é membro da OTAN.
Contudo, ele ressalta que o país se afastaria da UE, o que poderia afetar a política externa polonesa, já que se distanciaria dos parceiros que são membros da UE, mas não são membros da OTAN.
Para Thiago Babo, em uma eventual saída polonesa do bloco europeu, o país ficaria em um imediato isolacionismo até firmar parcerias político-econômicas necessárias.
© Sputnik / Vitaly Belousov / Acessar o banco de imagensBandeiras da Polônia e da União Europeia na embaixada da Polônia em Moscou, Rússia
Bandeiras da Polônia e da União Europeia na embaixada da Polônia em Moscou, Rússia
© Sputnik / Vitaly Belousov
/ Ele também ressalta que, em um cenário em que a própria OTAN está sendo vista com descrença por parte das lideranças políticas europeias, iniciar um processo político que cause um isolamento parece ser uma resposta irracional em termos geopolíticos, além de termos políticos nacionais e econômicos.
"Vale ressaltar, obviamente, que a saída do bloco europeu não tem ligação alguma com a permanência ou não da Polônia na OTAN, que são coisas distintas", observa.
Interesse da UE na Polônia
Explicando os motivos pelos quais a UE estaria tão decidida a manter a Polônia no bloco, Thiago Babo acredita que seja importante evitar uma nova saída de um Estado-membro, para "não desacreditar a própria UE".
"A saída de um país do leste europeu, cuja entrada se deu no século XXI, no grande alargamento da UE, tem um outro peso. É importante a UE ressaltar a necessidade da coesão do grupo, do bloco europeu, e evitar que vozes dissidentes possam prejudicar o próprio bloco europeu", explicou.
Por sua vez, Demétrius Pereira ressalta a influência dos poloneses como sendo o quinto maior país do bloco.
"[A Polônia] é o símbolo do fim da divisão entre a Europa Ocidental e Europa Oriental, quando houve a grande adesão, a maior adesão já feita ao bloco, em 2004. Com 10 países, a Polônia foi o maior país deste grupo a entrar. Então, ela tem uma carga simbólica grande", afirmou.
Qual política a UE deve adotar em relação à Polônia?
De acordo com Thiago Babo, "a UE precisa adotar uma posição mais forte em relação à Polônia [...]", e essa posição forte é necessária para não incitar novamente um efeito de cascata nos demais países europeus.
"A tratativa da UE com esse caso específico da Polônia tem que ser feita não somente pensando na questão polonesa, mas principalmente olhando para os demais Estados-membros que, eventualmente, possam iniciar algum tipo de debate público questionando sua própria permanência no bloco", explicou o professor.
"Evitar o efeito cascata, o efeito dominó, tem que ser a principal preocupação do bloco europeu em uma eventual negociação com a Polônia", enfatizou.
Demétrius Pereira também ressaltou a importância de a UE manter uma posição negociadora com os poloneses.
"Acredito que a UE deva manter uma posição negociadora com a Polônia, mas também com algumas restrições diante dessa quebra de regras. Caso a Polônia realmente esteja disposta a participar da UE, então ela deve seguir as regras do bloco, então o bloco também tem o direito de adotar as medidas que julgar necessárias para que a Polônia cumpra com as regras", explicou.
Exemplo do Brexit é mais positivo ou negativo?
Falando sobre a influência do Brexit no Polexit, Thiago Babo acredita que a influência positiva ou negativa do Brexit depende da resposta europeia ao Brexit, não ao processo em si, mas ao que o Brexit coloca ao bloco europeu.
Com a saída do Reino Unido do bloco, há muito mais espaço livre para avanços que para retrocessos, já que quem impedia os avanços eram os britânicos. Contudo, para que esses avanços possam ocorrer é necessária vontade política.
"O exemplo dos britânicos por um lado foi bem-sucedido, porque eles conseguiram sair do bloco, que era algo que muitos consideravam difícil de conseguir, de se atingir. Por outro lado, os britânicos também estão sofrendo um desabastecimento grande, especialmente de mercadorias, porque deixaram de ter acesso ao mercado comum. Então também tem essa desvantagem grande que os britânicos vêm sofrendo com a saída da UE", concluiu Demétrius Pereira.