Desmatamento amazônico: analista não vê soluções regionais ou globais 'sem o Brasil sentado à mesa'
12:10 28.10.2021 (atualizado: 08:57 19.11.2021)
© AP Photo / Leo CorreaSeção da floresta amazônica ao lado de campos de soja no estado de Pará
© AP Photo / Leo Correa
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Ante o anúncio pelos EUA que criaria em breve uma parceria regional contra o desmatamento na Amazônia, a Sputnik Brasil ouviu a opinião de um especialista quanto à iniciativa e ao papel do Brasil no assunto.
Em 22 de outubro, durante a visita à Colômbia como parte de sua viagem pela América do Sul, o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken anunciou a intenção de Washington de lançar um pacto regional na Amazônia. Segundo apontou, a parceria será focada na redução do desmatamento e na proteção de terras indígenas na região amazônica.
Curiosamente, o Brasil, sendo o maior país amazônico, ficou de fora dessa visita e obviamente não participou das discussões desse pacto regional. A Sputnik Brasil dialogou com André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), que espera que uma nova parceria não signifique uma interferência na soberania dos países latino-americanos.
Embora os EUA não façam parte da América Latina e não tenham floresta amazônica em seu território, André Guimarães diz que a iniciativa de nova parceria regional demonstra uma disposição do governo americano de contribuir com processos de conservação da Amazônia, tal como outros países de fora da região amazônica, principalmente entre Estados europeus como Noruega, França, Reino Unido e Alemanha, que já há muitas décadas contribuem com recursos, tecnologia e cooperação técnica para promover a conservação da Amazônia.
"Esperamos que isso não signifique uma interferência na soberania dos países", expressa ele, uma vez que isso, na sua visão, seria na realidade "um tiro no pé, porque criaria animosidades e não sentido de coletividade, o sentido de colaboração" que é necessário para contribuir para a conservação da Amazônia.
Posição histórica do Brasil na resolução do problema
"O Estado brasileiro, a nação brasileira, é uma peça-chave no quebra-cabeças amazônico", afirma o diretor, apontando que o Brasil tem mais de 65% da região amazônica. Porém, ele relembra que é importante separar o Brasil e a sociedade brasileira do governo Bolsonaro.
Então, "independentemente do governo que esteja liderando o país [...] o Brasil tem uma posição histórica na contribuição positiva para a agenda das mudanças climáticas", acredita.
Para ilustrar suas palavras, ele recorda que entre 2003 e 2012 o Brasil conseguiu reduzir 80% do desmatamento da Amazônia e essa redução do desmatamento foi também a redução de emissões de carbono, que foi correspondente ao equivalente a toda a redução da União Europeia.
Conforme o especialista, nós infelizmente estamos vendo um aumento do desmatamento que em grande parte é impulsionado pela posição do governo federal. Mesmo assim, se se fizer a distinção entre o governo Bolsonaro e o Brasil, os brasileiros têm consciência da importância de conservar a Amazônia e "não toleram" o problema do desmatamento.
Desmatamento ilegal: razões e medidas de combate
Em abril de 2021, o presidente Jair Bolsonaro prometeu zerar o desmatamento ilegal até 2030. Mas, já que falamos de crime e ilegalidade neste caso, André Guimarães acha que essa meta deveria ser alcançada antes.
"Uma sociedade moderna não pode compactuar com ilegalidade por mais dez anos", disse. Ainda mais, na realidade é um compromisso anterior que faz parte do acordo de Paris desde 2015, aponta o especialista.
Entre as razões do desmatamento ilegal, cada vez mais acelerado, está principalmente a grilagem de terra, quando os criminosos se apropriam de terras públicas. Segundo os dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia compartilhados pelo especialista, nos últimos quatro anos 44% do desmatamento da Amazônia aconteceu em florestas públicas. Por isso, o principal instrumento para combater o desmatamento ilegal é eliminar a grilagem de terras públicas.
© AP Photo / Andre PennerPescadores pescam no rio Tapajós no distrito de Santarém, estado do Pará, 27 de agosto de 2020
Pescadores pescam no rio Tapajós no distrito de Santarém, estado do Pará, 27 de agosto de 2020
© AP Photo / Andre Penner
Além disso, é preciso implementar o Código Florestal com os limites de desmatamento, acredita o diretor. Em terceiro lugar, é necessário manter a integridade das terras indígenas, das áreas protegidas, como parques e reservas naturais.
Segundo ele, os territórios indígenas cumprem um papel fundamental "em eles sendo os guardiões dessas florestas". De acordo com dados do especialista, apenas entre 1 e 2% do desmatamento acontece dentro dos territórios indígenas e áreas protegidas. Assim, é comprovado pela ciência que quanto maior o grau da proteção das áreas, menor a taxa de desmatamento.
Instrumentos e incentivos para combater o desmatamento
Um instrumento extremamente importante existente no Brasil, do ponto de vista do analista, é a lei federal de Pagamento com Serviços Ambientais, aprovada pelo Congresso Nacional aproximadamente há dois meses.
Mesmo que seja uma lei nova, ela vai na direção certa, acredita André Guimarães: de premiar e remunerar aqueles proprietários de terra que conservem florestas e assim criar um valor para floresta dentro de uma propriedade privada.
Além disso, no Brasil existem também vários mecanismos financeiros: incentivos fiscais para algumas atividades de reflorestamento, taxas de juro mais baratas, mas eles são muito pequenos diante do tamanho do problema.
Ainda mais, na opinião do diretor, há decisões de nosso dia a dia que podem favorecer ou não a conservação da Amazônia: por exemplo, a sociedade de consumo pode escolher produtos que favorecem a manutenção da floresta, produtos que são produzidos de maneira sustentável.
Boicote não é solução do problema
Em 18 de outubro, os EUA anunciaram a criação da Lei Florestal 2021, que vai barrar a importação de produção agrícola pelos EUA de países com índices altos de desmatamento florestal. Essa lei cita o Brasil como exemplo de problema.
Na opinião do diretor, esse tipo de legislação pode ajudar, mas tem uma enorme chance de atrapalhar.
O boicote generalizado acaba penalizando aqueles que estão cumprindo a lei corretamente. Nesse caso, pode proibir a importação daquelas pessoas e fazendas que não desmatam.
"O problema exige soluções mais complexas. Boicote resolve o problema da consciência de quem boicota, mas não resolve o problema das cadeias de desmatamento, das cadeias da ilegalidade ou das cadeias da injustiça social."
'Dois Brasis' na próxima cúpula do clima
Em 31 de outubro se iniciará a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2021 em Glasgow, também conhecida como a COP26.
Conforme constata o especialista, dois Brasis vão se apresentar na COP26 de Glasgow: um "Brasil formal", que é o governo federal, que vai demonstrar que a situação não é tão grave e tentar convencer os outros pares disso.
Outro Brasil é a sociedade brasileira representada por empresas de energia, por instituições de pesquisa, por governos estaduais, que demonstra uma vontade da sociedade brasileira de cumprir os compromissos internacionais e especialmente os compromissos ligados ao meio ambiente e clima.
"Eu acho que o Brasil é um líder regional nato pelo tamanho, pelo tamanho da economia [...] pela credibilidade histórica do país. Não só em nível regional, em nível global: o Brasil é o sexto maior emissor de carbono do planeta. Eu não consigo ver soluções nem regionais, nem globais sem o Brasil sentado à mesa", concluiu.