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BRICS é a saída? Presidente eleito terá 'perspectiva de caos sistêmico' global

© Foto / brics-russia2020.ru / Acessar o banco de imagensBandeira do Brasil exibida em evento do BRICS em São Petersburgo, na Rússia (foto de arquivo)
Bandeira do Brasil exibida em evento do BRICS em São Petersburgo, na Rússia (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 04.10.2022
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O Brasil enfrenta grandes desafios no cenário internacional no próximo período. Diante da possibilidade de uma recessão global, o governo que assumir em 2023 terá que estar muito atento à conjuntura internacional.
Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil acreditam que o Brasil passou por uma inflexão nas relações exteriores nos últimos anos, deixando de lado o papel de liderança regional e global que o país representou em outros momentos.
Para Giovanna Zucatto, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a partir do governo de Michel Temer (MDB), em 2016, houve um "desmonte" da política externa consolidada anteriormente, com foco no crescimento do papel de liderança do país. Segundo a especialista, desde então, o Brasil tem abandonado certas práticas da sua tradição diplomática.
"Há uma diplomacia de realinhamento também, um realinhamento de pautas nos fóruns internacionais. A gente vai ver de uma maneira muito forte na questão ambiental, nos direitos das mulheres. Um realinhamento à diplomacia do Donald Trump [...] e o fortalecimento das redes de extrema-direita no mundo, ainda que não exatamente da diplomacia oficial, mas da atuação internacional do governo Jair Bolsonaro", explicou à Sputnik Brasil.

"O principal desafio é remontar a atuação internacional do Brasil para voltar a ser um player relevante nos fóruns internacionais. Voltar a se colocar como mediador de conflitos, voltar a priorizar o entorno estratégico na América do Sul, voltar a fortalecer as relações bilaterais com nossos parceiros históricos. [...] Reconstruir as relações diplomáticas e comerciais com os países da África e do sul global como um todo", aponta Zucatto.

© Foto / Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência BrasilPalácio Itamaraty, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF)
Palácio Itamaraty, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF) - Sputnik Brasil, 1920, 04.10.2022
Palácio Itamaraty, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF). Foto de arquivo
Para a especialista, a questão ambiental é fundamental nesse processo de reposicionamento do país, principalmente pela emergência de lideranças na América Latina alinhadas com essa agenda.
Nesse sentido, a pesquisadora também destaca que houve retrocessos nas relações com os países do BRICS e no Mercosul. Para ela, os parceiros históricos devem ser priorizados e tanto o BRICS quanto o Mercosul devem ser fortalecidos.

"O Brasil deve, nesse sentido, apoiar a entrada da Argentina no BRICS, construir um bloco forte sul-americano dentro do BRICS. Isso serve muito para reforçar o papel do BRICS no mundo, e a gente está pensando em um cenário [...] [de] uma recessão global, que não sabemos quanto tempo vai durar [...]. Ao mesmo tempo entender que o comércio internacional vai aos poucos se realinhando", disse Zucatto.

"Vejo como uma potencialidade muito grande a entrada da Argentina no BRICS, pensando esse bloco para além da questão política, reforçar o Banco do BRICS [Novo Banco de Desenvolvimento, NBD], tudo isso justamente tendo em vista que a gente vai entrar em uma recessão global, ou já entrou. Vejo isso como um passo para a gente se fortalecer economicamente nos próximos anos e para pensar em novas formas de fazer comércio que não sejam exatamente com o dólar", reforçou a especialista.
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'Perspectiva de caos sistêmico' para quem ganhar eleições

A situação global atualmente é bem diferente das encontradas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, e pelo presidente Jair Bolsonaro, em 2019, afirma o professor de relações internacionais das Faculdades de Campinas (Facamp) Pedro Costa Junior.
Segundo o especialista, independentemente de quem vencer as eleições em 30 de outubro, o próximo líder enfrentará uma "perspectiva do caos sistêmico", devido ao conflito ucraniano e seus efeitos subsequentes, como a corrida militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e as sanções econômicas do Ocidente.
Na sua avaliação, o presidente eleito ao fim do mês precisará estudar o "redesenho" global a partir de 1º de janeiro.

"É um mundo vivendo uma guerra na Europa envolvendo a maior potência nuclear global, a Rússia, com outras potências globais por trás dessa guerra. É um mundo radicalmente diferente de 2003 e de 2019. Esse é um primeiro elemento: quem ganhar vai encontrar um mundo completamente desafiador, na perspectiva do caos sistêmico", analisou Costa Junior, em entrevista à Sputnik Brasil.

© Sputnik / Sergei GuneevEm Moscou, o presidente da China, Xi Jinping (à esquerda), cumprimenta o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em 5 de junho de 2019
Em Moscou, o presidente da China, Xi Jinping (à esquerda), cumprimenta o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em 5 de junho de 2019 - Sputnik Brasil, 1920, 04.10.2022
Em Moscou, o presidente da China, Xi Jinping (à esquerda), cumprimenta o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em 5 de junho de 2019. Foto de arquivo
O especialista aponta ainda dois elementos-chave para a elevação das tensões globais: a expansão da OTAN sob o comando do Partido Democrata, após a eleição do presidente Joe Biden, nos EUA, e, em oposição, a aproximação entre China e Rússia contra o avanço da organização militar.

"A Eurásia vai reconfigurando as relações internacionais, a partir do eixo sino-russo. Junto a isso, temos uma reconfiguração 'atlanticista'", disse.

O professor lembra que, no governo do ex-presidente Donald Trump, os EUA buscaram reduzir os gastos com a OTAN e confrontaram aliados europeus. Segundo ele, com Biden e o início do conflito, a OTAN ressuscitou, capitaneada pelos EUA, que passaram a injetar bilhões de dólares e armamentos na Ucrânia, sustentando o governo de Vladimir Zelensky.

"Nas palavras de [Emmanuel] Macron [presidente da França], a OTAN vivia uma morte cerebral, porque o Trump a tinha implodido, chegando a falar em tirar os EUA da organização", recordou. "Temos um mundo onde o 'atlanticismo' vai sendo reordenado, com problemas sérios, pois os EUA estão divididos, porque há eleições e o trumpismo segue vivo, enquanto a Eurásia se reconfigura".

© AP Photo / Evan VucciO secretário de Estado Antony Blinken (à esquerda) e o secretário de Defesa Lloyd Austin (à direita) ouvem o presidente Joe Biden falar durante reunião de gabinete na Casa Branca, em 6 de setembro de 2022
O secretário de Estado Antony Blinken (à esquerda) e o secretário de Defesa Lloyd Austin (à direita) ouvem o presidente Joe Biden falar durante reunião de gabinete na Casa Branca, em 6 de setembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 04.10.2022
O secretário de Estado Antony Blinken (à esquerda) e o secretário de Defesa Lloyd Austin (à direita) ouvem o presidente Joe Biden falar durante reunião de gabinete na Casa Branca, em 6 de setembro de 2022. Foto de arquivo
Para o especialista, outro elemento importante presente atualmente é a questão climática. Costa Junior avalia que o país precisa de uma "política ambiental séria" para as próximas décadas, usando seu capital internacional.
"O Brasil tem a joia da coroa do mundo. A maior parte da Amazônia está no Brasil. Hoje isso tem um peso muito maior. O Brasil está nas Américas, sofre pressão draconiana do eixo atlântico, mas também está no BRICS, com Rússia e China, jogando dos dois lados, e é o centro da questão climática", afirmou.
O professor aponta que, na nova configuração global, o BRICS é fundamental. Ele diz que o mundo se deslocou para o Pacífico e que a China é "o novo cofre e a nova oficina do mundo".
Quanto ao Mercosul, Costa Junior afirma que o bloco sul-americano foi relegado pelo governo brasileiro. Para ele, a integração regional "foi desmoralizada" no mandato de Bolsonaro.

"Mais uma tragédia do governo é que o Itamaraty deixou de ter uma relação de Estado a Estado e passou a ter uma relação de governo a governo. O presidente Bolsonaro não foi à posse de diversos líderes da região por não serem alinhados à sua ideologia. Pega mal em termos de diplomacia", avalia.

Ele diz que, ao contrário de Bolsonaro, a política externa do governo Lula sempre priorizou a integração regional e as relações Sul–Sul. "Uma coisa que o Lula tem dito é sobre o processo de aprovação da Bolívia ao Mercosul, que só depende do Parlamento brasileiro aprovar", lembrou.
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'ONU está completamente ultrapassada'

O professor de relações internacionais aponta que um tema importante a ser debatido é o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Em sua visão, há anos o órgão já não representa a nova reordenação mundial.
Ele defende uma reforma para democratizar o conselho e contemplar importantes economias de todos os continentes.
Segundo o especialista, hoje a ONU é uma instituição "antiquada e engessada", que representa um mundo "que não existe mais" ao manter a mesma estrutura do período pós-Segunda Guerra Mundial.

"Precisamos que o conselho tenha, além de Alemanha, Japão e outras importantes economias, a Índia, uma potência populacional e nuclear, e algum país do sul global. Precisamos de um país africano, do Oriente Médio e da América Latina para falar em representatividade. A ONU está completamente ultrapassada", indicou.

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