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Reunião de Zelensky em Davos foi uma tentativa fracassada de obter apoio do Sul Global, diz analista
Reunião de Zelensky em Davos foi uma tentativa fracassada de obter apoio do Sul Global, diz analista
Sputnik Brasil
A reunião convocada por Vladimir Zelensky em Davos para apresentar sua "fórmula da paz" não foi um encontro sério e tinha como real objetivo obter o apoio do... 15.01.2024, Sputnik Brasil
2024-01-15T16:23-0300
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A reunião convocada pelo presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, no domingo (14), para discutir a chamada "fórmula da paz" de Kiev para o conflito entre Rússia e Ucrânia terminou sem resultados concretos ou objetivos traçados.Com a presença de representantes de 83 países, a reunião ocorreu à margem do Fórum Econômico Mundial, em Davos, que se inicia nesta segunda-feira (15) e vai até o dia 19. Foi a quarta reunião convocada sobre o tema, e novamente ocorreu sem a presença da Rússia, que não foi convidada a participar.A expectativa de Zelensky era aproveitar o encontro para reacender o interesse de aliados ocidentais na causa ucraniana, dissipado nos últimos meses em decorrência da fadiga em relação ao conflito. Ademais, a reunião visava jogar luz no conflito ucraniano, ofuscado pela ofensiva israelense na Faixa de Gaza.Porém a ausência da Rússia nas conversas foi apontada como um obstáculo para as negociações pelo assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Celso Amorim, que afirmou que pediu a abertura de um espaço de negociação com a Rússia para que seja possível gerar um ponto de convergência entre os dois lados do conflito.Nesta segunda-feira (15), o Kremlin se manifestou em relação à reunião. O porta-voz da presidência da Rússia, Dmitry Peskov, afirmou que o encontro convocado por Zelensky foi "apenas para falar".Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam por que a reunião excluiu Moscou e quais as chances de a fórmula da paz de Zelensky alcançar resultados concretos que levem ao fim do conflito.Para o professor de história e pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas (Nucleas), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), João Cláudio Pitillo, o fato de a Rússia não ter sido convidada para a reunião expõe o real objetivo de Zelensky, que, segundo ele, não tinha a ver com a paz. Ele afirma que o intuito da reunião era pressionar certos países que decidiram não apoiar a aventura da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e não apoiar a aventura da Ucrânia.O que a OTAN defende?O professor acrescenta que a ausência da Rússia mostra que não foi uma reunião séria, e afirma que "a Ucrânia já desejou a paz, mas esse desejo já foi completamente capturado pela OTAN, tendo à frente os Estados Unidos, que fizeram da Ucrânia uma plataforma de ataque contra a Rússia"."A coisa evoluiu para uma situação tão drástica que a última coisa que eles [Zelensky e OTAN] querem hoje é a paz", afirma Pitillo.Atualmente, a situação do conflito ucraniano está paralisada devido a interesses conflituosos entre as partes envolvidas, que impedem o alcance da paz. A Ucrânia exige a restauração de seu território com base nas fronteiras de 1991; a Rússia tem como objetivo a liberação total de Donbass; e o Ocidente, representado pela OTAN, não admite qualquer cenário em que a Rússia atinja alguma vitória ou tenha seus interesses atendidos.Quem é Zelensky e qual sua 'fórmula da paz'Questionado sobre se a fórmula de paz de Zelensky tem capacidade de resolver esse impasse, Pitillo afirma que a paz que Kiev exige é uma fantasia.Ele ressalta que em muitas das áreas liberadas a entrada das tropas russas foi recebida com aplausos, e Moscou "não pretende retroceder e deixar essa população à mercê de uma vingança, de uma revanche"."Isso não vai acontecer. Sabendo disso, eles criaram essas pautas impossíveis. E transferem o ônus da paz para a Rússia, falando: 'Olha, nós queremos a paz, estão aqui os nossos pontos, e vocês que se adequem a isso'. Isso não é uma negociação, isso não é sério."Pitillo diz ainda que Zelensky criou uma situação atípica na qual o lado perdedor tenta dar um ultimato ao lado que está vencendo o conflito, algo que ele afirma não existir em nenhum lugar do mundo.O especialista destaca que tal situação foi orquestrada por Zelensky e pela OTAN para que a paz não se estabeleça."A guerra tem sido lucrativa para esses atores imperialistas do Ocidente. Contudo, a não perspectiva de vitória começa a trazer danos internos para muitos desses atores. A gente já viu que a economia da Europa foi abalada pela questão da energia, que a energia também subiu nos EUA. A popularidade de [Joe] Biden é pequena, a população desses países não entende por que tanta subserviência a uma guerra que já se mostrou inviável. Ou seja, o ônus da guerra, que deveria ser da Rússia, na ideia deles, passou a ser desses países. Então há uma teimosia tática que é usada pelo Zelensky para impor pautas que não chegam à paz, que seriam impossíveis e que transferem o ônus para a Rússia. E aí vira uma guerra de retórica, de propaganda contra a Rússia, enquanto a OTAN vai ganhando tempo para saber o que fazer, como finalizar essa guerra mostrando menos prejuízo."Pitillo afirma que Zelensky sabe da importância do Sul Global na geopolítica mundial, assim como sabe o peso que o apoio de países que integram esse eixo teria para Kiev. Porém ele também tem consciência de que tais atores estão mais inclinados a apoiar Moscou.Segundo o especialista, o Sul Global percebeu "que o que está em jogo na Ucrânia é a derrota do imperialismo"."Hoje esse Sul Global entendeu que a Rússia trava uma luta importantíssima em vários campos, principalmente para mostrar que esse bicho-papão, esse gigante chamado OTAN, ele é um gigante de pé de barro, porque ele fabrica conflitos, cria conflitos. Nós vimos o exemplo da Iugoslávia, como é que foi completamente destruída, balcanizada, esquartejada. É essa a proposta da OTAN para o Leste Europeu. Não obstante nós vimos, nos últimos anos, quantos pequenos conflitos foram criados, sempre tendo essa coisa de adesão ao Ocidente nas fronteiras da Rússia. E a Ucrânia se tornou o [país] mais nevrálgico nesse ponto, pelo seu tamanho, pela sua capacidade, pela sua localização."Celso Amorim, governo Lula e a RússiaSobre a posição de Celso Amorim em relação a incluir a Rússia nas negociações, Pitillo afirma que ela reflete uma tendência do governo brasileiro sob a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "que sempre teve a intenção de buscar a paz incessantemente". Ele acrescenta que, nessa busca, "o Brasil descobriu que a Rússia não é um obstáculo para a paz"."O governo brasileiro descobriu também que todas as tentativas de conversa com Zelensky, com os representantes ucranianos, esbarram em ouvidos moucos. Ou seja, nada que não seja o pacote fechado da Ucrânia é levado em consideração. Todos esses atores que tentam articular com a Ucrânia, pelo menos um armistício, para que as pessoas parem de morrer, são ignorados. Então essa conversa de paz da Ucrânia se tornou vazia. O governo brasileiro percebeu", explica o especialista.Ele destaca que Zelensky tentou acessar o Sul Global por meio da Argentina, aproveitando a vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais do país."Javier Milei, aqui na Argentina, lhe deu algum protagonismo, tanto que ele [Zelensky] veio na posse do Javier Milei tentar angariar, junto com o Milei, uma reunião na América do Sul", diz o especialista, acrescentando que, no entanto, "Zelensky não foi recebido por ninguém na América Latina de peso".Ele afirma ainda que Zelensky "parece não ter autonomia quando fala de paz, porque foi imposto para ele, de fora para dentro, que ele deveria lutar até o fim e que a continuação da guerra levaria a algum tipo de vitória da Ucrânia ou da OTAN".Ucrânia: muita retórica, pouco esforçoA exclusão da Rússia da reunião de domingo visava impedir uma negociação de paz sólida. É o que afirma, em entrevista à Sputnik Brasil, Eden Pereira Lopes da Silva, professor de história, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre a África, Ásia e as Relações Sul-Sul (NIEAAS), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e membro do Grupo de Estudos 9 de Maio.Ele lembra que recentemente foi publicado um artigo no jornal Financial Times, com tom crítico a Zelensky, que afirmava que "as negociações de paz por parte da Ucrânia são mais conversas do que esforços para o alcance da paz de fato"."Isso significa que todos sabem que os discursos do presidente ucraniano são vazios, e que essa manobra é mais um conjunto de ações infrutíferas. O governo Zelensky foi incapaz de entregar vitórias políticas e militares à população ucraniana e aos governos da Europa e dos Estados Unidos, que enviaram bilhões de dólares em armas e recursos materiais e financeiros. Isso desgastou muito o atual presidente ucraniano, que está sendo cada vez mais contestado, dentro e fora do país."Ele acrescenta que atualmente Zelensky tem como único propósito justificar sua posição como presidente, e para isso tenta manter "o que resta de apoio entre os círculos políticos e econômicos que apoiam a continuidade da guerra na Ucrânia e na Europa".Silva afirma que no cenário atual não existe margem para uma negociação de paz. Segundo ele, "o que o governo ucraniano está tentando fazer, com o apoio e a orientação dos Estados Unidos e da União Europeia, é impor uma paz na qual a Rússia, que está em uma posição superior no campo de batalha, recue e faça uma rendição total"."Essa posição imutável do governo ucraniano desconsidera que a situação no campo de batalha impossibilita essas demandas. A Ucrânia não tem capacidades militares, políticas e diplomáticas para defender a sua proposta de manutenção de Donbass e reocupar a Crimeia. Entretanto essa posição é crucial para a sobrevivência do governo, pois a admissão da derrota seria não só o fim da guerra, mas também significaria o fracasso do presente projeto político que a Ucrânia seguiu após 2014. Isso inclui o governo Zelensky, os oligarcas ucranianos e todos os políticos que apoiaram o rumo atlântico do país", explica o professor.China fora do Fórum Econômico Mundial Ele aponta que a ausência da China na reunião "é um sinal da insignificância do esforço de Zelensky". O especialista argumenta que Pequim reconhece a importância do alcance da paz neste conflito para o alcance da estabilidade no Leste Europeu e para a normalização das relações russo-europeias. Porém a China também sabe "que o único caminho para a paz é por meio de um diálogo coletivo que inclua a Rússia, algo negado pela Ucrânia e por seus apoiadores internos e externos".Ele acrescenta que "a Rússia, que é vítima de uma verdadeira blitzkrieg [tática de guerra] econômica por parte dos países do G7/OTAN, é uma importante parceira de muitos desses países, que também sofrem os efeitos desse processo".De acordo com o especialista, a reunião "é um esforço desesperado de Zelensky de provar a sua utilidade para os Estados Unidos e para a Europa", assim como a ida a Davos."A participação do presidente ucraniano no fórum de Davos, que já não conta com a mesma presença de figuras políticas importantes que no passado, é um movimento para tentar trazer a Ucrânia de volta para o centro da agenda internacional, principalmente dos Estados Unidos e da Europa. A guerra de Israel contra a Palestina desviou o foco da política externa de Washington e Bruxelas e gerou, por consequência, a queda do suporte ao governo ucraniano. Zelensky sabe que esse apoio é crucial não só para o prosseguimento da guerra, mas para a manutenção de sua própria sobrevivência política."Porém Silva afirma que a derrota da Ucrânia já é aceita tanto pelo Sul Global quanto pelos próprios aliados de Kiev, por isso o apoio a Zelensky arrefeceu.
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A reunião convocada pelo presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, no domingo (14), para discutir a chamada "fórmula da paz" de Kiev para o conflito entre Rússia e Ucrânia terminou sem resultados concretos ou objetivos traçados.
Com a presença de representantes de 83 países, a reunião ocorreu à margem do Fórum Econômico Mundial, em Davos, que se inicia nesta segunda-feira (15) e vai até o dia 19. Foi a quarta reunião convocada sobre o tema, e novamente ocorreu sem a presença da Rússia, que não foi convidada a participar.
A expectativa de Zelensky era aproveitar o encontro para reacender o interesse de aliados ocidentais na causa ucraniana, dissipado nos últimos meses em decorrência da fadiga em relação ao conflito. Ademais, a reunião visava jogar luz no conflito ucraniano, ofuscado pela ofensiva israelense na Faixa de Gaza.
Porém
a ausência da Rússia nas conversas foi apontada como um obstáculo para as negociações pelo assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Celso Amorim, que afirmou que
pediu a abertura de um espaço de negociação com a Rússia para que seja possível gerar um ponto de convergência entre os dois lados do conflito.
Nesta segunda-feira (15),
o Kremlin se manifestou em relação à reunião. O porta-voz da presidência da Rússia, Dmitry Peskov, afirmou que o encontro convocado por Zelensky foi
"apenas para falar".
"Temos repetidamente dado a nossa avaliação deste processo. Na verdade, esta conversa é só para falar. É um processo que não é direcionado, e não pode ser direcionado, para alcançar um resultado concreto por uma razão óbvia e simples: não participamos lá", disse o porta-voz do Kremlin.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam por que a reunião excluiu Moscou e quais as chances de a fórmula da paz de Zelensky alcançar resultados concretos que levem ao fim do conflito.
Para o professor de história e pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas (Nucleas), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), João Cláudio Pitillo, o fato de a Rússia não ter sido convidada para a reunião expõe o real objetivo de Zelensky, que, segundo ele, não tinha a ver com a paz. Ele afirma que o intuito da reunião era pressionar certos países que decidiram não apoiar a aventura da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e não apoiar a aventura da Ucrânia.
"A ausência de representantes da Rússia na reunião prova que essa não é uma reunião para alcançar a paz. Pelo contrário, é uma reunião que visa pressionar principalmente os atores do Sul Global para que mudem a sua postura, ou de neutralidade ou pró-Rússia, para a necessidade da OTAN."
O professor acrescenta que a ausência da Rússia mostra que não foi uma reunião séria, e afirma que "a Ucrânia já desejou a paz, mas esse desejo já foi completamente capturado pela OTAN, tendo à frente os Estados Unidos, que fizeram da Ucrânia uma plataforma de ataque contra a Rússia".
27 de fevereiro 2023, 12:58
"A coisa evoluiu para uma situação tão drástica que a última coisa que eles [Zelensky e OTAN] querem hoje é a paz", afirma Pitillo.
Atualmente, a situação do conflito ucraniano está paralisada devido a interesses conflituosos entre as partes envolvidas, que impedem o alcance da paz. A Ucrânia exige a restauração de seu território com base nas fronteiras de 1991; a Rússia tem como objetivo a liberação total de Donbass; e o Ocidente, representado pela OTAN, não admite qualquer cenário em que a Rússia atinja alguma vitória ou tenha seus interesses atendidos.
Quem é Zelensky e qual sua 'fórmula da paz'
Questionado sobre se a fórmula de paz de Zelensky tem capacidade de resolver esse impasse, Pitillo afirma que a paz que Kiev exige é uma fantasia.
"É uma paz de ficção, uma paz mentirosa. Ela não é séria, não pode ser levada em consideração como uma pauta séria para um diálogo de âmbito das relações internacionais. Não é sério, exigir a retirada total da Rússia [de territórios liberados]. Isso não vai acontecer nem em curto nem em médio prazo."
Ele ressalta que em muitas das áreas liberadas a entrada das tropas russas foi recebida com aplausos, e Moscou "não pretende retroceder e deixar essa população à mercê de uma vingança, de uma revanche".
"Isso não vai acontecer. Sabendo disso, eles criaram essas pautas impossíveis. E transferem o ônus da paz para a Rússia, falando: 'Olha, nós queremos a paz, estão aqui os nossos pontos, e vocês que se adequem a isso'. Isso não é uma negociação, isso não é sério."
Pitillo diz ainda que Zelensky criou uma situação atípica na qual o lado perdedor tenta dar um ultimato ao lado que está vencendo o conflito, algo que ele afirma não existir em nenhum lugar do mundo.
"Quem está vencendo não vai receber ultimato. E olha que interessante, a Rússia poderia hoje estar se arvorando a dar um ultimato. E a Rússia a todo momento exige negociações. É algo até um tanto inusitado. A Rússia está ganhando a guerra, avança paulatinamente e mesmo assim exige negociar, exige paz, exige conversas sérias e pede para que atores independentes participem disso. Ou seja, a Rússia quer congregar para a paz e é barrada, e recebe do Zelensky um ultimato."
O especialista destaca que tal situação foi orquestrada por Zelensky e pela OTAN para que a paz não se estabeleça.
"A guerra tem sido lucrativa para esses atores imperialistas do Ocidente. Contudo, a não perspectiva de vitória começa a trazer danos internos para muitos desses atores. A gente já viu que a economia da Europa foi abalada pela questão da energia, que a energia também subiu nos EUA. A popularidade de [Joe] Biden é pequena, a população desses países não entende por que tanta subserviência a uma guerra que já se mostrou inviável. Ou seja, o ônus da guerra, que deveria ser da Rússia, na ideia deles, passou a ser desses países. Então há uma teimosia tática que é usada pelo Zelensky para impor pautas que não chegam à paz, que seriam impossíveis e que transferem o ônus para a Rússia. E aí vira uma guerra de retórica, de propaganda contra a Rússia, enquanto a OTAN vai ganhando tempo para saber o que fazer, como finalizar essa guerra mostrando menos prejuízo."
Pitillo afirma que Zelensky sabe da
importância do Sul Global na geopolítica mundial, assim como sabe o peso que o apoio de países que integram esse eixo teria para Kiev.
Porém ele também tem consciência de que tais atores estão mais inclinados a apoiar Moscou.
"É óbvio que o Sul Global, já conhecendo as artimanhas imperialistas de Estados Unidos, Inglaterra e União Europeia, percebeu que o que está em campo na Ucrânia é muito mais do que a simples defesa da Rússia. É a defesa de ter o direito à integralidade do seu território. É o direito que você tem de não ter bases estrangeiras na sua fronteira maquinando 24 horas [por dia], conspirando 24 horas [por dia] quanto ao seu governo, quanto ao seu território, quanto à sua população, quanto ao seu modo de viver. Ou seja, é contra a hegemonia pura."
Segundo o especialista, o Sul Global percebeu "que o que está em jogo na Ucrânia é a derrota do imperialismo".
"Hoje esse Sul Global entendeu que a Rússia trava uma luta importantíssima em vários campos, principalmente para mostrar que esse bicho-papão, esse gigante chamado OTAN, ele é um gigante de pé de barro, porque ele fabrica conflitos, cria conflitos. Nós vimos o exemplo da Iugoslávia, como é que foi completamente destruída, balcanizada, esquartejada. É essa a proposta da OTAN para o Leste Europeu. Não obstante nós vimos, nos últimos anos, quantos pequenos conflitos foram criados, sempre tendo essa coisa de adesão ao Ocidente nas fronteiras da Rússia. E a Ucrânia se tornou o [país] mais nevrálgico nesse ponto, pelo seu tamanho, pela sua capacidade, pela sua localização."
6 de novembro 2023, 10:39
Celso Amorim, governo Lula e a Rússia
Sobre a posição de Celso Amorim em relação a incluir a Rússia nas negociações, Pitillo afirma que ela reflete uma tendência do governo brasileiro sob a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "que sempre teve a intenção de buscar a paz incessantemente". Ele acrescenta que, nessa busca, "o Brasil descobriu que a Rússia não é um obstáculo para a paz".
"O governo brasileiro descobriu também que todas as tentativas de conversa com Zelensky, com os representantes ucranianos, esbarram em ouvidos moucos. Ou seja, nada que não seja o pacote fechado da Ucrânia é levado em consideração. Todos esses atores que tentam articular com a Ucrânia, pelo menos um armistício, para que as pessoas parem de morrer, são ignorados. Então essa conversa de paz da Ucrânia se tornou vazia. O governo brasileiro percebeu", explica o especialista.
"Você pode ver que Lula faz de tudo para se esquivar do Zelensky. As manobras do Zelensky contra o presidente Lula, agressões, xingamentos, tentativa de ridicularizar o presidente Lula, forçando situações que não são habituais, não são costumeiras, não são éticas no âmbito das relações internacionais, isso tudo fez com que o presidente Lula passasse a ver a guerra não só como um movimento bélico, mas como uma orquestração política que visava comprometer a Rússia, o BRICS e todo o Sul Global", complementa.
Ele destaca que Zelensky tentou acessar o Sul Global por meio da Argentina, aproveitando a vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais do país.
"Javier Milei, aqui na Argentina, lhe deu algum protagonismo, tanto que ele [Zelensky] veio na posse do Javier Milei tentar angariar, junto com o Milei, uma reunião na América do Sul", diz o especialista, acrescentando que, no entanto, "Zelensky não foi recebido por ninguém na América Latina de peso".
Ele afirma ainda que Zelensky "parece não ter autonomia quando fala de paz, porque foi imposto para ele, de fora para dentro, que ele deveria lutar até o fim e que a continuação da guerra levaria a algum tipo de vitória da Ucrânia ou da OTAN".
"Só que passados quase dois anos, nós descobrimos que a palavra 'vitória' é impossível tanto para a Ucrânia quanto para a OTAN. Então Zelensky segue um padrão que foi imposto desde Washington, […] ele se tornou um cativo disso. Zelensky sofre com baixa popularidade em seu país, não é uma pessoa de articulação internacional, é uma pessoa fraca e vacilante e se tornou uma marionete de guerra. Então Zelensky não tem vontade [própria], ele vai cumprir a pauta que lhe for dada, desde Bruxelas, desde Londres, desde Washington. Infelizmente, Zelensky se tornou um fantoche."
Ucrânia: muita retórica, pouco esforço
A exclusão da Rússia da reunião de domingo visava impedir uma negociação de paz sólida. É o que afirma, em entrevista à Sputnik Brasil, Eden Pereira Lopes da Silva, professor de história, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre a África, Ásia e as Relações Sul-Sul (NIEAAS), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e membro do Grupo de Estudos 9 de Maio.
"A exclusão da Rússia é proposital, pois quando os governos russo e ucraniano conseguiram conversar face a face, ainda no começo do conflito, entre fevereiro e março de 2022, um acordo quase foi alcançado. Hoje todos sabem que quem impediu, e quem ainda impede a participação da Rússia nessas negociações para que um cessar-fogo seja alcançado, são os Estados Unidos e a União Europeia, que também são partes ativas neste conflito e que têm interesse na continuidade da guerra."
Ele lembra que recentemente foi publicado um artigo no
jornal Financial Times, com tom crítico a Zelensky, que afirmava que
"as negociações de paz por parte da Ucrânia são mais conversas do que esforços para o alcance da paz de fato".
"Isso significa que todos sabem que os discursos do presidente ucraniano são vazios, e que essa manobra é mais um conjunto de ações infrutíferas. O governo Zelensky foi incapaz de entregar vitórias políticas e militares à população ucraniana e aos governos da Europa e dos Estados Unidos, que enviaram bilhões de dólares em armas e recursos materiais e financeiros. Isso desgastou muito o atual presidente ucraniano, que está sendo cada vez mais contestado, dentro e fora do país."
Ele acrescenta que atualmente Zelensky tem como único propósito justificar sua posição como presidente, e para isso tenta manter "o que resta de apoio entre os círculos políticos e econômicos que apoiam a continuidade da guerra na Ucrânia e na Europa".
"A chegada do verão, e possivelmente de uma firme ofensiva russa contra as atuais frágeis linhas de defesa [ucranianas], pode resultar na perda de mais importantes cidades e regiões no sul e no leste. Isso inviabilizaria a sua continuidade na presidência. Essa mudança no poder pode não ser o fim do conflito na Ucrânia, mas possibilitaria o fim da carreira política de Zelensky."
Silva afirma que no cenário atual não existe margem para uma negociação de paz. Segundo ele, "o que o governo ucraniano está tentando fazer, com o apoio e a orientação dos Estados Unidos e da União Europeia, é impor uma paz na qual a Rússia, que está em uma posição superior no campo de batalha, recue e faça uma rendição total".
"Essa posição imutável do governo ucraniano desconsidera que a situação no campo de batalha impossibilita essas demandas. A Ucrânia não tem capacidades militares, políticas e diplomáticas para defender a sua proposta de manutenção de Donbass e reocupar a Crimeia. Entretanto essa posição é crucial para a sobrevivência do governo, pois a admissão da derrota seria não só o fim da guerra, mas também significaria o fracasso do presente projeto político que a Ucrânia seguiu após 2014. Isso inclui o governo Zelensky, os oligarcas ucranianos e todos os políticos que apoiaram o rumo atlântico do país", explica o professor.
China fora do Fórum Econômico Mundial
Ele aponta que a ausência da China na reunião "é um sinal da insignificância do esforço de Zelensky". O especialista argumenta que Pequim reconhece a importância do alcance da paz neste conflito para o alcance da estabilidade no Leste Europeu e para a normalização das relações russo-europeias. Porém a China também sabe "que o único caminho para a paz é por meio de um diálogo coletivo que inclua a Rússia, algo negado pela Ucrânia e por seus apoiadores internos e externos".
"O governo chinês fez uma importante proposta de 12 pontos no ano passado que recebeu apoio de muitos países, principalmente no antigo Terceiro Mundo, chamado hoje de Sul Global. No entanto, o governo ucraniano ignorou a mediação chinesa e insistiu em sua posição de ignorar os resultados do campo de batalha por pressões internas e externas, principalmente dos Estados Unidos. Os países do Sul Global sabem que as negociações de paz na Ucrânia são cruciais para estabilizar as cadeias de abastecimento da economia mundial que envolvem alimentos, insumos industriais e agrícolas e o mercado energético."
Ele acrescenta que "a Rússia, que é vítima de uma verdadeira blitzkrieg [tática de guerra] econômica por parte dos países do G7/OTAN, é uma importante parceira de muitos desses países, que também sofrem os efeitos desse processo".
"Esses países apoiam a presença da Rússia e reconhecem a importância de suas demandas, pois sabem que a paz apenas pode ser alcançada mediante a satisfação das necessidades de uma segurança coletiva de todos os Estados. Os países do Sul Global sabem que essa guerra é o resultado do desrespeito à ideia de uma segurança compartilhada a partir da manutenção e da expansão da OTAN em direção às fronteiras da Rússia no pós-Guerra Fria."
De acordo com o especialista, a reunião "é um esforço desesperado de Zelensky de provar a sua utilidade para os Estados Unidos e para a Europa", assim como a ida a Davos.
"A participação do presidente ucraniano no fórum de Davos, que já não conta com a mesma presença de figuras políticas importantes que no passado, é um movimento para tentar trazer a Ucrânia de volta para o centro da agenda internacional, principalmente dos Estados Unidos e da Europa. A guerra de Israel contra a Palestina desviou o foco da política externa de Washington e Bruxelas e gerou, por consequência, a queda do suporte ao governo ucraniano. Zelensky sabe que esse apoio é crucial não só para o prosseguimento da guerra, mas para a manutenção de sua própria sobrevivência política."
Porém Silva afirma que a derrota da Ucrânia já é aceita tanto pelo Sul Global quanto pelos próprios aliados de Kiev, por isso o apoio a Zelensky arrefeceu.
"O esforço para atrair o Sul Global para as negociações por meio do Brasil, da África do Sul e da Arábia Saudita é também uma tentativa de ganhar protagonismo e força para pedir aos Estados Unidos e à OTAN mais recursos para guerra. Porém tanto os países do Sul Global quanto os membros do círculo G7 e OTAN sabem que a Ucrânia está derrotada militarmente, e que as manobras publicitárias e midiáticas de Zelensky são vazias e inúteis", conclui o especialista.