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Políticas anti-imigração na Europa: xenofobia com nova roupagem ou direito soberano?

© AP Photo / Valeria MongelliMigrantes a bordo de um bote inflável acabam na água antes de serem resgatados, a cerca de 35 milhas da Líbia. Outubro de 2021
Migrantes a bordo de um bote inflável acabam na água antes de serem resgatados, a cerca de 35 milhas da Líbia. Outubro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 18.09.2024
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"Os refugiados forçados a vagar de país em país representam a vanguarda de seus povos […]. O respeito recíproco dos povos europeus se estraçalhou quando, e porque, permitiu-se que os membros mais fracos fossem excluídos e perseguidos."
A afirmação, da filósofa política Hannah Arendt, escrita em 1943, no ensaio "Nós, os refugiados", segue atual 80 anos depois?
Ou as recentes medidas tomadas por países da União Europeia (UE) para limitar a entrada de determinados imigrantes são justas e um direito soberano?
Na Alemanha, por exemplo, o governo iniciou o controle temporário nas fronteiras sob a alegação de combater a migração irregular e proteger a população de ameaças como o extremismo islâmico, após um imigrante muçulmano matar a facadas três pessoas e ferir oito. O país também suspendeu o Tratado de Schengen, que garante a livre circulação de pessoas.
No Reino Unido, houve protestos por todo o país no mês passado, por causa das mortes de três meninas atacadas a facadas por um adolescente, filho de imigrantes de Ruanda. Medidas mais antigas já são tomadas na Hungria e na Itália.
Para debater esse assunto, a Sputnik Brasil convidou para seu podcast Mundioka o doutor (Universidade de Brasília, UnB) e mestre (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS) em relações internacionais Bruno Mendelski; e o professor de relações internacionais do Ibmec São Paulo Carlo Cauti, nesta quarta-feira (18).
Para Mendelski, que também é pesquisador do Núcleo de Pesquisa sobre as Relações Internacionais do Mundo Árabe (Nuprima), da UFRGS, as recentes medidas são discriminatórias e representam o "enfraquecimento da democracia, da legitimidade da democracia".
Ele citou como exemplo a política migratória inglesa de pagar Ruanda para receber migrantes irregulares do Reino Unido.

"Esse projeto não foi uma medida imposta unilateralmente pelo Partido Conservador, ela foi aprovada no Parlamento. Ou seja, a maior parte do Parlamento aprovou uma medida que era claramente discriminatória e racista. Enfim, que bom que foi agora revogada pelos trabalhistas", opinou.

O pesquisador gaúcho comentou que estudos de agências da UE apontam que até o ano 2100 o continente vai perder 27 milhões de pessoas e que o déficit de trabalhadores já é sentido nos dias de hoje.

"Há essa grande contradição: há uma necessidade de mão de obra para manter a economia funcionando, mas, por outro lado, há uma grande resistência em parte significativa das sociedades e dos governos em aceitar os migrantes".

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Carlo Cauti argumentou que nem todos os migrantes têm o direito automático a pedir asilo na Europa.

"Existem os migrantes econômicos, que mudam de um país para outro procurando um emprego melhor; mas existem também refugiados, que fogem, por exemplo, de perseguições, de torturas. Os refugiados têm direito de permanecer em solo europeu porque têm direito ao asilo político, mas os imigrantes econômicos não", argumentou ele. "Então essas pessoas, elas devem ser repatriadas, mas isso não é uma forma discriminatória, isso é a aplicação das leis, inclusive internacionais."

O professor defendeu ainda que os países têm direito de limitar os ingressos de migrantes.
"Dependendo das necessidades que têm e do fato de acreditarem que aquela pessoa possa ou não se integrar com a sua comunidade nacional. Isso não se aplica aos refugiados, porque eles, sim, têm direito automático de serem acolhidos por causa das perseguições que sofrem […]. Mas os refugiados são uma pequena parcela do mundo migratório internacional. A enorme maioria não tem esse direito."
Já para o pesquisador do Rio Grande do Sul, essa definição tem dois pesos e duas medidas, em que migrantes desejados e indesejados são classificados com viés racista e preconceituoso.

"Se o imigrante é branco, cristão e vem de um país de renda alta, ele recebe um tratamento totalmente diferente da maior parte dos migrantes que hoje a Europa recebe, que são justamente as pessoas do norte da África e do Oriente Médio [...] Há um preconceito contra os migrantes, muito forte, mas contra um tipo específico de migrantes."

O que o pesquisador da UFRGS chamou de xenofobia, o professor do Ibmec classificou como incompatibilidade de valores de muitas dessas culturas com a cultura europeia. Ele destacou que em países como a Alemanha, em que cerca de 30% dos habitantes vêm de outras nações, tem ocorrido esse choque de civilizações.
Esse choque se intensifica principalmente porque as novas gerações de imigrantes "continuam sendo cidadãos e culturalmente ligados aos países de origem e rejeitam a cultura do país onde estão", criando um "separatismo interno".

"Isso acaba incompatibilizando essa necessidade dos países europeus de mão de obra que existe com a necessidade de ter uma certa homogeneidade, um mínimo cultural para manter uma estabilidade social."

Cauti defendeu que a única forma de coexistência pacífica de populações no mesmo território ocorre quando há aceitação dos usos dos costumes, especialmente das leis do país para onde se migra.

"Os países da Europa são países secularizados, onde não existe uma interferência da religião no Estado ou nas leis. E como compatibilizar isso, por exemplo, com a poligamia ou com a discriminação feminina no caso de populações que vêm de alguns países árabes, ou com a mutilação genital feminina, por exemplo, que 90% das mulheres somalianas sofrem isso e na Europa claramente é proibido?", questiona.

Entretanto, para Mendelski, a aparente incompatibilidade de culturas tem relação com a xenofobia do europeu, que, segundo ele, é um sentimento de superioridade sobre determinados povos, sobretudo os colonizados. Ele defendeu que a intolerância em relação à cultura e à religião ocorre sobretudo contra os imigrantes.
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O pesquisador gaúcho comentou ainda que a agência de direitos humanos da UE divulgou um estudo sobre a prevalência de discriminação em vários países do bloco: "Imigrantes que vivem na Áustria retrataram que 67% deles se sentiram discriminados. Na Alemanha, 65%. Finlândia, 57%, enquanto em Portugal, 17%".

"Há uma antipatia histórica e um sentimento de superioridade, um etnocentrismo que foi usado como justificativa para o período colonial. […] infelizmente, pelo quadro da situação, os conflitos, a instabilidade, a divisão do mundo, não sou muito, no curto prazo, otimista de que os países, sobretudo da Europa, que precisam dessas pessoas, possam ter políticas que minimamente cumpram com os direitos humanos,"

Mendelski frisou que as agências europeias reconhecem o problema do preconceito e da xenofobia com dados e estudos, mas que as comprovações não saem do papel.

"Faltam grandes lideranças europeias que realmente compreendam que essa questão da migração é não apenas um dever moral, sobretudo em um continente que é o berço dos direitos humanos, que é o berço do Iluminismo, como também uma questão estratégica para o próprio desenvolvimento da Europa", argumentou ele.

Ele completou afirmando que a prioridade de todo o Estado deve ser o bem-estar dos seres humanos e da natureza.
"Então acho que a gente tem que começar a olhar para a questão da migração como seres humanos, para se colocar no lugar dessas pessoas que estão migrando, que poderiam ser nós", concluiu ele.
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