Diante destas constatações, a Sputnik Brasil conversou com um especialista em Segurança Pública, o Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo, José Vicente da Silva, que foi Secretário Nacional de Segurança Pública no governo Fernando Henrique Cardoso, e hoje presta serviços de Consultoria em Segurança Pública. Para o especialista, estes fatos acentuam as inúmeras contradições em que o Brasil se vê implicado:
José Vicente da Silva está convencido de que o Brasil atual, em termos de Segurança Pública, atingiu um ponto que se pode retratar como tragédia humanitária:
"O Brasil vive uma guerra unilateral em que as vítimas são seus próprios cidadãos. Infelizmente, nós não vemos nas discussões políticas que acontecem no país nenhuma relevância para a questão da violência. Esta violência tem custos muito elevados: do ponto de vista humano e social, as perdas são irreparáveis. E, do ponto de vista econômico-financeiro, cálculos de órgãos como Ministério da Fazenda e Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) avaliam em 5% do PIB (Produto Interno Bruto) o Custo Brasil da violência. Isso é quase 1 bilhão de reais por dia."
"Isso é uma grave deficiência do aparato policial do Brasil, principalmente da Polícia Federal que tem a incumbência de cuidar dos crimes de caráter transnacional como a entrada no país de drogas, armas e munições que vão abastecer os grandes centros urbanos. É visível que as ações das autoridades em alguns estados não foram suficientes para conter, impedir, a entrada destes produtos. Com isso, as mais perigosas facções criminosas se fortaleceram e ainda estabeleceram franquias pelo país. Infelizmente, nós não vemos ações governamentais que se preocupem em conter esse verdadeiro surto de violência pelo país."
Além da intimidação contra as autoridades e contra a própria população, os traficantes de drogas têm objetivos muito claros, ao utilizar o arsenal que possuem, afirma José Vicente:
"O armamento pesado utilizado pelos criminosos — e este é um problema muito grave no Rio de Janeiro — tem o claro objetivo de marcar território. Vê-se com muita clareza que organizações criminosas rivais lutam entre si para demarcar o que consideram como seus próprios territórios. Isso, repito, é muito grave. Além de se enfrentar mutuamente, as facções criminosas também utilizam este armamento pesado nos vários confrontos com a polícia. E qual o resultado de tudo isso? Mais violência vitimando a população deste estado, uma violência que as autoridades não conseguem conter."
"Fala-se muito em adotar o Plano Nacional de Segurança Pública. Há potencial para isso. Mas, antes desta implantação, é preciso dar treinamento e preparação aos policiais. Não basta colocar o policial em confronto direto com os criminosos. Antes, é preciso aprimorar sua formação com estratégias de adestramento, o que inclui Inteligência e Estratégia."
Outra questão que necessita de resoluções urgentes é a da vulnerabilidade das fronteiras, na avaliação do Coronel José Vicente da Silva. Embora existam mecanismos para intensificar esta vigilância, o foco primordial deve recair sobre a liberação de recursos financeiros para que as ações repressivas sejam verdadeiramente eficazes:
"O Brasil tem um desafio muito grande pela frente, fiscalizar seu imenso território de 17 mil quilômetros de fronteiras, justamente as regiões por onde passam munições, armamentos e entorpecentes que chegam aos narcotraficantes dos grandes centros urbanos. Isto não se faz apenas com voluntarismo. Nós já temos o Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) mas ele só será plenamente eficiente se houver recursos financeiros e aparatos tecnológicos suficientes para implementá-lo. Do contrário, os criminosos continuarão levando a melhor sobre as autoridades e provocando um número cada vez maior de vítimas inocentes na sociedade."