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Pesquisadores brasileiros colaboram para a compreensão científica da ‘Partícula de Deus’

Um sistema de filtragem online de elétrons desenvolvido por pesquisadores do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) foi escolhido como referência por um dos principais laboratórios do mundo que investiga a origem do universo.
Sputnik

A Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern) utiliza o sistema, denominado Neuralringer, que amplia de forma considerável o número de choques entre prótons para aumentar os eventos físicos, essenciais à investigação e descoberta de possíveis novas partículas. O sistema, desenvolvido pelos pesquisadores da Coppe, permite decidir a cada 10 milissegundos quais informações reter entre os mais de 60 Terabytes de informação geradas a cada segundo nas passagens de feixes de partículas conduzidas no laboratório.

O Atlas, que em outubro do ano passado completou 25 anos de existência, tem tido papel importante em descobertas científicas recentes, como a pesquisa que detectou pela primeira vez o fenômeno da dispersão de luz pela luz, previsto pela teoria quântica e na descoberta do bóson de Higgs, a chamada "Partícula de Deus", que procura reproduzir a explosão de energia do Big Bang que teria dado origem ao universo e que rendeu aos cientistas Petter Higgs e François Englert o Prêmio Nobel de Física de 2013.

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Para o professor de Engenharia Elétrica da Coppe, José Manoel de Seixas, coordenador das pesquisas da solução brasileira que está sendo utilizada no Cern, esse reconhecimento é importante para toda a comunidade científica brasileira. Segundo ele, a filtragem online reduz a demanda computacional para coletar e preservar o grande volume de informações gerado pelos experimentos.

Seixas lembra que o Atlas é o maior conjunto de detectores de partículas no Túnel de Colisão de Partículas (LHC na sigla em inglês), um estrutura subterrânea com 27 quilômetros de extensão na fronteira entre França e Suíça, dotado de uma estrutura com 22 metros de altura, 44 metros de comprimento e 7 mil toneladas, e que a parceria entre o Cern e a Coppe já data de três décadas. À época do anúncio do projeto foi grande a repercussão internacional e o receio de que os experimentos provocassem o surgimento de buracos negros que destruiriam todo o planeta.

"O Atlas, experimento no qual a gente trabalha, está no lado suíço, e a conjunção com outro experimento em 2012 confirmou a existência dessa partícula o bóson de Higgs que estava sendo caçado há cerca de 50 anos pela comunidade científica. Temos uma espécie de charuto com vários prótons sendo acelerados e colididos, o que permite o aparecimento de partículas muito energéticas e com isso a gente pode ter certas previsões teóricas de modelos para uma situação bastante próxima do que teria sido a origem do universo", explica o professor da Coppe. Ele confirma o temor, à época, de parte da população com o trabalho do Atlas. 

"Isso partiu a partir de pesquisadores no Havaí que avaliaram que, com essas colisões, a gente iria produzir pequenos buracos negros que iam destruir o mundo e, ao destruir o mundo, atrapalhar os interesses do Havaí", brinca o especialista. “O fato chamou muita atenção da mídia e da população em geral. Lembro uma vez de estar em uma reunião em Genebra e quando peguei o trem para voltar para a cidade onde estava hospedado duas senhoras perguntaram o que eu fazia. "Ah! Vocês vão destruir o planeta'", recorda Seixas.

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Com relação ao Neuralringer, a solução brasileira que ajuda os trabalhos da pesquisa na Europa, Seixas diz que os experimentos fazem 40 milhões de colisões de prótons por segundo. O Atlas sozinho gera cerca de 100 Terabytes por segundo, número infinitamente superior à capacidade de armazenagem de um celular, por exemplo, que tem 16 Gigabytes de memória. A dificuldade, segundo o especialista, é que não haveria lugar físico para armazenar essa quantidade de dados. A solução foi criar essa espécie de filtro que reduz de duas a seis vezes a demanda por processamento. A rede neural então toma a decisão sobre se determinada colisão particular é algo que interessa ao experimento. "Quando começamos o experimento, fazíamos 25 colisões em média e agora estamos chegando a 88", explica o professor.

Em dezembro último, um projeto visando ao aperfeiçoamento do algoritmo do Neuralringer foi aprovado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (Capes) e pelo Comitê Francês de Avaliação de Cooperação Universitária com o Brasil (Cofecub), prevendo um intercâmbio de pesquisadores da Coppe com a Université Paris VI e a Université Clermont-Ferrand (Blaise Pascal) com duração até 2021. O professor da Coppe destaca a importância dessa iniciativa.

"Já temos 30 anos nessa história e temos um certo destaque em algumas áreas em que trabalhamos, notadamente na área de instrumentação, filtragem, reconhecimento de padrões. De um lado, você tem a possibilidade de interagir com universidades de ponta. Um dos desdobramentos desse trabalho do Neuralringer é o de calibrar a estimação de energia, usando os anéis e aproveitando certas simetrias que existem no feixe. Isso foi uma proposta feita com o pessoal de Paris e agora ganhou mais consistência de exploração. Em particular com a Clermont-Ferrand, a gente faz parte do grupo que desenvolveu a calorimetria, que mede a caloria das partículas do feixo", observa o especialista. 

Seixas lembra que hoje a participação do Brasil no Atlas envolve não só a Coppe e a UFRJ, como também a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Juiz de Fora, Universidade Federal de São João Del Rey, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal da Bahia, entre outros. 

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