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No dia do Índio, a festa é Agro: entenda a disputa entre indígenas e ruralistas

No aniversário de 75 anos da criação do dia do Índio no Brasil, os povos indígenas seguem sob um processo de resistência. Com o avanço dos acordos de Michel Temer com os ruralistas, a Sputnik Brasil explica o que esperar da situação indígena no país.
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"Desde o começo os povos indígenas entendem que o atual governo brasileiro é um governo golpista, que não tem legitimidade nenhuma para propor qualquer tipo de reforma ou qualquer tipo de política pública que vise retirar os direitos, não só dos povos indígenas, mas de toda uma coletividade", afirmou em entrevista à Sputnik Brasil o advogado e indígena Luiz Eloy Terena, um dos assessores do Associação Nacional dos Povos Indígenas, a APIB.

Luiz é um dos organizadores do Acampamento Terra Livre, que levará milhares de lideranças indígenas para Brasília pelo 15º ano consecutivo com o objetivo de cobrar as autoridades pela garantia dos direitos dos povos indígenas.

Assim como aconteceu em 2017, esse ano o Acampamento Terra Livre será organizado com atividades na Esplanada dos Ministérios, entre os dias 23 e 27 de abril. Para o acampamento, são esperadas lideranças dos povos indígenas e ativistas que defendem os direitos desse grupo. A ideia é levar adiante as pautas e reivindicações indígenas. Entre elas, a busca por políticas de Saúde e o protesto contra empreendimentos que ameaçam os territórios indígenas, como atividades de mineração.

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"Além de ter a plenária instalada na Esplanada dos Ministérios, as lideranças vão estar visitando também os ministérios, o Congresso Nacional, a AGU e o gabinete dos Ministros do STF, porque nós temos ali alguns processos que são importantes para o movimento indígena e que a qualquer momento pode ser pautado pelo STF. Então as lideranças vão estar fazendo essa incidência política no poder Judiciário, além do Executivo e do Legislativo", antecipa Luiz Eloy à reportagem.

Entre as principais bandeiras levantadas pelo movimento indígena brasileiro, segue a demarcação de terras indígenas, que desde o ano passado está com seus processos completamente paralisados, ao mesmo tempo que cresce a violência no campo. Esse será o principal tema no acampamento de 2018, um movimento de protesto que já existe há 15 anos.

"Esse ano o Acampamento Terra Livre espera aproximadamente 4 mil lideranças indígenas. O tema é ‘Unificar a luta em torno de um Brasil indígena'. As comunidades vão estar trazendo as suas demandas. A principal delas é a demarcação das terras indígenas".

Se em 2017, as lideranças foram recebidas com gás lacrimogêneo na capital do país, este ano as expectativas também não são das melhores. Com o prosseguimento da crise política, a violência no campo novamente bateu recordes, e entre as principais vítimas assassinadas, seguem estando os indígenas.

No dia do Índio, os avanços da bancada ruralista lembram a História

Em 1997, as ruas de Brasília se acenderam de forma funesta. O fogo vinha de cima sobre o corpo do líder Pataxó Galdino Jesus dos Santos. Os assassinos, 5 homens de classe média, disseram à imprensa da época que se tratava de "uma brincadeira". Eles teriam pensado que "era apenas um mendigo".

O caso infeliz ganhou fama, e segue na memória popular brasileira como um exemplo de crueldade com a população indígena. O crime aconteceu na madrugada de 20 abril, dia seguinte ao dia do Índio.

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A data foi criada em 1943 pelo governo do presidente Getúlio Vargas através do decreto-Lei 5540/43 como forma de homenagear a herança histórica indígena no Brasil. Várias obras, como "O Povo Brasileiro", de Darcy Ribeiro, afirmam que a população indígena era maior que a população portuguesa no momento em que os lusitanos pisaram pela primeira vez na terra brasilis, e atestam sua fundamental importância para a cultura do país.

Após o massacre da colonização e o início da miscigenação, centenas de povos autóctones sobreviveram ao Brasil, e hoje vivem sob proteção constitucional, com direitos garantidos a terras tradicionais, como disposto no capítulo VIII, artigos 231 e 232 da Carta Magna, com direitos como a demarcação de terras "tradicionalmente ocupadas". Pelo menos, é o que deveria estar acontecendo.

Em 2017, o governo federal assinou parecer da Advocacia Geral da União (AGU) para apoiar os ruralistas e suas pautas. No total, a AGU, apontou a paralisação de 748 processos de demarcação de terras que estavam em andamento no país. Temer, assim, mudou o entendimento da Constituição Federal, apontando que as terras indígenas seriam direito destes povos apenas se eles já as ocupavam em 1988, assumindo a proposta de Marco Temporal da AGU. Esse entendimento tem apoio de parte dos ministros do STF. O parecer seria parte da negociação feita pelo Congresso para barrar denúncias contra o presidente, ainda em 2017.

"Isso é uma coisa que está clara para todas as lideranças indígenas do Brasil. Nós sabemos que hoje no Brasil a principal pauta, a principal luta do movimento indígena é pela demarcação dos territórios tradicionais. E nos governos anteriores, nós já tínhamos uma desaceleração do processo de demarcação de terras indígenas, um enfraquecimento sistemático da FUNAI, que é o órgão oficial do Estado brasileiro que trata da política indigenista, e no governo Temer nós tivemos isso de forma mais clara", afirma Luiz Eloy Terena.

O advogado indígena aponta que a situação não é apenas de paralisação, mas de reversão de algumas demarcações. "Primeiro que no que diz respeito aos processos demarcatórios, nós temos agora uma total paralisação dos processos. Além de paralisação, quer dizer, não demarcar nenhum território, nós estamos vendo acontecer a reabertura de procedimentos que estavam já consolidados, e até mesmo a anulação de terras já demarcadas e consolidadas, como foi o caso da terra indígena em São Paulo, dos Guarani no Jaraguá".

Durante o Acampamento Terra Livre de 2017, indígenas são reprimidos com gás lacrimogêneo em Brasília.

Segundo um relatório de 2016 da Organização das Nações Unidas (ONU), os povos Indígenas brasileiros sofrem os maior risco desde a assinatura da Constituição de 1988, o que mostra que problema vinha de antes, e que vem se aprofundando.

"Além disso, nós estamos observando como a bancada ruralista está se apropriando da FUNAI, o órgão que deveria defender o direito dos povos indígenas. Tudo isso sob uma moeda de troca. O Michel Temer para se manter no poder necessitava dos votos da bancada ruralista e com isso ele usou os direitos dos povos indígenas como moeda de troca. Então isso está bem claro para nós", reflete o advogado Terena.

"Essas pessoas sentem mais liberdade para eliminar lideranças que estão lutando pelo direito à terra"

Na terça-feira (18), um relatório divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), mostrou um levantamento assustados. Segundo a organização, 2017 foi o ano mais violento contra as populações do campo desde 2003, o que inclui populações indígenas. Além dos 70 mortos ao longo do ano, contra 63 do ano anterior, a organização suspeita de mais um massacre de 10 indígenas isolados no Vale do Javari, no Amazonas.

Para a Comissão, esse quadro caracteriza uma criminalização dos movimentos sociais.

"Eu concordo com a CPT. Há uma criminalização dos movimentos indígenas, dos sem-terra, dos quilombolas, dos povos tradicionais. E essa criminalização, ela é permanente o processo se intensificou com o golpe, que destituiu o governo Dilma", apontou Bernardo Mançano Fernandes em entrevista à Sputnik Brasil. Bernardo é geógrafo e pesquisador da Universidade Estadual Paulista, a UNESP, e trabalha há mais de duas décadas analisando a situação dos povos do campo no Brasil.

Um indígena mira seu arco no ar durante protesto em frente ao Congresso Nacional.

Bernardo Fernandes lembra que a situação já foi muito mais grave durante a Ditadura, em que milhares de indígenas forma mortos durante esse período. A situação depois atingiu outros picos durantes os governos Collor e Sarney. Em 1987, lembra o professor, o número de morto foi de 160.

Para ele, a situação continuava grave, mas melhorando. No entanto, o quadro político do país após o golpe de 2016 deu um empurrão na violência contra os povos do campo, segundo o professor.

"Os latifundiários que sempre tiveram uma prática assassina de mandar matar trabalhadores sem-terra, indígenas e quilombolas para poder se apropriar das suas terras, dos seus territórios, eles agora estão mais ousados", afirma o professor Bernardo. Para ele, o governo Temer tem "financiado muitas das demandas e das políticas da classe ruralista", o que teria influência na violência no campo, pois "essas pessoas sentem mais liberdade para eliminar lideranças que estão lutando pelo direito à terra", disse.

Uma das formas desse incentivo que a parceria de Temer com os ruralistas teria assumido, é justamente criar um impasse para o não reconhecimento de terras indígenas através da medidas governamentais.

Em 2017, por exemplo, Temer não criou nenhum assentamento para a reforma agrária, revertendo os avanços na área de forma inédita e brusca. Informações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mostram que pela primeira vez desde 1995, nenhuma família foi assentada, o que seria um desejo antigo de latifundiários e ruralistas.

Mas afinal, o que é a demarcação de terras e por que os ruralistas são contra?

Segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), órgão estatal responsável pela política, gestão e pesquisa sobre os povos indígenas do Brasil, as áreas demarcadas, ou Terras Indígenas, são áreas de propriedade da União que seriam habitadas pelos povos indígenas para sua reprodução física e cultural segundo seus usos, costumes e tradições. Segundo o órgão, 462 dessas terras já estariam ocupadas no país. Essa, portanto, seria uma forma diferente de posse, que não deveria se confundir com a propriedade privada.

"E nós temos também que os povos indígenas estão reivindicando seu territórios tradicionais. Então não se trata de qualquer pedaço de terra, de um espaço físico. Então não adianta propor, por exemplo, transferir os Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul para terras nos Amazonas, em outros territórios. Porque não é isso, os povos indígenas estão reivindicando seus territórios tradicionais, o que é justamente de onde vem sua origem, sua tradicionalidade", afirma Luiz Eloy Terena, da APIB.

Porém, grupos políticos como a Frente Parlamentar da Agropecuária, a bancada dos ruralistas, a maior bancada do Congresso Nacional, com pelos menos 162 deputados, advoga que essas terras não são produtivas, e pretendem mudar o entendimento constitucional sobre o assunto.

Polícia guarda Supremo Tribunal Federal (STF) diante de protesto indígena que pede demarcação de terras.

"Cada vez mais, eles tentam ganhar o apoio popular, o apoio da população, com o argumento de que esses povos têm muita terra e não são produtivos. Eles tentam fazer uma comparação com as grandes corporações que produzem monocultivos de soja, cana, monocultivo de árvores, e tentam dizer que essas terras precisam ser tornadas produtivas", lembra o pesquisador Bernardo Mançano Fernandes, que continua: "E aí eles impedem que a população compreenda que as terras desses povos, elas têm outra finalidade, elas não são terras para a produção de commodities, elas são terras para a produção da vida".

O advogado Luiz Eloy Terena, da APIB, também desmonta a tese ruralista. "Na verdade isso é uma falácia da bancada ruralista em nome de um suposto desenvolvimento. Pegamos, por exemplo, o estado do Mato Grosso do Sul, em que nós temos uma presença muito forte do Agronegócio e é um estado em que nós temos muitos conflitos também por questão da demarcação das terras indígenas. Se hoje a FUNAI demarcasse todas as terras reivindicadas pelos Guarani-Kaiowá e pelos Terena, por exemplo, daquele estado, não chegaria nem a 2% de todo o território daquele estado. E isso se revela na maioria dos estados da federação brasileira", argumenta o advogado.

O que é o Marco Temporal que os ruralistas querem impor às Terras Indígenas?

A tese  do Marco Temporal, que foi construída pelos ruralistas, é uma tese que afirma que os índios só teriam direito às terras que eles já estivessem ocupando no dia 5 de outubro de 1988, que é a data em que foi promulgada a Constituição.

Luiz Eloy Terena discorda dessa avaliação. "Nós sabemos que isso não está no texto constitucional, muito pelo contrário. A Constituição quando vem e reconhece esses direitos que ela chamou de direito originário, ela não traz nenhum tipo de requisito temporal e não traz essa restrição, pelo contrário, ela traz um direito originário".

Para o advogado, essa tese não leva em conta sequer o período histórico brasileiro em que se assentaria o Marco Temporal. A data de assinatura da última constituição federal, ocorre pouco tempo depois da Ditadura Militar, período considerado de grande repressão no campo, devido às políticas adotadas pelo governo para a proteção e a unidade do território nacional.

"Então essa interpretação de alguns juízes e até alguns Ministros do STF é uma tese que restringe direitos, porque nós sabemos que muitas comunidades indígenas não estavam em suas terras no dia 5 de outubro de 1988 justamente porque foram despojadas de seus territórios. Aliás, a gente estava acabando de sair de um período da ditadura militar. E nós sabemos quantas comunidades foram despojadas, ou seja, expulsas de seus territórios, em grande maioria pelo braço estatal. Quem deveria proteger essas comunidades, retirou essas comunidades", lembra Luiz Eloy.

A ideia de controle sobre as vastas áreas do país passava pela identidade e pelo sentimento nacionalista, ao qual identidades como a indígena e a negra eram consideradas ameaças. O censo de 1970, por exemplo, não apresentava opções de cor ou raça para as pessoas, o que se repetiu durantes diversos recenseamentos ao longo desse período.

Qual é a importância da FUNAI nisso tudo?

A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) nasceu durante a Ditadura Militar, em 1967 e é o principal órgão indigenista do Estado brasileiro. Ela tem como papel a pesquisa, "a identificação, a delimitação, a demarcação, regularização fundiária e registro das terras indígenas".

Segundo o advogado Terena, Luiz Eloy, atualmente o movimento indígena defende a FUNAI, que já foi criticada por sua atuação. Para ele, uma FUNAI fraca econômica e politicamente, afeta a vida dos povos indígenas, principalmente no que tange à sua pauta principal, que é a demarcação de terras. No entanto, o movimento indígena é crítico da forma a FUNAI atua agora. Segundo ele, há em curso um "aparelhamento" da FUNAI, com pessoas indicadas pela bancada ruralista para defender seus interesses.

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"O exemplo claro nós tivemos no ano passado, quando o presidente Toninho foi exonerado porque não seguiu a cartilha da bancada ruralista, e nós estamos vendo isso acontecer novamente de forma explícita com o presidente Franklimberg, como foi noticiado ontem, e nós tivemos acesso ao documento encaminhado pela bancada ruralista, em que mais de 200 parlamentares assinam pedindo a exoneração dele, e indicando uma outra pessoa que é mais aberta aos interesses da bancada ruralista", afirma Luiz Eloy.

Ainda na terça-feira (17), o presidente Michel Temer decidiu exonerar o presidente da FUNAI, Franklimberg Ribeiro de Freitas. Segundo o jornal Estado de São Paulo, 40 deputados e senadores teriam pedido a demissão de Franklimberg pelo fato de que ele "não tem colaborado com o setor".

Para o advogado, essa situação é uma clara evidência de que Michel Temer teria negociado os direitos indígenas em troca de votos e apoio da bancada ruralista. Luiz acredita que para além da FUNAI, a mesma situação esteja se repetindo na Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).

Quais as perspectivas dos povos indígenas para os próximos anos?

A forte pressão, a enorme violência e o estreitamento do horizonte político no Brasil fazem com que o professor e pesquisador da UNESP, Bernardo Mançano Fernandes tenha uma perspectiva pessimista sobre o futuro próximo.

"Olha, a perspectiva que nós temos hoje é a pior possível, porque as forças conservadoras estão crescendo cada vez mais. As forças progressistas estão em refluxo. E o que eu estou vendo é o aumento da resistência dessa população [indígena], só isso. Nós não temos hoje no cenário político, uma perspectiva de mudança dessa tendência violenta", aponta. Para ele, o quadro no Brasil chega ao ponto do genocídio rural e urbano, o que segundo o professor, deve ser denunciado o máximo possível nas redes sociais, uma mídia alternativa e acessível.

"[Isso] está representado no assassinato da Marielle, que está representado no assassinato de tantos jovens nas áreas rurais brasileiras e nas áreas urbanas brasileiras, jovens lideranças, jovens que estão lutando contra esse processo de genocídio, esse processo de criminalização. Nós estamos vivendo uma verdadeira guerra no nosso país, e é fundamental que as pessoas tenham o bom senso de ser contra esse processo", conclui.

O advogado indígena Luiz Eloy, também aponta uma direção de luta e denúncia. Apesar de enxergar as dificuldades, ele mantém o otimismo em relação à resistência. "Isso para nós é claro. É continuar resistindo, seja no campo ou na cidade, porque nós também temos populações indígenas já no contexto urbano. E os povos indígenas têm se organizado, através do movimento para estar pautando as suas demandas", aponta.

Luiz Eloy convida para os debates do Acampamento Terra Livre, e aponta que os indígenas se manterão firmes na defesa dos direitos: "Então […] um dos temas que vai ser debatido também pelas lideranças indígenas é pensar o Brasil a partir de tudo isso que está acontecendo, de violações de direitos e de garantias fundamentais, e lutar pelas liberdades democráticas. Aqueles direitos que estão na Constituição, os povos indígenas sempre tiveram o compromisso de defender, então isso a gente vai continuar fazendo".

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