Notícias do Brasil

Analista: crise na Venezuela pode fortalecer papel do Brasil no acolhimento de refugiados

Uma proposta em discussão no Senado brasileiro oferece ao país a oportunidade não só de ajudar os refugiados que fogem da crise na Venezuela, mas também posicionar a nação como uma defensora da Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirmou uma especialista ouvida pela Sputnik Brasil.
Sputnik

Recebido nesta semana por senadores na Comissão Mista que analisa a Medida Provisória 820/2018, o coordenador residente nas Nações Unidas (ONU) no Brasil, Niky Fabiancic, pediu que o país "construa pontes" ao invés de fechar fronteiras, referindo-se ao pedido do governo de Roraima para que o Brasil feche suas fronteiras com a Venezuela.

A Medida Provisória 820/2018 trata das medidas emergenciais que devem ser implementadas pelas estruturas dos governos para acolhimento de pessoas em situação de vulnerabilidade, decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária.

Fronteira entre Brasil e Venezuela não pode ser fechada, afirmam advogados

Em entrevista à Sputnik Brasil, a cientista política e professora de Relações Internacionais Camila Asano, coordenadora de Programas da Organização Não-Governamental Conectas Direitos Humanos, elogiou a fala e as preocupações de Niky Fabiancic. Para ela, é um reconhecimento do papel do Brasil no cenário migratório internacional.

"A fala do representante da ONU é muito positiva, ela é uma tradução dos Acordos e Tratados Internacionais que o Brasil firmou e ratificou, e é o reconhecimento de que o Brasil tem atuado de modo responsável junto às pessoas que estão fugindo de crises em seus países. Além disso, o representante da ONU no Brasil agiu muito bem ao invocar a Declaração Universal dos Direitos Humanos junto aos parlamentares que estão debatendo esta medida provisória", declarou.

A analista criticou veementemente a iniciativa da governadora de Roraima, Suely Campos, que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para que a União feche a fronteira com a Venezuela. Com mais de 40 mil venezuelanos, o Estado está sofrendo com a falta de infraestrutura para acolher tantos imigrantes.

"O pedido da governadora de Roraima ao Supremo Tribunal Federal para que o Brasil feche temporariamente suas fronteiras com a Venezuela é totalmente descabido e desumano. E é por isso que o presidente Michel Temer disse que governo federal não dará acolhida a esta demanda", pontuou a professora.

Avanço e aperfeiçoamento

Aos senadores, Niky Fabiancic solicitou que durante os debates para transformar a medida provisória em lei os parlamentares utilizem como referência "os princípios e direitos consagrados na Carta da ONU e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, como a não-discriminação, o direito à liberdade de locomoção e residência dentro do território nacional, o direito universal à educação, à saúde e ao trabalho, e o direito de buscar e gozar de asilo em outros países".

Na opinião de Camila Asano – que também participou dos debates na Comissão Mista sobre a medida provisória como representante da sociedade civil –, a proposta "cria todo um aparato necessário ao acolhimento de pessoas que vivem dramas humanitários em seus países de origem", algo que inexiste hoje.

"Tanto é assim que quando pessoas procedentes do Haiti chegaram ao país em 2010, depois do terremoto em seu país, não havia uma estrutura adequada para recebê-las. Hoje, nós estamos diante de outro grande fluxo, o de venezuelanos, também decorrente de crises humanitárias e o Brasil, por não possuir essas estruturas de acolhimento, tem incorrido em vários equívocos junto a estas pessoas. Por isso, ter esta medida é um avanço porque ela vai criar as estruturas necessárias ao recebimento destas pessoas", avaliou.

'Roraima não pode virar um campo de concentração', diz governadora sobre venezuelanos

No ano passado, o Brasil adotou uma nova Lei de Migração, que reformou um entendimento não humanitário que datava da ditadura militar. Na opinião da especialista da Conectas, a medida provisória debatida pelos senadores neste ano pode complementar e aperfeiçoar a legislação já existente, sobretudo quanto à acolhida humanitária.

"Esta MP precisa se adequar à Lei de Migração, de número 13.445, de 24 de maio de 2017, que entrou em vigor em novembro passado. Um dos primeiros artigos desta lei elenca os princípios que regem a política migratória do Brasil. E um dos grandes avanços desta lei foi ter incluído o princípio da acolhida humanitária. Só que, por ser algo novo e que poucos países exercem, o Brasil precisaria desenhar como se deve dar esta acolhida humanitária. Então, a Medida Provisória 820/2018 vem dar concretude a este aspecto da Lei de Migração", completou.

Além da importância diante da crise migratória venezuelano, a discussão no Brasil pode ter um aspecto histórico, já que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completará 70 anos de vigência em 10 de dezembro de 2018.

Comentar