Chefe da robótica chilena: 'Que sigam desenvolvendo tecnologia militar, mas fora da Terra'

No mundo, existe um estereótipo de que na Rússia só há gás, petróleo e nada mais. Será que o centro Skolkovo é, em algum sentido, a prova de que isso não é assim? A Sputnik Brasil discutiu o assunto com Rodrigo Quevedo Silva, presidente da Associação Chilena da Robótica, que desembarcou em Moscou para participar do fórum anual do respectivo ramo.
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Em 24 de abril, na 6ª conferência anual de robótica Skolkovo Robotics, o alto oficial chileno apresentou seu discurso intitulado "Robótica na América Latina: Rompendo o paradigma de revoluções industriais", frisando que os frutos dos avanços tecnológicos costumam escapar das mãos de países em desenvolvimento, tais como as nações latino-americanas.

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Através do seu laboratório no Chile, construído completamente com financiamento privado sem ajuda do Estado, Quevedo se esforça em promover a robótica no continente para o bem de toda a população.

Assim, uma das maiores sensações criadas pelo inventor chileno é a chamada Over Mind, ou seja, uma cadeira de rodas que pode ser controlada pela mente da pessoa que está sentada nela, através de um capacete que registra sinais recolhidos por neurossensores.

Alinhando-se com Moscou

Ao longo dos anos, Quevedo conseguiu inúmeras parcerias com vários países, inclusive com a Rússia. Por exemplo, disfruta de uma cooperação estreita com a empresa de exoesqueletos russa, ExoAtlet. Já no que se trata do Skolkovo, veio para trocar sua experiência e talvez buscar novas parcerias.

"O Skolkovo é um lugar impressionante, não somente porque hoje em dia abrange a projeção do futuro. É incrível ver como, não só tecnologias russas, mas de muitos países do mundo se reúnem no Skolkovo para criar juntos uma tecnologia melhor. E trata-se de várias áreas, não apenas de energia. Tem [tecnologia] de satélites, saúde e agronegócio. É […] uma grande aposta no futuro, em minha opinião muito certeira, que a Rússia tem tido — apostar na tecnologia avançada. É isso que faz dela uma potência mundial", manifestou o interlocutor da Sputnik Brasil.

Vale observar que a Rússia começou recentemente a se voltar mais para novos parceiros, especialmente na Ásia, na América Latina e em outras regiões. De acordo com Quevedo, dá para sentir esse estreitamento na robótica também.

Rodrigo Quevedo Silva, presidente da Associação Chilena da Robótica, durante a 6ª conferência anual de robótica Skolkovo Robotics, em 24 de abril de 2018

"Sim, se observa uma aproximação entre a Rússia e a América Latina. Dá para sentir, mas é necessário trabalhar mais para que a tecnologia sirva concretamente à pessoa. A Rússia tem muito que fazer na tecnologia avançada, sobretudo, solucionar o problema concreto de uma pessoa e das cidades. Temos que considerar também que a Rússia é muito competitiva em seu preço. Ela não somente é frequentemente melhor em sua tecnologia, mas isso também custa mais barato", explicou.

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De acordo com o empresário, é preciso trabalhar de forma que a tecnologia russa "possa ser entendida por um latino-americano".

"E nós, latino-americanos, provavelmente temos muito para dar à Rússia. E isso é nosso intercâmbio. De tecnologia […] de arte, de forma de traduzir esta tecnologia em uma língua digerível. Mas há uma grande expectativa na América Latina em relação às tecnologias dos países que antigamente não tinham sido tão próximos de nós, como a Rússia. É como um mundo novo para nós que conhecemos gradualmente à medida que nos aproximarmos", enfatizou o entusiástico chileno.

Ajuda aos vizinhos

De fato, o laboratório de robótica chefiado por Quevedo é o único do seu tipo na América Latina. Logicamente, sendo pioneira, sua empresa também faz questão de cooperar com outros países da região para promover as respectivas indústrias no continente e contribuir para o bem comum.

Quanto ao Brasil, sua parceria com a empresa chilena é um caso particular, sublinhou o entrevistado.

"O Brasil é um caso à parte, pois é um país que iguala a quase um continente. Normalmente, quando falamos da América Latina, deixamos o Brasil fora. Tem a América Latina e o Brasil. Claro que nós cooperamos com o Brasil, com o INEXPORT, que é um centro de investigação muito importante no Brasil, que tem vínculos com a Universidade Tecnológica Metropolitana (UTEM), em Santiago", contou.

Segundo o inventor, seu laboratório, fundado de maneira privada, está "disposto a cooperar" e segue cooperando muito com outros países de maneira não comercial.

Rodrigo Quevedo Silva, presidente da Associação Chilena da Robótica, durante a 6ª conferência anual de robótica Skolkovo Robotics, em 24 de abril de 2018

"[Cooperamos] entregando-lhes uma forma de treinar, uma forma de desenvolvimento e conhecimento tecnológico. De fato, no nosso laboratório a principal tecnologia em desenvolvimento é o serviço à pessoa. Vamos abrir este código ao mundo inteiro, pare que abram centros de investigação e todos avancem nessa linha. […] Não vamos vender esse código, mas abrir, para que todo o mundo possa seguir desenvolvendo. Esta é a nossa tradição de cooperação, não apenas com a América Latina, mas com todo o mundo. Só basta pedir, nada mais", enfatizou.

Ameaças que robótica coloca perante nós

É bem evidente quão personalizada é a abordagem tomada pelo empresário na sua organização. Porém, sendo ele ex-oficial do exército chileno, nós não poderíamos descartar uma pergunta sobre o uso de robôs no campo militar.

"Eu acredito que a tecnologia no âmbito militar não somente vale a pena, mas também é uma atividade que não pode ser descartada. Eu acho que, o homem, desde que chegou à Terra, tem disputado e tem estado em guerra, sempre. Faz parte do homem, da humanidade. […] O que eu penso é o seguinte: se temos uma tecnologia que trava guerra de modo tão avançado, ela vai se confrontar no espaço exterior. Vai conquistar novos mundos no espaço", assinalou.

Assim, essa mesma tecnologia que a gente desenvolve poderá, e deverá, na opinião de Quevedo, deixar a Terra para solucionar os problemas da humanidade que vai ficar.

"Eu penso que devem seguir desenvolvendo a tecnologia militar, mas no espaço, fora da Terra, aqui não. Se é tão boa [a tecnologia], que vá combater lá fora. Mas esta tecnologia deve deixar a Terra, só com essa condição. […] Acho que neste caso seria uma mudança concreta do paradigma, assumindo a realidade, porque a tecnologia melhor se desenvolve junto com a tecnologia militar", resumiu.

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Quando nós discutimos os desafios de robotização, frequentemente se fala sobre o possível desemprego criado em resultado deste processo. Entretanto, o inventor chileno acredita que o mundo não deve se preocupar com essa ameaça fictícia.

"De fato, estamos trabalhando ao discutirmos os robôs. E o robô não está fazendo nenhum trabalho neste momento. Não estão tirando a gente. No meu país, a inteligência artificial permitiu que 40 mil pessoas que não tinham emprego passassem a trabalhar no Uber. [Inteligência artificial] está tirando ou criando emprego? Eu acho que criando", realçou.

Deste modo, trata-se de mudanças, ressalta Quevedo, pois o emprego está sendo modificado com a robotização. Em resultado disso, empregos considerados bases serão extintos, enquanto a humanidade terá que "trabalhar usando oportunidades novas".

"Será que há 5 anos imaginaríamos que haveria Uber? Nunca. Não existia. E hoje em dia, sim, é permanente. […] É um problema matemático e ele se resolve no seu celular que diz onde você está considerando a variedade de trânsito. Quando se podia imaginar que seríamos capazes de conversar olhando cara a cara [por videoconferência]? […] Não sou pessimista, sou realista. […] O homem, desde que nasceu, se ocupa de tecnologia. Tecnologia e conhecimento. E vai seguir assim. O homem não somente vai melhorar, mas se tornar em super-homem graças à robótica", assegurou o empresário com ar entusiasmado.

Na percepção dele, por mais avançada que seja a tecnologia, ela nunca poderá substituir as coisas "eternas" como arte, cultura e trabalho das pessoas.

"Eu acredito no florescimento artístico, na revolução cultural, mais que tecnológica, porque a tecnologia já não surpreende, não impacta, porque é parte de tudo que fazemos. […] Nos países avançados, que produtos são mais apreciados — feitos à mão ou pela máquina? À mão, sim. O mesmo vai acontecer no futuro. As atividades realizadas pela pessoa vão ser mais valiosas que feitas por qualquer robô. Porque o ser humano se posiciona sobre a máquina", concluiu.

Centro de Skolkovo em Moscou
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