Da mesma forma como a maioria das repúblicas da antiga União Soviética, por muitos anos consecutivos, a Armênia tem sido governada por um único líder, Serzh Sargsyan. Seus dois mandatos consecutivos foram bem exitosos, com diversos avanços inclusive no palco internacional e melhoramento das relações com seu "eterno" rival, Turquia, porém, marcados por problemas estruturais, tais como a corrupção e a redução da economia.
Protesto com perfil individualista
Este passo do ex-presidente foi entendido pela oposição e pelo povo como uma tentativa de contornar a lei para perpetuar no poder. Assim, o novo premiê conseguiu ficar no seu posto por apenas seis dias, acabando por renunciar em 23 de abril.
Neste contexto, a "onda revolucionária" foi tomada pelo líder carismático da oposição, Nikol Pashinyan. Suas habilidades de orador fizeram com que milhares de pessoas o seguissem em sua manifestação e apoiassem seus lemas, embora antigamente sua facção política no parlamento tivesse significativamente pouco peso (há quem diga que isso aconteceu meramente por causa das falsificações maciças nas legislativas).
Deste modo, o protesto dos armênios se cunhou como uma quintessência de confrontação de dois políticos. Sendo inspiradas e norteadas por Pashinyan, as manifestações tiveram como seu principal alvo a figura de Sargsyan como encarnação de corrupção, burocracia e instabilidade econômica que reina no país, na opinião dos manifestantes.
Resistência do parlamento
Após a renúncia do ex-líder, o parlamento do país, dominado pelo Partido Republicano com liderança de Sargsyan, foi obrigado a eleger novo chefe. Em 1º de maio, deu-se a primeira tentativa de voto — porém, apenas 45 deputados (sendo necessários ao menos 53) apoiaram a candidatura do líder da oposição.
Em sequência disso, foi agendada a nova votação para o dia 8 de maio, que, caso não consiga eleger novo premiê, significará a dissolução do parlamento e a convocação de eleições antecipadas.
O respectivo fracasso do voto no parlamento levou a uma nova onda de protesto popular, já em prol do oposicionista Pashinyan, caracterizada pelo bloqueio de numerosas estradas, rodovias, pontes e até acesso ao aeroporto.
Nesse ambiente, o parlamento nem conseguiu "durar" sete dias, anunciando sua formal "capitulação" em 2 de maio e prometendo apoiar o candidato de oposição no próximo voto.
Segundo, os protestos já evidentemente passaram àquele patamar quando não podem ser ignorados. Provavelmente, caso o parlamento tivesse descartado de novo a candidatura do político apoiado por milhares de pessoas nas ruas, o movimento popular teria se transformado em uma rebelião muito mais séria.
Falta de violência
Um fator muito importante assinalado tanto por cientistas políticos quanto por testemunhas e jornalistas é o caráter excepcionalmente pacífico do protesto armênio, que de fato é um dos pilares do conceito das chamadas "revoluções coloridas".
A violência não integrou as ferramentas nem dos manifestantes nem do governo, embora tenha havido tais casos no país. Assim, no ano de 2008, o governo armênio não hesitou em usar armas contra os manifestantes na capital do país, o que foi relembrado a Sargsyan pelo novo líder oposicionista.
Evidentemente, ex-presidente não quis iniciar sua caminhada como premiê da mesma forma como aconteceu 10 anos atrás, ou seja, em meio aos acontecimentos trágicos, e acabou por sair pacificamente, reconhecendo que ele "não teve razão, enquanto Pashinyan teve".
O próprio líder do protesto tem ressaltado numerosas vezes que este deve ter um caráter completamente pacífico e apelou aos seus simpatizantes para evitar qualquer possibilidade de confrontos com a polícia. E foi assim: até os bloqueios maciços de ontem (2) foram acompanhados por danças, canções, preparação de churrasco em plena estrada e ar de liberdade, pelo menos julgando pelas reportagens e fotografias.
Reação moderada de Moscou
Uma coisa que gerou confusão de muitos foi, por sua vez, a posição bem moderada do Kremlin que, através do seu porta-voz Dmitry Peskov, limitou-se a dizer que os acontecimentos na Armênia são uma "questão interna" do país.
Em sua essência, esta postura não representa algo novo para as autoridades russas. Em outras ocasiões, como no cenário ucraniano, sua reação forte foi em primeiro lugar relacionada a casos de violência durante as manifestações e vários vestígios de intervenção estrangeira.
Já no caso da Armênia, o Kremlin seguiu o padrão que sempre tenta aplicar em suas relações com outros países, isto é, de não intervenção e declarações moderadas, pelo menos antes que saia algum acordo político concreto que configure a futura liderança do país.
Futuro vetor de desenvolvimento
Agora, quando a nomeação de Pashinyan já é quase fato consumado, vale esclarecer quais são as principais prioridades do programa que ele propõe. Nesse respeito, surge novamente questão das relações com a Rússia, um parceiro estratégico para o país em termos de comércio e segurança.
Sendo um líder da pequena fracção parlamentar, Pashinyan se manifestava em prol de maior associação com a União Europeia e da saída do país do processo de integração euroasiático.
Porém, após se tornar o "navegante" do protesto popular, ele se apressou a mudar o discurso, frisando a tradição dos longos laços amistosos entre os dois países que irão "continuar se estreitando", em meio a uma reunião com uma delegação parlamentar russa que chegou a Erevan há poucos dias.
Será que essas declarações vão durar e configurarão na verdade a futura agenda exterior do novo governo? É difícil prever, mas é certo que a Armênia depende muito do apoio russo pelo menos nas questões de segurança. Situando-se em meio a dois rivais de longo prazo, Azerbaijão e Turquia, e tendo uma base militar russa em seu território, é pouco provável que o país passe a refutar a parceria com Moscou.