O termo "fake news" entrou oficialmente para o vocabulário midiático e político no contexto das eleições norte-americanas em 2016, durante a disseminação de notícias falsas (ou acusações de serem falsas) na disputa entre Donald Trump e Hillary Clinton. Desde então, a veracidade e a transparência do que vem sendo divulgado na mídia oficial e nas redes sociais vem sendo colocada cada vez mais em xeque. O debate, no entanto, ganhou novo contorno na última semana, após ser anunciada no Brasil uma iniciativa para coibir este fenômeno, que virou arma em batalhas políticas no Brasil e no mundo.
Na semana passada, o Facebook lançou um mecanismo de controle da disseminação de fake news em parceria com as agências de checagem de fatos "Lupa" e "Aos Fatos". O programa de verificação parte da identificação de conteúdos falsos divulgados na rede social. De acordo o Facebook, esta identificação não apagaria estes conteúdos do feed de notícias, mas impediria o patrocínio destas informações pela rede, limitando significativamente a sua propagação.
Não demorou para que houvesse uma resposta reativa por parte de alguns grupos políticos de direita, que acusaram as agências de checagem dos fatos de serem de "esquerda" e o Facebook de promover a "censura da direita".
Para além do cunho supostamente ideológico que o embate adquiriu, colocando movimentos liberais de direita de um lado, e o Facebook e as agências de checagem de outro, este debate acabou expondo novos limites da atuação de setores da política e da mídia brasileira, sobretudo em um ano eleitoral. Quais são os interesses de grupos que se dizem liberais de inibir o controle de notícias falsas? Qual é a garantia de imparcialidade e isenção no controle do que será impulsionado ou não através do Facebook? A Sputnik Brasil faz uma análise das diversas facetas deste novo capítulo da vida política brasileira.
Cruzada contra os fatos
Movimentos sociais de direita, entre os quais se destacam o Movimento Brasil Livre (MBL), Nas Ruas, Revoltados Online, entre outros, publicaram um dossiê expondo o perfil de jornalistas ligados às agências de checagem dos fatos que estabeleceram a parceria com o Facebook.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) publicou uma nota em defesa das agências de fact checking, informando que "perfis pessoais de colaboradores dos veículos em redes sociais têm sido vasculhados e expostos em montagens, como supostas evidências de que as agências de checagem estariam a serviço de uma ideologia". De acordo com a nota, "em alguns casos, fotos de cônjuges e pessoas próximas aos profissionais também foram disseminadas junto a afirmações falsas e ofensivas".
O pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rafael Rezende, disse em entrevista à Sputnik Brasil que "esses grupos, especialmente o MBL, têm um longo histórico de difusão de notícias falsas nas redes sociais, que é onde eles mais atuam politicamente".
Em 2017, quando a Agência Pública de Jornalismo abordou o MBL para checar a fonte de uma informação falsa veiculada pelo grupo, a resposta enviada foi uma foto de um pênis de borracha com a frase "cheque isto".
Mas o fato mais emblemático sobre a atual cruzada destes movimentos contra os veículos jornalísticos surgiu no contexto da ampla propagação de notícias falsas que se deu após a morte da vereadora Marielle Franco. Duas semanas após o assassinato da vereadora, o MBL publicou no Facebook informações falsas propagadas pela desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), Marília Castro Neves, com a chamada “desembargadora quebra narrativa do PSOL e diz que Marielle se envolvia com bandidos e é 'cadáver comum'".
"As agências de checagem e alguns meios de comunicação se apressaram para desmentir a notícia, mas a matéria teve 300 mil compartilhamentos no Facebook e mais de 1 milhão de visualizações no Twitter. Então, nesse sentido, me parece que o interesse do MBL é bastante simples. É continuar tendo liberdade pra propagar esse tipo de mentira nas redes sociais e continuar utilizando essas notícias falsas para alcançar seus objetivos políticos", destacou o sociólogo do IESP.
Um exemplo do imbróglio envolvendo a checagem de notícias falsas e as acusações de censura é o mais recente caso noticiado pela agência Ponte Jornalismo, na última terça-feira (22), apontando que o procurador do Ministério Público do Rio de Janeiro, Marcelo Rocha Monteiro, publicou mentiras sobre jornalistas para atacar agências de combate a notícias falsas na internet. Ao se colocar contrário à checagem de notícias, o procurador afirmou que o jornalista Leonardo Sakamoto havia sido "contratado pela rede social [Facebook] para fazer checagem de fatos” em meio à “tentativa de censura a liberais e conservadores”. No entanto, Sakamoto não possui vínculos com os órgãos de verificação de notícias que fizeram a parceria com o Facebook.
Quem vigia os vigilantes?
A iniciativa do Facebook acerca da verificação de notícias não se restringe ao Brasil, sendo iniciada em dezembro de 2016 nos Estados Unidos, e expandida em outros países como México, Colômbia e Índia. Tanto a agência "Lupa" quanto a "Aos Fatos" são agências certificadas pela International Fact-Checking Network (IFCN), que é responsável por certificar critérios como apartidarismo e transparência nas fontes e no financiamento das instituições filiadas. A filiação à IFCN é uma condição do Facebook para o estabelecimento da parceria com as ferramentas de checagem.
"Em todos os países em que temos a ferramenta de verificação funcionando, inclusive aqui, trabalhamos com parceiros certificados e auditados pela IFCN. Trata-se de uma organização apartidária, cujo selo garante que os verificadores estão comprometidos com a imparcialidade e a transparência de suas fontes de informação e metodologia de checagem (você pode saber mais aqui). O trabalho deles é checar fatos, não ideias", destaca o Facebook.
Já a agência Aos Fatos informou à Sputnik Brasil, através de nota, que o mecanismo de verificação promovido pelo Facebook "permitiu cortar em até 80% a distribuição orgânica de notícias consideradas falsas por agências de verificação parceiras nos Estados Unidos".
"Além de reduzir o alcance de conteúdos considerados falsos, o Facebook enviará notificações para pessoas e administradores de páginas que tentarem compartilhar esse conteúdo, alertando-os que a sua veracidade foi questionada por agências de verificação", informa a agência.
Em contrapartida, alegando falta de objetividade das agências de checagem dos fatos, o MBL iniciou uma campanha de "checar os checadores". O grupo vem realizando postagens constantes nas redes sociais, denunciando supostas manipulações no método de verificação ou falta de isenção por parte destas agências.
No que diz respeito à tese de que há um pano de fundo ideológico por trás da checagem de notícias, as agências de verificação demonstram que miram dados falsos levantados tanto por setores da direita, como da esquerda. Já o Movimento Brasil Livre vem mirando exclusivamente nas instituições que eles acusam ser de "esquerda".
O curioso é que o MBL, que sustenta uma bandeira em defesa do liberalismo econômico e da livre iniciativa, agora ataca a autonomia de empresas privadas de estabelecer parcerias, como é o caso do Facebook, que contratou a "Lupa" e "Aos Fatos" para mudar a política do seu logaritmo.
De acordo como o pesquisador Rafael Rezende, "o caso das redes sociais é uma novidade que precisa ser bem debatida, e a influências social e política delas é bem grande". Ele considera que "é positivo que haja algum tipo de controle sobre a difusão de notícias falsas", mas destacou que é um debate que deve ser aprofundado.
"De fato a gente tem que problematizar que tipo de controle vai ser feito, quais serão as regras do jogo, se vai ter isonomia no tratamento de diferentes grupos políticos, principalmente durante o processo eleitoral. Que haja um controle eu acho muito importante. Agora, como vai se dar esse controle é algo que deve ser debatido na sociedade", observou.
Tendo em vista que a guerra de informações é um fator de grande influência no cenário político, principalmente no contexto das eleições de 2018 no Brasil, as redes sociais aparecem como um espaço de disputa de narrativas. Assim, a novidade que o mundo virtual trouxe no sentido de criar uma alternativa de informação às mídias tradicionais agora se desdobra para um questionamento em relação ao caráter "democrático" das redes sociais.