Ao meio-dia de 20 de junho, a praça principal do festival Fan Fest está ainda vazia, mas com cada vez mais fãs chegando para assistir o muito esperado jogo da equipe de CR7. O espaço foi construído, de fato, para proporcionar uma oportunidade de conviver em uma experiência ímpar àqueles torcedores que não conseguiram um ingresso para o estádio.
Todo o mundo por Portugal
E aí está o primeiro casal de camisa das quinas, ambos com um chapéu da mascote oficial da Copa, Zabivaka, parecendo bem entusiasmados e tirando fotos com os russos. Ao me aproximar deles, questiono em português com sotaque europeu se posso fazer uma série de perguntas. A resposta é pouco assertiva, tanto mais dada em russo, o que me deixa completamente perplexa.
Já ao ser perguntado sobre sua expectativa de um potencial encontro entre a seleção da casa, a russa, e a equipe lusa nas oitavas, logo fica evidente quem é o "ídolo" do futebol para Alejandro.
"A equipe russa é local, mas a equipe portuguesa tem Cristiano Ronaldo. Faz uma diferença grande. [Quanto a Charyshev, Dzyuba e Golovin], eles são muito bons, mas… […] Cristiano fez 3 gols em um jogo só. Já Charychev, de que você falou, fez 3 gols, mas em dois jogos… Cristiano — em um, isto é que os difere", desabafa.
Por não encontrar "portugas" de verdade no Fan Fest, sem contar os inúmeros torcedores chineses adeptos da equipe das quinas (claro que sem falar uma palavra em português), me lanço logo para o estádio. Aí, a predominância de marroquinos nas entradas salta literalmente aos olhos — talvez pelo pequeno hábito luso de chegar um pouco atrasado.
Enfim, encontro dois amigos vestidos de camisas da Seleção de Portugal. Acho que deu sorte. Mas estes, de novo, acabam sendo estrangeiros — até da Índia que nunca participou do campeonato. De fato, foi apurada uma vez na história, em 1950, mas não foi para o Brasil por não os terem deixado jogar descalços, o que era uma das exigências.
"Somos da Índia. [Apoiamos Portugal] por ele ter Ronaldo…", começa Ashish, que vive em uma cidade indiana perto dos Himalaias.
"Vamos para São Petersburgo ainda. A Rússia é boa, é linda. Este é o primeiro dia, de fato, não visitamos nada. Só conseguimos ver o Parque Gorky até agora. Esta noite, veremos mais", conta o torcedor, segurando a bandeira nacional do seu país.
Elogia ainda o time russo, que pelo visto acabou de surpreender não só todo o mundo, mas também os próprios russos, com suas duas vitórias avassaladoras a fio:
"O futebol russo é bom. Eles jogam muito bem. Eles definitivamente melhoraram seu desempenho."
Logo, reparo em outro grupo que me provoca confusão — jovens de camisas das quinas, mas com bonés verdes e amarelos. Estes, por sua vez, são paulistas e — adivinhe — também chegaram para apoiar o time de Ronaldo!
"Vamos para Samara, para Sochi, Kazan", fala Thiago, de São Paulo, com ar sorridente. Ainda aproveita a chance para elogiar o futebol russo que, até recentemente (sejamos honestos), não tem mostrado grandes êxitos.
"Eles têm jogado bem. Têm melhorado, têm se posicionado bem, têm jogado com bastante vontade, o jogo de ontem mesmo mostrou. Ganharam e ganharam bem. Não deixou dúvida", diz.
Danças e fantasias
E aí aparece ela — uma "malta" portuguesa cheia de fantasia e tinta, porém pouco conversadora por se apressar a entrar no estádio Luzhniki.
"Viemos da França. Mas somos de Portugal, do Norte. Chegamos ontem, não tivemos tempo de visitar algo ainda", diz um dos portugueses.
Falando do provável confronto com os russos, se mostra bem lacônico:
"Não vai ser fácil. Mas há maneira de passar. [Futebol russo] melhorou muito. Estão em casa, também."
É no momento em que já começo a cair no desespero, por ver um mar de bandeiras e camisas marroquinas, eis que surge um "bando" fantástico de torcedores lusos e atrai toda a atenção dos fãs em torno de si. Em uma marcha impressionante, entoam canções da torcida e gritam lemas.
"Somos um grupo, os Bárbaros, do Porto. Tens que estar conosco para assegurar-te que nós barbarizamos tudo no bom sentido. Vamos estar [aqui] hoje e em São Petersburgo, mas voltamos para a final", me diz Daniel ao forçar a voz em meio ao som estrondoso da torcida.
"E a seguir — Nikolskaya!", grita Daniel, entusiasmado, se referindo a uma rua no centro de Moscou que, inesperadamente para todos, literalmente virou uma meca para as torcidas de todo o mundo nestes dias encalorados da Copa.
Final Rússia-Portugal?
A seguir, pego outro grupo de amigos perto da entrada. Valter e Ricardo, da cidade de Faro que fica na região portuguesa do Algarve, dizem que chegaram mesmo ontem à noite, só conseguiram "dar uma voltinha" pela Praça Vermelha e pelo Parque Gorky e logo foram para se deleitar com o jogo da equipe amada. Confessam, para mais, que estão adorando o tempo, que evidentemente está até melhor que em Portugal, onde agora está constantemente chovendo.
Valter desabafa: para ele, a final ideal seria mesmo entre as equipes russa e lusa.
"Eu acho que eles estão a fazer um bom Mundial. Até acho que os russos não estavam à espera, ganharam 5-0 no primeiro jogo e 3-1 [no segundo]. Ontem saímos à noite, estava toda a gente a festejar. Eu gostava que se encontrassem… Mas espero que não, para podermos passar os dois às quartas da final. Então, Portugal-Uruguai, Rússia-Espanha, Rússia ganha à Espanha, Portugal ganha ao Uruguai, e vamos nós dois em frente para a final", manifesta.
"O fator casa também conta muito. As pessoas estão todas… Quando Portugal jogou em casa, foi à final do Euro, depois perdemos, mas penso que conta muito jogar em casa e ter um país todo a apoiar. O orgulho tem muita força", assegura o torcedor.
Quem não provou borsch não foi à Rússia
Mais um grupo de lisboetas, entre eles Paula e Manuel, me encontraram com sorriso brilhante. Eles já estão na Rússia por um tempinho — e até conseguiram provar os pratos mais típicos do país.
O jovem assegura: não chegou a sofrer nenhum problema nem de segurança nem de organização na Copa 2018.
"Até agora — perfeito. Impecável. Mesmo muito bom! Ainda vamos conhecer Moscovo, mas até agora — impecável. Muito mesmo, estou a gostar mesmo muito, a sério", confessa.
Em meio a multidões, há sempre grupos que ressaltam. Um deles são rapazes que logo passo a entrevistar. Pintados de tinta verde e vermelha, com bigodes colados no rosto e um deles até fantasiado de marroquino — eles viram o novo foco das atenções para os circunvizinhos.
"[Nosso nome é] os Loucos de Cascais. Chegamos há cinco dias. Muito bonito [aqui]", me responde David.
"[Já provamos] borsch, Stroganoff. Gostei!", conta ele e vai correndo para a entrada do Luzhniki.
Faltando apenas 40 minutinhos para o jogo, travo uma conversa com dois amigos portugueses que parecem bem chateados. Enfim, descubro que eles estão à espera de amigos atrasados e até recebo um agradecimento por amenizar um pouco "a tensão".
"Chegamos já há quase uma semana. Chegamos antes do primeiro jogo. Estivemos em Sochi — praia boa, bom jogo. Mas não estivemos em Sochi, estivemos em Adler [onde fica o estádio Fisht]. Simpático, boa praia, nunca antes tivemos banho no mar Negro, fizemos já", narra Antônio, português de Alcobaça, que fica perto da capital lusa.
O português confessa que em todos os eventos deste tipo, que já visitaram muitos, sempre fazem questão de conhecer coisas autênticas.
"Só tentamos comer comida típica russa, borsch, pelmeni… Parecem japoneses. [Fomos] a restaurantes georgianos e só comemos comida dessa", diz. Eu, por minha vez, me asseguro que foi com "smetana" (natas azedas), pois comer borsch sem esse produto é igual que um pecado para um russo…
"Comemos imensas coisas típicas, só comemos coisas típicas. Aliás, só uma vez que comemos um burger", responde António.
"Andamos nisto desde 2004 [Eurocopa], desde que foi em Portugal, vamos a todas. Eu falhei só a África do Sul. Ele [amigo] foi. De resto, fomos a todas: Polônia, Ucrânia [Europcopa de 2012], Brasil [Mundial de 2014], França [Eurocopa de 2016], sempre à procura de coisas típicas", adianta.
Ao falar sobre o porquê de tal atitude, apresenta uma teoria:
"O português gosta de se adaptar. Como nós temos uma cozinha muito rica e muito boa… E os outros que não têm cozinha, não sabem comer."