Continuidade do paradigma
Essa, por sua vez, se baseia na busca da paz, na resolução de todos os conflitos através de negociações e na diplomacia econômica.
"Entre os objetivos da política externa brasileira está a diplomacia econômica, ou seja, a participação do Brasil em todos os acordos e uniões econômicas possíveis. Acredito que no mundo não há uma entidade de integração ou comercial com que o Brasil não esteja relacionado", comenta a especialista, adiantando que isto é uma "caraterística tradicional" que permaneceu ainda desde a época pós-guerra (Segunda Guerra Mundial).
Assim, ressalta Lyudmila Okuneva, o país continua convivendo com os mesmos princípios, embora estes evidentemente tenham se encaixado em um cenário novo, dadas todas as perturbações políticas dos últimos anos e uma "ruptura muito séria" em todas as áreas políticas e econômicas.
Um exemplo disso é a intenção brasileira de virar uma verdadeira potência global, que parecia bem vigente até 2013, observa a analista. Porém, hoje em dia a crise econômica, que foi "promotora" da consequente debilitação política, não o permite nas proporções pensadas antes.
Baluarte amazônico
"Caso encaixemos nesse conceito de política externa, ou seja, nesse rumo constante, os objetivos de defesa e militares, não serão operações militares de qualquer tipo… De manutenção de paz, sim, nisso o Brasil ganhou renome nas Nações Unidas. Mas são operações de paz, não ações militares fora do país e assim por diante", explica.
Deste modo, conta ela, a doutrina militar brasileira de fato se foca na vigilância de um "país-continente", que tem a maior fronteira marítima no Atlântico de 7,4 mil quilômetros e uma fronteira terrestre de 16,5 mil quilômetros.
"Claro que se deve proteger essa riqueza. E sua doutrina de defesa é focada nomeadamente na proteção daquilo que eles têm, o que foi expresso por absolutamente todos os presidentes, tanto Lula e todos antes dele, quanto o atual, Michel Temer", diz.
Os dois pilares em que se baseia a respectiva doutrina defensiva, observa, são as regiões da "Amazônia Verde" e "Amazônia Azul".
"Pois, eles [brasileiros] pretendem guardar este 'pulmão do planeta' e esta floresta amazônica […] da intervenção externa. Assim, por exemplo, Madeleine Albright, quando era secretária de Estado dos EUA na era Clinton [1997-2001], dizia que era preciso abrir tudo isso 'para a humanidade'… Abrir a todo o mundo em geral. Ela era uma adepta do globalismo completamente exagerado, o que, a propósito, resultou paradoxicamente dentro de muitos anos em uma reação extremamente dura representada pela postura de Donald Trump que, pelo contrário, abre mão de tudo isso. Porque o globalismo — tal como foi na época do final da década 90 e no início dos 2000 — já se esgotou", relembra a cientista política.
"Por que isso deve ser um patrimônio nacional? É um patrimônio de toda a humanidade!' — parecem palavras bonitas, mas de fato querem dizer que isso [a região amazônica] estaria aberto para todos e que todos os países poderiam, digamos, usá-lo… Naquele momento, o Brasil ficou preocupado e protestou muito", assinala.
Recursos estratégicos
Além de aspetos evidentes como a biodiversidade e a emissão de oxigênio, a Amazônia ainda conserva muitas riquezas que devem ser protegidas, destaca a especialista.
"Vale falar ainda da água potável, pois aí na Amazônia tem reservatórios que igualam 3,5 lagos Baikal [maior lago da Rússia, muitas vezes considerado até como um mar]", argumenta a especialista, acrescentando que, segundo numerosos prognósticos, a escassez de água potável será o maior pomo de discórdia em regiões conflituosas em um futuro breve, inclusive no Oriente Médio.
"Por isso, suas reservas gigantes de água potável também são sua riqueza inestimável e uma vantagem competitiva, pois se todos correrem para eles na busca desta água potável, eles [o Brasil] vão se tornar a potência 'primeira entre iguais", assegura.
Em vista disso, conta a especialista, a estratégia no campo de segurança nacional do Brasil tem como prioridade as regiões da Amazônia, do Atlântico Sul e a camada pré-sal.
"Aquilo que eles chamam de ‘Amazônia Azul' tem a ver com a plataforma continental, onde foram descobertas reservas enormes de petróleo, isto é, o pré-sal", diz. "Assim, se trata de uma estratégia meramente defensiva que visa guardar tudo isso. Eles não planejam atacar ninguém, pois não é próprio deles — a última guerra foi a do Paraguai, que começou em 1864."